CAPÍTULO 19

Atenção
A música no link acima faz parte da leitura. Indicaremos o momento exato para você começar a ouvir e ter uma experiência maior.

    Pipoca gemia de medo enquanto as mãos da garota balbuciavam na tentativa de desamarrar e olhar para trás ao mesmo tempo. Os passos pesados indo de encontro com a grama úmida, fazia Esther estremecer a cada pisada. Distraída, olhando atrás de si, não percebeu quando conseguiu desamarrar a coleira do cão da árvore, o deixando escapar. No instinto animal, Pipoca, ao perceber que estava livre, correu o mais rápido que suas pequenas pernas alcançavam, na direção oposta daqueles homens misteriosos. O instinto de Esther dizia o mesmo desde o primeiro barulho, porém agora que seu cão estava fazendo o mesmo que sua mente gritava, o acompanhou, tentando alcançá-lo também.

    Na fuga atrás do cão, a garota olhava para frente enquanto tentava pegar Pipoca, outrora olhando sobre suas costas para ver o quão longe estava dos demais. A chuva ficava cada vez mais intensa. Ela tentava proteger o livro segurando-o firme por debaixo de sua camisa, mas o vento brincava com a chuva, jogando-a para todos os lados. Os trovões deixava o bichano cada vez mais apavorado, correndo de um lado para o outro no meio das longas e coloridas árvores, na qual se escondiam no meio da escuridão da chuva que caía. A garota continuava correndo atrás de seu bicho e, conforme dava algumas espiadas por cima de seus ombros para conferir a multidão atrás de si, percebeu o quão acostumados eles estavam sob a chuva, demonstrando não incomodá-los.

    Ela tropeçou em uma raiz que sobressaía do solo já úmido, e levantou limpando suas mão cheia de lama, esfregando sobre sua calça. Ao olhar para trás, viu apenas a vasta quantidade de troncos daquele parque. Um silêncio tomou àquela simples floresta. Sentiu falta do som de fuga do Pipoca, e ao olhar novamente para frente, o mesmo havia desaparecido. Encharcada, continuou andando procurando entre as árvores pelo seu bichano, até ouvir um barulho vindo atrás dela. Ao se virar, não viu nada. Ou sua mente pensou que não. A chuva não ajudava nessas horas, pois, a quantidade de água que escorria pelos olhos, era grande também.

    Ao se virar, levou um susto quando viu um dos homens de terno que estava a seguindo, em sua frente, quase a um palmo de distância. Ela assustou dando um grito, esquivando para trás. O homem segurava o guarda-chuva sobre sua cabeça, e mesmo tentando enxergar, a sombra que seu chapéu e seu assessório preto faziam, atrapalhavam a visão de seu rosto. Ele fez um gesto para a garota ficar quieta, mas isso não adiantou. Ela soltou mais um grito, mas se interrompeu quando o homem segurou seu braço, estendendo o outro sobre sua cabeça, a protegendo da chuva.

    — Me solta! — ela gritou puxando seu braço com força.

    — Você vai comigo! — a voz ríspida saiu debaixo do chapéu.

    — Não vou a lugar nenhum, seu.. — ela olhou procurando ainda por Pipoca — Cadê meu cachorro? O que você fez com ele? — ela ainda tentava se soltar enquanto falava, mas o esforço era inútil.

    — Se acalme, menina. A rainha pediu para te levar.. você irá comigo!

    Ele estendeu o guarda-chuva horizontalmente, e girando sua haste, fez um círculo brilhoso se abrir pelo espaço. A parte superior do utensílio havia se transformado no que parecia ser um portal. Enquanto que a haste, havia se separado, usando-a para aumentar mais a abertura feita por ele. Esther ficou encarando tudo aquilo, e ao ver do outro lado do círculo uma vegetação mais seca, ensolarada, não acreditou no que viu. Ela tentava se lembrar a que horas havia dormido no parque, mas foi interrompida com a voz grossa do homem ao seu lado:

    — Se prepare, moça! A Umbrella foi aberta. Está na hora de você conhecer nossa rainha!

    — Eu tenho que passar por aí?

    Quando ela terminou a pergunta, o homem apontava a haste em direção ao portal, e com um movimento jogando-o em direção da garota, ela se assustou e pulou, tropeçando ao pisar no chão de terra seca e alaranjada. Olhou pra trás e o círculo estava se fechando. Sentiu medo. Cada uma que esse livro a colocava, que muitas vezes nem ela mesma sabia o que esperar dele. Na verdade, ninguém pode saber o que esperar. Ele sempre nos levará além do que pensemos.

