DOIS:

— Mãe! O que faz aqui? — perguntei, pálida, e fui até Rodrigo, que tentava impedir a mulher de invadir o quarto.

— O que eu faço aqui? É você quem deve responder essa maldita pergunta, Marissol! — ela disse em tom irônico e tomei um susto quando a ouvi esmurrando a porta. — Anda, Rodrigo, me deixe entrar ou vou derrubar esse lugar!

Minhas pernas bambearam e precisei me apoiar na parede para não cair. Todos os meus pesadelos estavam se tornando realidade e eu desejei com todas as forças sumir daquele lugar antes que minha mãe me matasse.

— Fica calma, Eva — pediu Rodrigo, mas ele mesmo parecia impaciente.

— Calma? — Mamãe riu com sarcasmo e tentou se espreitar pela fresta da porta por onde meu namorado falava com ela. Ele, porém, a afastou, se mostrando resoluto em não a deixar chegar até mim. — Você trouxe uma menor de idade para um motel! Tem noção disso? Eu deveria chamar a polícia, seu imbecil.

“Aquilo não podia estar acontecendo!”

— Rodrigo, deixa ela entrar, pelo amor de Deus — implorei, pois, mamãe não brincava em suas ameaças.

— Eva, não precisa de tudo isso. Ela é minha namorada, nós nos gostamos.

— Cala a sua boca, moleque — minha mãe o interrompeu em fúria — Acha que não conheço o seu tipo? Paga de santo, mas não passa de um libertino. Aposto que seduziu a tonta da minha filha! Eu vim levá-la embora!

— Ah! Dá um desconto, Eva — meu namorado manteve seu deboche. — Somos dois jovens aproveitando o melhor dessa vida. Você sabe como é.

— Aproveitando o melhor dessa vida? — mamãe explodiu e em seguida se lançou contra a porta. — Pois você vai aproveitar sua vida com qualquer outra, menos com a Marissol. Se encostar mais um dedo sujo nela, vai passar seus próximos anos atrás das grades!

Rodrigo usou sua força para fechar a porta de vez, enquanto minha mãe fazia um escândalo, xingando todos os palavrões possíveis.

— Tudo bem! Se é assim que quer, vou chamar a polícia — ela o ameaçou de novo e eu fiquei mais desesperada.

— Preciso ir com ela, Rodrigo — sussurrei com a voz falha e quando ameacei tocar na maçaneta, ele segurou meu braço e me empurrou para trás com força. — O que você está fazendo?

— Você não vai a lugar algum, está me ouvindo? — Apontou o indicador para o meu rosto.

— Rodrigo, não torne as coisas ainda piores. Ela não vai me deixar ficar aqui.

— Quer um lugar decente para dormir comigo? Então é isso que vou te dar. Vamos sair daqui!

Ele foi rápido até a cama, vestiu sua camisa, pegou minha bolsa, veio até mim e começou a me arrastar em direção a janela.

“O que ele estava planejando?”

— Será a noite mais animada das nossas vidas!

Neguei com veemência, tentando me soltar do aperto dele.

— Qual o seu problema? Eu quero ir embora! Me larga!

Ele parou de andar e me olhou de um jeito muito estranho. Senti medo.

— Pensei que você me amasse. Por acaso, mentiu para mim?

— Pare com isso — implorei, me alarmando ainda mais quando percebi que de repente tudo ficou quieto do lado de fora. — Minha mãe não está brincando.

— Ela não nos entende, princesa. — Beijou minha boca várias vezes. — Nós precisamos ficar juntos.

— Não quero desse jeito! — Tentei me afastar a todo custo. — Me solta agora, Rodrigo!

O aperto dele em meu pulso foi ficando cada vez mais forte e o desespero me levou a acertar o rosto dele com um tapa.

— O que está pensando, sua imbecil? Já se esqueceu de tudo que fiz por você? De tudo o que te dei? — ele questionou, ficando mais violento a cada minuto. — Sustentar seus caprichos foi muito caro e eu quero ser retribuído. Por isso, você vem comigo.

