SEGUNDO


Nixton, Inglaterra
Janeiro, 2011

NICOLLE


Hoje o dia passou mais rápido que o necessário. Quando quero que ele demore a passar, ele resolve se apressar, e num piscar de olhos já estou juntando meus materiais e colocando na mochila.

O sinal acabou de tocar, todos já estão correndo rápido passando pela porta da sala de aula. Somente eu e a professora de Química restamos na sala, ela por esta apagando o quadro, e eu, por pura falta de vontade de chegar em casa.

Hoje mais um casal vai visitar o Orfanato, mais um que eu quero evitar.

Eu deveria está animada né?! Seria a minha chance de ser adotada e ter uma família. Grande coisa, desde dos meus onze anos que eu sou escolhida por alguns desses vários casais.

E sempre acontece a mesma coisa com todos.

Eles se gostam de mim, me escolhem, me levam pra visitar sua casa e passar uma semana com eles, e no final, como se eu tivesse feito tudo errado, o que não era e nunca foi o caso, eles me trazem de volta pro Orfanato e escolhem outra criança.

" Ela é incrível, inteligente, esperta. Mas, não é a criança que procuramos."

Então que tipo de criança eles querem!

Uma que seja malcriada, burra e lesada?!

Só pode viu, pois mesmo com todas as qualidades que dizem que eu tenho, eles simplesmente me descartam. Como se eu fosse um brinquedo, e tivesse algo quebrado, que eles gostaram, mas enjoaram de brincar.

E é justamente por isso que eu não quero ir pra casa hoje, não quero ser escolhida de novo e vê o mesmo ciclo se repetir.

Gostar.
Conhecer.
Conviver.
Descartar.

Falta apenas alguns meses para que eu complete meus quinze anos. Nesse longo tempo, desde que Melissa e Lucca vieram aqui e eu corri atrás deles igual um cachorro corre atrás de seu dono querido. Pra depois não me adotarem, eu fiquei triste, óbvio. Não queria mais de jeito nenhum ser escolhida por outro casal. Leninha ainda me animou, afinal aquela era primeira vez que um casal me escolhia e que muitos outros ainda viriam.

Bom, e realmente outros vieram.

E nada adiantou ou mudou. Ainda vivo no Banner. Ainda sou uma órfã. Ainda não tenho família.

Pra falar a verdade nem preciso de uma.

Minha família é a Leninha, que sempre cuidou de mim como se fosse sua filha. Ela que me encontrou no dia que fui deixada no Orfanato, ela que escolheu meu nome, ela que sempre esteve ao meu lado.

Ela sim considero minha família, e prefiro mil vezes ficar aqui, morando no Orfanato, do que ir embora com pessoas que eu nem conheço. Pode ser outra criança, contanto que não seja eu. Já desisti e entendi que tem alguma coisa de errada comigo, essa é a única explicação pra eu não ser escolhida. Por isso nem quero mais ficar perdendo meu tempo com isso. Prefiro deixar pros outros.

Como não posso dormir na escola, o jeito é ir embora mesmo. Levanto lentamente da carteira e vou me arrastando em direção a porta, passo em frente a mesa da professora e ela se despede carinhosamente.

- Bom final de semana Nicolle. Até semana que vem.

Coloco um sorriso no rosto para não parecer rude com meu mau humor, e aceno com a mão. Passando finalmente pelo porta da sala, caminho devagar. Com uma vontade enorme de ir andando escorada nos armários do corredor.

Todos os órfãs que moram no Orfanato Banner ganham bolsas de várias escolas de Nixton. Tendo que aprender a ir e voltar sozinhos. Claro que isso só é válido para os maiores de quatorze anos pra cima. Como estava sem vontade de chegar em casa logo, não consegui acompanhar os outros órfãos que estudam na mesma escola que eu, tendo que ir sozinha pra casa, o que já não era tão estranho. Nem converso com eles mesmo.

Depois de alguns minutos dentro do metrô, desço na minha estação e sigo rumo a minha casa. Bastando alguns passos para que eu consiga ver o muro do Orfanato.

Por ser antigo, um dos primeiros e melhores Orfanatos da cidade de Nixton, sua estrutura é bem estilo medieval, feito de pedras, com gradeados e portões de ferro. As árvores e plantas são um ótimo colírio pros olhos de quem passa em frente, estes bem cuidados por algumas das crianças que moram aqui e como também pelas freiras.

O lugar é bem grande, fazendo com que eu tenha que caminhar ainda mais até chegar no portão de entrada.

Um pouco diferente do muro, e com uma cor mais clara em alguns locais. Não menos bonito e simples, tendo uma portinha branca ao lado do portão central, feita exclusivamente para a entrada de algumas crianças que são cadeirantes.

Paro em frente, encaro o portão, fecho os olhos e respiro fundo.

Você não vai encontrar com eles, nem devem está ai ainda.

Repetindo esse pensamento entro logo de uma vez, passo pela porta de entrada, cumprimentando duas freiras que estavam ali e sigo rápido pro meu quarto.

Olhando para o movimento que meus pés faziam conforme a velocidade que eu andava, acabei não percebendo que havia alguém na minha frente, na qual acabei esbarrando e caindo de bunda no chão.

Droga!

Olho pra cima e encara a pessoa que estava atrapalhando meu caminho. Não me surpreendendo ao perceber que não se trata de uma pessoa apenas e sim de duas.

Ao lado da Madre se encontra o casal que eu estava a todo custo tentando evitar. Uma mulher gordinha e baixinha, com cabelos escuros e uma expressão divertida no rosto. E um homem, que estava agachado ao meu lado me ajudando a levantar.

- Nossa você tava com pressa. Se machucou? - Pergunta com um meio sorriso e uma expressão preocupada.

Já em pé, percebi que ele não era muito mais alto do que eu poucos metros. Tinha o cabelo grande, até os ombros, também escuros, uma barba bem feita e olhos negros. Ambos, ele e a mulher eram morenos.

- Queria chegar no meu quarto logo. Estava evitando encontrar certas pessoas. - Respondi encarando ele fingindo um sorriso.

Tomara que ele entenda indiretas.

Antes dele ter a chance de responder a Madre interferiu com os olhos semicerrados em minha direção.

- Essa é a Nicolle, uma de nossas crianças. Em poucos meses ela irá completar seus quinze anos. - Me apresentou deixando bem clara a minha idade.

No instante que a Madre falou, eles me mediram da cabeça aos pé, depois se encaracam e viraram o rosto pra mim, ambos com sorriso enormes.

Não, não, não. De novo não.

- Gostaria de passar uma semana com a gente Nicolle?

Esse cara não entendeu a indireta direito. Ela foi bem DIRETA!

Olhei a Madre que ainda me encaram com os olhos semicerrados e uma pose séria, que balançou a cabeça positivamente. Sem nenhuma escapatória, tive que ser sincera.

Cruzei os braços em frente ao corpo e suspirei.

- Se eu dissesse que não, vocês me deixariam ir?! - Resmunguei fazendo uma careta.

- Nicolle! - Advertiu a Madre.

O que só fez o sorriso deles aumentar, e o meu sumir.

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