    Ao olhar ao seu redor, viu um lugar quase parecido com que estava, porém a terra era mais seca e árida, com árvores mais longas e verdes, e claro, o sol que insistia em brilhar em seu rosto. Surgiu ao longe um som do que parecia ser uma cachoeira, enquanto que, maravilhada, observava cada detalhe daquele lugar. Ao virar-se, viu atrás de si um precipício que contornava aquele lugar, e logo a sua frente, uma longa ponte feita de cristais brancos e transparentes se estendia até o outro lado.

    O outro lado a impressionou de tal forma que ela não tinha palavras para descrever. Ficou atônita por um momento, apenas observando. Enquanto atravessava aquela ponte consideravelmente larga, e tentava não olhar para os lados, a altura era demasiada, porém, ao ver o que contornava o outro lado, viu um mar que caia sobre a borda, transformando uma encosta toda de cachoeira. Ela tentou olhar para baixo, mas a água parecia cair no infindável. Nuvens brancas azuladas criava a visão debaixo das plantas de seus pés. Ela sentiu tontura ao olhar diretamente lá para baixo e continuo andando.

    Sobre a porta da entrada do outro lado, havia escrito ainda em pedra Welcome to Fenty*. O coração da garota disparou ao atravessar para o outro lado e ver dois homens de ternos, exatamente iguais aos que a perseguia no parque. Os dois seguravam uma bengala de madeira cada, parados ao lado de um barco, como se estivesse a esperando. Ela diminuiu os passos e parou longe deles ainda com receio. Os dois homens, segurando a bengala, inclinou o corpo em sinal de reverência a garota, apontando para a mesma entrar no barco. Ainda receosa, os encarou por alguns segundos e continuou caminhando na direção em que se encontravam. Ao chegar perto dela, os dois homens negros retiraram o chapéu coco da cabeça em sinal de reverência novamente.

    — Bem vinda! — disseram em uníssono.

    Saudou-os com uma leve inclinação. Pela primeira vez ela pôde ver seus rostos. Eram belos e expressivos. Rostos desenhados e pele de um brilho incomum.

    — Muito obrigado, senhores! — ela lhes devolveu com um sorriso.

    — Nos acompanhe — disse um estendendo a mão para a garota — Vamos te levar ao palácio! — ela segurou sua mão e ajudou-a a subir no barco logo a sua frente.

    — Você gosta de dançar? — disse outro.

    — Eu adoro! — ela respondeu se ajeitando no barco — Tento dançar e cantar. São minhas paixões!

    — Que bom! — esse respondeu dando duas batidas com a bengala, se transformando magicamente em um remo — Vai adorar nosso mundo então! — o outro, posicionado atrás dela, deu duas batidas com a bengala no chão, se transformando em um remo também.

    Ela olhou tudo aquilo, como uma criança vendo um brinquedo que tanto gosta pela primeira vez. Os dois homens trajados começaram a remar aquele pequeno barco juntos indo em direção ao mar aberto. Esther se inclinou na lateral do barco e viu alguns peixes nadando. Aquela água clara e cristalina, dava sede só de olhar. Ela estendeu o braço molhando as pontas dos dedos enquanto o barco cortava a água com sua velocidade. Ao secar suas mãos na sua calça, via apenas uma neblina que ia de leste a oeste, cobrindo todo caminho a frente deles. O barco entrou no meio da neblina como se estivessem sendo engolidos, e temeu por um instante. Segurou firme nas laterais e no banco que estava sentada, fechou os olhos e torceu para que aquilo realmente não fosse uma roubada. A imagem do zelador Rubens da biblioteca veio a sua mente, trazendo um certo ódio no seu coração, mas sentiu que aquilo era diferente. Não estava no mesmo lugar. Ainda de olhos fechados, sentiu a claridade em seus olhos e resolveu abrí-los.

    Após a neblina, o mundo Fenty surgiu diante de seus olhos. O barco estava em uma ponte d'água, dando acesso a entrada principal da cidade. Dos dois lados da entrada, Esther pôde ver duas estátuas com mais de vinte metros de altura. Duas panteras esculpidas, de boca aberta, da qual, de suas bocas jorrava água, formando uma cachoeira que caía sobre o lago a sua frente. Sobre a entrada da ponte, outra cachoeira vinha de cima, na qual estavam se aproximando. Esther viu o homem da frente bater duas vezes o remo no chão do barco, se transformando magicamente em um guarda-chuva, e abriu-o. Seu tamanho passava das extremidades do barco, indo ao lado da garota e a protegendo da entrada.

    — Por que vocês gostam tanto assim de água? — ela perguntou.