Meu coração se quebrou em mil pedaços ao ouvi-lo deixar claro que, para ele, eu não passava de uma prostituta. Ele não era um príncipe, era como todos os outros homens que já passaram pela minha vida, me usaram e foram embora.

Irada, usei toda a minha força para escapar dos braços daquele idiota e corri em direção à saída. Antes mesmo que eu pensasse em girar a maçaneta, a porta foi aberta de repente. Tomei um grande susto ao ver não só minha mãe e aquele dono do motel, como também Saulo, o pai de Rodrigo, e seus tios, pais da Isabella.

Foi muito vergonhoso quando todos entraram no quarto de uma vez. Minha mãe veio até mim e me abraçou com urgência, algo muito incomum entre nós. Já Rodrigo foi abordado por seu pai em plena fúria, que o segurou pela gola da camisa.

— O que pensa que está fazendo, meu filho? — ele gritou com muita firmeza, me causando medo. — Roubar dinheiro dos seus pais para levar uma menina a um motel?

Eu observava a cena de longe e senti mais raiva quando Rodrigo me olhou como se eu tivesse alguma doença contagiosa.

— Eu te dei essa educação? — O homem aumentou o tom de voz. — Onde você aprendeu a ser um homem desonrado e traiçoeiro? Na bíblia? Como pôde fazer isso com sua família? E, pior, com Deus?

Mais uma vez Rodrigo me encarou com repulsa e não hesitou em dar início ao seu teatro descarado.

— Pai, o senhor sabe como sempre fui um filho exemplar. Não está claro o que aconteceu aqui? — ele perguntou, aflito. — Planejei usar o dinheiro que me emprestou para comprar os livros da faculdade, mas fui seduzido por essa garota promíscua — acusou entredentes. — Eu já estava indo embora quando Eva chegou e bancou à louca!

Meu punho se fechou de tal forma que senti as unhas cravando em minha pele. Eu queria causar aquela mesma sensação na cara mentirosa daquele garoto dissimulado.

Como ele podia alegar aquilo sobre mim depois de quase ter me forçado a dormir com ele?

“Ah, se eu imaginasse...”

— Seu imbecil! — Minha mãe xingou e saiu em minha defesa: — Quem você pensa que é para jogar a culpa para cima da minha filha?

Rodrigo riu com escárnio e jogou a cabeça para trás, se divertindo com a situação.

— Sua filha implorou que eu fosse para a cama com ela. Marissol não passa de uma...

Antes de concluir a frase, Rodrigo foi acertado pelo seu próprio pai com um soco forte o suficiente para derrubá-lo no chão. No mesmo instante eu soltei um grito, assustada, pois jamais imaginaria ver uma cena daquelas. Até mesmo o pastor Antônio, pai de Bella, aproximou-se para segurar o irmão, impedindo que a situação saísse de controle. O idiota ficou humilhado e desnorteado, e eu lutei comigo mesma para não rir dele.

Saulo desvencilhou-se do irmão, deu dois passos e abaixou-se, apoiando-se em um dos joelhos para encarar o filho mais de perto.

— Você é meu filho e precisa aprender a ser um homem de verdade! Assuma seus erros, Rodrigo — declarou, balançou a cabeça em negativa e saiu do quarto, furioso.

Os tios dele também pareciam bem abalados. Miriam, a esposa do pastor, foi ajudar seu sobrinho a levantar e seu marido veio até onde mamãe e eu estávamos paradas observando, em choque, toda a cena. Já imaginei um sermão vindo, por isso me contentei em ficar de cabeça baixa.

— Em nome do meu irmão e da igreja, peço perdão por tudo isso, Eva. Não tenho palavras para expressar minha decepção — o pastor confessou, abalado.

Mamãe balançou a cabeça, forçou minha nuca para cima e me obrigou a encarar os olhos aflitos daquele homem.

— Verdade seja dita, minha filha não vale nada e merecia tanto uma surra quanto esse garoto — a mulher declarou com asco e me fez sentir ainda mais humilhada. — Venha, garota. É hora de ir. — Puxou meu braço, arrastando meu corpo amolecido em direção à saída.

“Que humilhação!”

