De Onde Menos se Espera é que Não Vem Nada Mesmo
Mesmo tenso com a espera, algo lhe chamou a atenção: A silhueta que se aproximava aos poucos, estava diminuindo e ganhando contornos delicados e até sensuais. Edward passou de atemorizado e curioso. As criaturas que ele viu torturando as almas não eram nem de longe curvilíneas e delicadas daquela forma. Movido pela ansiedade, ele se sentiu inclinado a atravessar o portal para antecipar o encontro, mas antes que pudesse dar um passo à frente, a luz que brotava da fenda se intensificou de tal maneira que se tornou ofuscante a ponto de ele ter que desviar o olhar completamente.
Quando conseguiu olhar de volta, o portal já não existia mais. Á sua frente ele não viu absolutamente nada, apenas as estradas que se cruzavam e seguiam até o horizonte, além das suas margens, cobertas de vegetação rasteira e arbustos. Um barulho de passos atrás de si o fez virar-se bruscamente para ver uma mulher. Ela estava de costas para ele, observando tudo ao redor e parecendo estar admirada com o que via, mas o que mais lhe chamou a atenção, foi o fato de ela estar completamente nua.
- Então aqui é o mundo humano? - ela perguntou, sem olhar para ele. Apenas contemplando a vista - É bem melhor do que eu imaginei! E esse ar que está enchendo meus pulmões, então, chega a revigorar este corpo. Não imaginava que o oxigênio fosse tão incrível assim!
- Com licença - ele disse, interrompendo-a, e virou o rosto para desviar o olhar, instintivamente, assim que ela se virou para ele, que, retirando o sobretudo que usava, o estendeu a ela e continuou -, vista isso, por favor.
- Ah, é mesmo! - ela exclamou, pegando a vestimenta com ele e cobrindo a sua nudez rapidamente - Eu nem tinha percebido que as minhas roupas se desfizeram durante a travessia. Talvez não possam existir neste plano, ou algo do tipo.
- Você é a jovem que eu vi correndo na direção da torre negra. - Ele se lembrou, assim que viu o rosto dela.
- Foi você quem fez o pacto? - a jovem deduziu, assim que percebeu que ele visualizou o outro lado - Seu nome é Edward Castaway e você é um fracassado que provavelmente terá que morar na rua, já que tem que entregar a casa que o seu pai hipotecou e que não consegue escrever nem uma matéria decente para um jornalzinho de interior.
- Não fui exatamente eu quem fez o pacto - ele começou a dizer, sentindo-se um lixo após ouvir aquela estranha lhe dizer aquelas verdades -, eu ia entrevistar uma bruxa e...
- Mas o sangue que selou o contrato foi o seu - ela afirmou, interrompendo-o -, por isso eu sei dessas coisas.
- Então você é o demônio que vai atender aos meus desejos? - ele perguntou, empolgado com a possibilidade - Eu não esperava que fosse funcionar, mas imaginava os demônios sendo mais demoníacos.
- Eu entendo o que você quer dizer - ela riu do modo como ele disse -, esses são os príncipes do inferno. Só eles podem fazer pactos e barganhas com humanos em troca de almas. Eles são realmente assustadores, mas nenhum deles virá. Eu aproveitei que eles foram convocados para uma reunião devido à solicitação do pacto e fugi usando o portal.
- Quer dizer que você não vai me dar o que eu quero em troca da minha alma. - ele concluiu, sentindo um misto de alívio e decepção.
- Eu sinto muito, Edward - a jovem respondeu, deixando cair o semblante ao perceber que, para conseguir a sua fuga, tinha prejudicado a tentativa dele de conseguir ao menos algum sucesso em sua vida -, mas eu sou um súcubo e não tenho autoridade para fazer pactos. Eu não queria prejudicar você, mas precisava fugir de lá e não teria outra oportunidade.
- Está tudo bem! - Edward respirou fundo e lançou-lhe um sorriso fraco - Na verdade eu deveria esperar que, sendo eu quem sou, aconteceria algo do tipo. Desde criança, tudo o que eu me proponho a fazer dá errado, então não seria agora que iria dar certo, não é mesmo?
- Você não parece feliz - ela disse se aproximando dele -, não era isso que eu via nos vídeos da internet daqui. Estavam todos sempre rindo, se divertindo, sempre apaixonados e pareciam estar sempre orgulhosos de si mesmos.
- Pelo visto você andou consumindo as propagandas enganosas das nossas redes sociais - ele deu uma risada sarcástica -, mas sinto te informar que aquelas coisas não passam de máscaras que as pessoas usam para esconderem as suas vidas cheias de problemas e dilemas.
- Mas não deveria ser assim! - ela protestou, visivelmente indignada com o que ele disse - Os humanos são livres para fazerem as suas próprias escolhas. Vocês podem ser o que quiserem. Com podem ser tristes ou ter dilemas?
- Aí é que está - Edward suspirou, parecendo cansado e desesperançoso -, a história nos mostra que os humanos nunca fizeram boas escolhas. O nosso livre arbítrio quase nunca é usado de maneira positiva, então talvez fosse melhor nem tê-lo.
- Não diga isso! - ela gritou e, por um instante, a sua voz chegou até ele de uma forma mais poderosa e irresistível, fazendo ele quase temer e se encolher - Você não sabe o que é ser obrigado a seguir um destino predefinido no momento em que nasce e ter que basear todas as suas escolhas nisto. Aqui vocês têm que lidar com as consequências de suas escolhas, mas elas são suas e não de outras pessoas.