    — Isso a rainha pode te explicar melhor, minha cara. — disse um.

(Aperte play na música no link acima antes de continuar a leitura)

    Ao passar por aquela parede de água que caia sobre o caminho dos barcos, surgiu um som de tambores. Esther percebeu que aqueles dois homens não estavam mais com as mesmas vestes. Usavam agora um bubu** com alguns desenhos em tribais e monocromáticos, de cores pardas, marrom e laranja. Porém, foi ao virar-se para a vista da cidade, que se deparou com a grandiosidade que era. O barco parou perto a terra firme, e saindo do mesmo, ela viu alguns homens dançando com algumas panos que cobriam a cintura, e cordas amarradas nos calcanhares e bíceps. Uma coroa de penas envolvia suas cabeças e se movimentavam ao som dos tambores e palmas.

    A garota se maravilhou com os movimentos dos estilo de dança afro-house*** que eles faziam com tal intensidade. Todos sincronizados, deixou a garota hipnotizada na dança. Eles pareciam dançar para ela, e, enquanto dançavam, a chamavam para seguí-los, abrindo caminho. Ela viu atrás deles uma ponte com um lago abaixo dela, e essa, se estendia para uma porta longa e um castelo de pedra coberto por terra alaranjada. Algumas janelas ao lado da porta reluzia ao sol, e voltando a visão para os dançarinos, um segurava uma bengala semelhante a uma haste de guarda-chuva. Com um movimento circular, se abriu um portal no espaço da mesma altura do homem, como havia acontecido com ela no parque. Esther arregalou os olhos quando viu o homem conduzir aquele portal para sua direção ainda dançando. Não pôde evitar, e acabou pulando para o outro lado.

    Ao se levantar do chão, viu o que parecia ser um cômodo todo enfeitado para festa, tapete de couro de animal e algumas tochas espalhadas pelas paredes trazendo iluminação para o local. Algumas pessoas já estavam espalhados pelo lugar todos dançando conforme a música, mas foi quando ela passou pelo portal aparecendo no salão do palácio, que todos perceberam sua presença. Simultaneamente, homens e mulheres continuaram a dança agora em reverência para ela naquele lugar. Dos dois lados do cômodo ela viu nove garotas, da mesma idade de Esther, entrando juntas com eles, dançando. Elas se posicionaram no meio do recinto, entre todos os dançarinos uma do lado da outra, e com os braços pintados, elas giravam os braços e fizeram dois arcos, acima e abaixo, formando um olho gigante, e com um movimento de abrir e fechar, elas o fizeram piscar.

    A garota se deixava levar pela música, e influenciada a todos a sua volta, se entregava a dança junto a eles, apenas os seguindo. Até que outro homem apareceu com uma haste, abrindo outro portal e jogando em sua direção, que não hesitou e pulou para o outro lado. As pedras a sua volta, e vegetação precária, e terra bem árida e seca, demonstrou ser algum lugar um pouco mais precário ou afastado dali. Os dançarinos continuavam dançando no ritmo da música, com movimentos de um lado para o outro, seguidos de palmas e movimentos com os braços. Algumas árvores desprovidas de folhas, troncos secos e algumas fogueiras pelo chão, dava brilho ao lugar. No céu podia se ver a lua minguante, de um tamanho maior que o normal.

    No meio deles, um dançarino surgiu com um toco de madeira comprido, e batendo duas vezes no chão, abriu outro portal e jogou na direção da garota. Ela sentiu o chão gelado, e se levantando sobre um piso todo de granito, viu o quão grande era aquela sala, com paredes longas, tochas distribuídas pelo local, e cortinas tampando as longas janelas. Uma voz ecoou de trás de um trono feito de pedras pontiagudos. Ela virou-se e não conseguindo ver pelo alto encosto, perguntou quem estava ali. Uma mão apareceu no lado esquerdo, e ela pode ver os detalhes da tatuagem nas costas daquela mão, fazendo um movimento como se estivesse rosqueando algo no ar. Esther paralisou e pode ouvir o barulho daquela pedra pesada deslizando sobre o piso girando em sua direção, quando viu Pipoca pular, da cadeira ainda em movimento, em sua direção. Dois seguranças, um de cada lado posicionados, a fitavam.

    — Bem vinda, querida! — uma voz doce ecoou todo salão.

*Welcome To Fenty: Bem-vindos ao Fenty (Mundo da Rihanna).

**Bubu: Típica roupa africana, usada em Barbados também, na qual parece uma camisão com mangas longas.

***Afro-house: Estilo de música com tambores, Black Music e até eletrônica, certas vezes, puxado para a cultura afro.

Notas do Autor

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