SEIS

Enquanto encarava o ponteiro do relógio na parede a sua frente, Dexter repassava o atropelamento de Anelise em sua cabeça, tendo cada vez mais certeza que o atropelamento foi proposital. O cheiro de produtos de limpeza misturado com substâncias químicas utilizadas em curativos invadiam seu olfato, deixando-o enjoado e cada vez mais irritado. Era impossível para ele não comparar sua situação atual com a de um ano atrás quando estava nessa mesma sala, esperando que a vida de seu irmão fosse salva, mas isso não aconteceu e só o pensamento de que Ane não saísse dessa, fazia com que ele quisesse destruir tudo pela frente. Se sentia culpado, se tivesse descido da moto, atravessado a rua e ido falar com ela, talvez ela não estivesse na situação que estava agora; se a um ano atrás não a tivesse abandonado, as coisas entre eles seriam diferentes... eram tantos se que rodavam em sua cabeça que estava começando a ficar tonto com as possibilidades que imagina.

— Não é culpa sua. – disse Hector para ele. O homem havia chegado minutos depois de Anelise dar entrada no hospital e até agora não havia dirigido uma palavra se quer ao genro. Não que ele o ocupasse pelo que aconteceu a Ane, sabia que mesmo Dexter sendo ótimo no que fazia, certas coisas não podiam ser evitadas e ele entendia isso, mas esse fato, não fazia que ele se sentisse melhor. Ele estava chateado e irritado com o que vinha acontecendo. Ele se culpava pelo que a filha estava passando, se não tivesse aceitado o caso sobre tráfico humano, Anelise agora não estaria lutando pela vida em um centro cirúrgico.

— Também não é sua. – Dexter respondeu abaixando a cabeça e enfiando os dedos entre os fios de seu cabelo.

— É minha sim. – respondeu. — Eu que aceitei o caso. Foi eu que coloquei uma mira na cabeça da minha família. Então, sim, é minha culpa.

Dexter queria dizer algo para aliviar a culpa que Hector estava sentindo, mas não tinha palavras de conforto para o sogro, na verdade, nunca foi bom em consolar as pessoas. O ruivo respirou fundo e se levantou, caminhando até a máquina de café. Estava a horas sentado na mesma posição e começava a sentir o sono querer lhe dominar. Após pegar seu café e um extra, Dexter voltou para perto de Hector oferecendo a ele o copo extra de café. Dexter se sentou ao lado do homem de cabelos quase brancos e automaticamente seus olhos foram rumo a porta da sala de cirurgia onde esperava cada vez mais nervoso a luz por cima da porta se apagar. Quando terminou seu café descartou o copo plástico e apoiou o pescoço no encosto da cadeira em que estava e fechou os olhos, deixando que sua mente o levasse para suas lembranças com Anelise.

— Dexter! – Hector chamou, colocando a mão sobre o ombro do ruivo, que abriu os olhos de uma vez.

— Alguma notícia? – questionou.

— A cirurgia acabou. – respondeu apontando em direção a porta do centro.

— Até quem fim!

O médico responsável pela cirurgia de Anelise passou pela porta pouco tempo depois de a luz em cima da porta ter sido desligada. Assim que viu o homem, Dexter e Hector se colocaram de pé e caminharam em direção a ele.

— Como ela está? – Hector questionou nervoso, antes que o médico pudesse dizer qualquer coisa.

— A cirurgia terminou bem. – respondeu o homem. — Ela teve algumas fraturas na região pélvica e nos joelhos devido à batida, o que lhe dará alguns meses em fisioterapia, ela também teve algumas costelas quebradas e um pulmão perfurado. Ela vai ser levada para fazer uma tomografia e uma ressonância magnética devido à pancada que sofreu na cabeça e em seguida será encaminhada para a UTI.

— E quando ela vai acordar? – Dexter questionou.

— O neurologista virá falar com vocês em breve.

— Mas... – Hector colocou a mão no braço de Dexter em um sinal para que não questionasse. Ele sabia como a rotina hospitalar era difícil e mesmo que quisesse mais notícias sobre a filha, sabia que não ia ter as respostas com aquele médico.

— Obrigado, doutor. – Hector agradeceu.

O médico assentiu e se afastou. Hector envolveu Dexter em um abraço desajeitado e enfim puderam respirar aliviados, a notícia parcial sobre estado de Ane havia tirado um peso de cima dos homens.