- Me- me desculpa - ele tremeu e gaguejou, mesmo sem saber porque se desculpava ou tremia daquela forma -, não queria ofendê-la.
- Oh, não! - a jovem se afastou, percebendo o que tinha causado nele - Eu não queria exercer essa pressão espiritual. Me perdoa, Eddie, eu não sei como funciona isso, então não foi a minha intenção!
- Caramba! - Edward exclamou ofegante, como se tivesse feito um grande esforço físico - Que loucura isso de pressão espiritual. Por um instante me esqueci que você é um demônio.
- O meu nome é Nahemah - ela disse, parecendo levemente incomodada por ser chamada de demônio -, e eu queria esquecer o que sou também.
- Bom, Nahemah, eu gostaria de dizer que é um prazer conhecê-la, mas você atrapalhou o pacto que era a minha última esperança de ter algum sucesso em qualquer coisa - Edward respirou fundo e disse. Seus ombros estavam curvados, como se carregasse um peso maior do que suportava. - Então o que me resta é ir para casa e aproveitar a minha última noite lá, já que amanhã eu terei que procurar um abrigo ou coisa parecida.
- Mas está tudo bem - ele continuou, vendo que ela se entristeceu -, eu fico feliz por ter te ajudado a fugir de lá e acho que irá se dar bem por aqui. Boa sorte!
Edward começou a caminhar lentamente. Tinha deixado a sua câmera na casa da bruxa ou em outro lugar do qual não se lembrava, mas não tinha ânimo de ir até lá para pegar. Só queria chegar no lugar onde ele ainda chamava de casa, tomar um banho, beber todo o álcool que pudesse encontrar lá, e dormir, ou desmaiar, ou entrar em coma alcoólico, ou quem sabe morrer. Não tinha mais vontade de continuar lutando. O universo, ou criador, ou qualquer força regente da vida, que escrevia a história dele, tinha o feito chegar ao fundo do poço e a menos que essa força fizesse ele sair de lá também, com algum tipo de milagre, era lá que ele ficaria.
- Nahemah - ele chamou, percebendo que ela ainda estava parada no lugar, como se não soubesse por onde começar a sua nova vida -, se você quiser, pode vir comigo até a minha casa. A minha ex-mulher deixou algumas roupas lá e, talvez, possam lhe servir. Você pode ficar lá essa noite também. Fica mais fácil começar uma vida nova durante o dia.
Eles caminharam em silêncio e mesmo sem se importar muito, Edward percebeu o quanto a jovem estava admirada e ainda assim apreensiva. Ela era uma jovem belíssima e iria se misturar bem entre as jovens humanas. Era de se entender porque ela quis fugir do inferno, afinal, em nada ela se parecia com um ser infernal, mas era de se entender também a sua apreensão diante do futuro neste mundo novo. Sem trocar uma palavra, eles chegaram na casa dele e entraram.
- Você pode tomar um banho se quiser, Nahemah - ele disse, enquanto ia até o armário e pegava uma garrafa de uísque e um copo -, o quarto de hóspedes fica à esquerda, subindo a escada. Tem um banheiro lá e as roupas estão no closet.
Ela apenas subiu as escadas sem dizer nada, enquanto ele se sentou pesadamente em seu sofá velho, colocando a garrafa em cima da mesa de centro após colocar uma dose em seu copo. Pegando um papel que estava em cima da mesma mesa, ele o olhou e se tratava da notificação de despejo, que deixava claro que todos os móveis e itens de decoração que foram inventariados no ato da hipoteca, seriam confiscados juntamente com o imóvel e uma lista na página seguinte enumerava um por um deles. A tristeza e o desânimo novamente se abateram sobre ele, ao perceber que teria que sair dali apenas com suas roupas e objetos pessoais.
Muitos minutos se passaram e ele sequer conseguiu ânimo para beber todo o uísque que colocou no copo. Nem beber para relaxar e esquecer, ele estava conseguindo. Após mais minutos de silêncio e autopiedade, o som da campainha tocando chamou sua atenção, mas ele apenas olhou na direção da porta, sem se levantar. Após a campainha insistir mais algumas vezes, ele ouviu um barulho alto de madeira se partindo e viu a porta se abrindo bruscamente. Nem a visão da porta sendo arrombada foi suficiente para fazê-lo se mexer, afinal não tinha qualquer preocupação nem com a sua casa e nem com a sua vida.
- Porra, Eddie! - Siobhan gritou, assim que o viu ali sentado. A expressão no olhar dela mudou instantaneamente de preocupação para raiva - Cheguei a pensar que tinha feito alguma loucura quando vi as luzes acesas e ninguém atendeu a porta!
- Ah, oi Siobhan - ele respondeu, ainda sem esboçar nenhuma reação -, não se preocupe com a porta, eu dou um jeito antes de entregar a casa.
- Eu não estou preocupada com a porta, seu idiota! - ela disse, se aproximando e sentando-se na poltrona de frente para ele - Eu sei que as coisas estão terríveis para você, mas quero que saiba que pode ficar lá em casa até se ajeitar e ...
Ela parou de falar imediatamente e olhou com surpresa na direção da escada. O olhar de Edward seguiu o dela e ele também viu que, parada aos pés da escada, estava Nahemah, com os cabelos molhados, completamente nua e com algumas peças de roupa nas mãos. Instintivamente, ele se pôs de pé. Por um instante ele tinha esquecido que a jovem demônio estava na casa dele, mas a sua ex-mulher vê-la ali daquela forma, o assustava mais do que o fato de existir um inferno e existirem demônios
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