Se eu soubesse que Rodrigo não passava de um canalha. Bem, eu sabia, mas não imaginava o quanto. Isabella me alertou, mas, desejando agradar o homem por quem imaginei ser amada, eu a ignorei e, como consequência, fui descartada outra vez.

— Entre logo na droga do carro — ela mandou quando chegamos ao lado externo do motel e não tive escolhas a não ser obedecê-la. O semblante dela denunciava que quando eu menos esperasse, ouviria poucas e boas.

Esperei ela tomar um lugar no veículo e mesmo vendo-a ofegante como um dragão pronto a cuspir fogo, não pensei duas vezes antes de começar a tentar me explicar.

— Mãe!

— Fica quieta. — Ela pegou o maço quadrado no porta-luvas e tirou um cigarro dali, acendendo com um isqueiro em seguida. Há meses eu não a via fumando. — Eu não quero ouvir sua voz.

— Desculpe, eu sei que...

— Desculpas? — Forçou o riso e precisei engolir o nó em minha garganta quando ela me olhou como se eu não passasse de um pedaço de lixo. — Você tem ideia de quanta vergonha me trouxe? Tem ideia de que agora todo o nosso bairro que frequenta aquela igrejinha vai ficar sabendo que sou mãe de uma... uma perdida?

Mordi o lábio para não responder à altura daquela ofensa.

— Eu me mato de trabalhar para te sustentar. Você tem do bom e do melhor. A comida sou eu quem coloca na mesa. — Bateu no próprio peito. — Suas roupas, seus sapatos e até esse batom nessa sua boca — ela fez questão de passar o polegar com força nos meus lábios, me forçando a desviar a cabeça —, eu comprei!

— Tá, obrigada, então — murmurei irônica. Odiava quando ela jogava seus sacrifícios na minha cara.

— Obrigada não basta, sua tola! — exclamou. — Você só vai começar a me retribuir quando tomar vergonha na cara. Estou cansada de ver minha filha agindo feito uma...

— Você deve achar que é a mãe do ano, não é? — rebati, perdendo a paciência. Estava cansada de ser pisada. — Acha que só porque me dá coisas e me paga uma boa escola isso te faz impecável? Isso qualquer idiota poderia fazer! Se sou uma vergonha é porque tenho a quem puxar em casa!

Ela me olhou pasma e vi sua face ficar vermelha.

— Sim, eu cometi muitos erros! Mas, sem dúvidas, o maior deles foi o de ter dado à luz a você, sua ingrata! Eu me arrependo noite e dia!

Eu me fiz de surda naquele momento e ignorei todas as ofensas terríveis que ela me fez até se dar conta de que eu já não prestava atenção. Só então resolveu dar partida no carro, iniciando o percurso até em casa.

Minha cabeça doía e meu coração pulsava mais forte de tanto ódio. Eu odiava minha mãe, odiava Rodrigo e a mim mesma. Eu nem mesmo entendia por que havia nascido. Não tinha propósito, era só uma perdida.

O clima estava tão sufocante que me senti aliviada quando o carro foi estacionado e mamãe, após juntar suas coisas, saiu às pressas rumo ao elevador. Nós duas fizemos nossa guerra silenciosa e quando entramos em casa, cada uma foi para o seu quarto.

Naquela solidão chorei amargamente. Fiquei deitada em minha cama olhando para o teto repassando na memória todos os meus erros naqueles últimos meses. Enquanto isso, ouvi Eva lamentando para alguém com quem desabafava ao telefone quão cansada ela estava de mim. Nosso relacionamento mãe e filha já não era bom há muito tempo, mas a briga que tivemos foi a gota d'água para nós duas.

Quando menos esperei, vi a porta do meu quarto abrindo sem delicadeza, me dando um grande susto.

— Não vou mais aturar isso — minha mãe disse, com a voz fanha, assim que entrou no quarto. — Pode começar a arrumar suas coisas.

— Ah, é? — Sorri irônica sem me dar o trabalho de olhá-la. — E o que pretende fazer? Eu estou um pouco velha para me abandonar em uma caixinha em frente a um orfanato qualquer, não acha?

Ela fez questão de chegar próximo a minha cama e declarou:

— Você vai para Nova Canaã morar com seu pai.

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