— Ela ainda não acordou? – questionou Ana, se aproximando de Dexter e se sentando ao lado dele na cafeteria do hospital.

— Ainda não, mas o médico disse que é normal. – respondeu levando a xícara de café aos lábios e sorvendo um pouco da bebida quente.

— Ela é forte, vai sair dessa. – disse Ana segurando a mão livre do filho.

— Vai sim. – suspirou. — Só de pensar que ela quase morreu, sinto como se meu coração estivesse sendo arrancado do peito.

Ana comprimiu os lábios e acariciou o dorso da mão de Dexter, ela sabia o quanto Anelise significava para ele.

— Não pense nisso, querido. – disse Ana. — Anelise, é uma das mulheres mais fortes e determinadas que conheço, ela vai superar isso. – pausou. — Vocês vão.

Dexter assentiu com um leve balançar de cabeça e desviou os olhos para o relógio em seu pulso. Estava agradecido por Ana nunca o ter julgado por abandonar Anelise após todos os acontecimentos com Conrad e Alex, ela melhor do que ninguém sabia como é difícil manter uma vida dupla.

Fazer parte do Club96 era a vida de Dexter e uma coisa que ele não trocaria por nada, — pelo menos era o que achava — estava em seu DNA e ele sentia orgulho de ser quem ele era, mesmo tendo as mãos manchadas de sangue, ele sabia que o que ele fazia era o que ninguém ousava fazer, mas depois de encontrar Ane, suas convicções começaram a mudar, ele ainda gostava de estar atrás de uma arma, gostava na adrenalina correndo em seu sistema e gostava da excitação que sentia antes de tirar uma vida, mas ele já não queria estar o tempo todo em campo, não queria passar meses em missões e não queria ficar longe de sua mulher, Anelise deu a ele um novo sentindo para viver e agora, com ela em uma cama de hospital ainda inconsciente fazia com que o mundo dele parecesse que iria desabar.

— Eu preciso ir. – disse Ana.

— Eu também. – respondeu. — Transferiram ela para o quarto essa manhã. – se colocou de pé após terminar seu café. Ana abraçou o filho e lhe deu um beijo na bochecha antes de lhe dar as costas e sair da cafeteria.

Dexter caminhou pelos corredores do hospital como se aquele lugar fosse sua casa e quase era, já que passava a maior parte do tempo ali desde que Ane foi hospitalizada. Abriu a porta do quarto onde sua esposa estava e entrou fechando a porta atrás de si.

Ver Anelise em um cama de hospital estava matando-o aos poucos, não gostava de ver como ela estava pálida e quão frágil parecia com todos aqueles fios e gessos pelo corpo. Caminhou para próximo da cama e se sentou em uma das poltronas, acariciou o rosto dela de leve com a ponta dos dedos e segurou a mão feminina levando-a aos lábios e ali deixando um casto beijo.

Ele tinha tantas coisas para dizer a ela, coisas para pedir e se desculpar, mas ele não faria como nos filmes melodramáticos que Ane tanto gostava de assistir, ele não falaria com ela como se estivesse se despedindo, não conseguia nem ao menos pensar na possibilidade de ela não acordar.

A porta do quarto rangeu e Dexter desviou o olhar, observando o jovem médico entrar no quarto.

— Ela ainda não acordou. – disse Dexter.

— A tomografia dessa manhã mostra que o edema em seu cérebro está diminuindo. Ela só precisa descansar.

Dexter suspirou e apertou os dedos de Ane entre os seus, fazia dias que ela estava desacordada.

— E ela vai ter alguma sequela?

O médico se aproximou da cama e começou a checar os sinais de Ane, assim como seus reflexos a luz e sensibilidade a dor.

— Não posso afirmar e nem negar, só saberemos quando ela acordar, mas as chances dela são boas.

— Obrigada, doutor. – o médico assentiu e saiu deixando Dexter a sós com a esposa.

Dexter deitou a cabeça sobre a mão que segurava a de Ane e fechou os olhos, deixando que sua mente vagasse por todas as lembranças que tinha com ela, deixou também sua mente ir ao inferno nos meses que passou longe dela e por fim pensou nas últimas semanas, em como ela estava ferida e magoada por causa dele.

— Ane, meu amor... acorda, por favor. Acorda! – pediu em um sussurro. 

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