Capítulo 25 - A Herdeira Cena III "Sorteio dos Selecionados"

Quando me tornei Rainha tive o trabalho de conhecer todas as centenas de funcionários que trabalhavam no palácio, mas até então nunca tinha visto todos em ação de verdade – apenas no meu casamento.

Assim que a Seleção se tornou do conhecimento de todos, criadas, mordomos e outros funcionários andavam para todo lado, requerendo a aprovação de Eadlyn para todos os preparativos da competição, ela obviamente não estava vendo muita graça, mas eu até que achei divertido, nunca tinha visto esse "outro lado" da Seleção, e adorei acompanhá-la para escolher o cardápio final do primeiro jantar.

Provar tantas comidas acabou me deixando com dor de estômago, mas foi divertido.

Ainda assim toda a situação do país me deixava exausta, e naquela tarde resolvi me recolher ao Salão das Mulheres para tocar um pouco de piano, sempre me acalmava. Então ouvi um barulho, era Eadlyn entrando. - Oi, querida. Venha sentar comigo – disse, cumprimentando-a, e parando de tocar.

- Não era minha intenção interromper – ela disse, cruzando o salão e sentando-se ao meu lado na banqueta.

- Você não interrompeu. Estava espairecendo e já me sinto bem melhor.

- Alguma coisa errada? – ela perguntou.

- Não. Só a correria do dia a dia – respondi, sorrindo, e acariciando suas costas.

- Entendo o que você quer dizer.

- Fico pensando que cheguei a um ponto em que já vi de tudo, aprendi tudo sobre ser rainha. Mal concluo o pensamento e tudo muda. Existem... Bom, você já tem bastante com o que se preocupar – não podia encher sua cabeça com mais problemas, era melhor deixar as coisas como estavam, ela não podia lidar com mais nada naquele dia. Nem eu. Haviam tantas coisas que me preocupavam, mas nem tudo precisava ser compartilhado com ela.

- Você se arrepende ás vezes? – Eadlyn perguntou de repente – Se arrepende de ter entrado na Seleção e se tornado rainha?

Pensei um pouco a respeito.

- Não me arrependo de ter casado com seu pai. Ás vezes me pergunto que tipo de vida teria sem a Seleção ou se não tivesse sido escolhida. Acho que seria boa. Eu não seria exatamente infeliz, mas não saberia o que estava perdendo. Mas o caminho até seu pai foi difícil, principalmente porque eu não queria percorrê-lo.

- Não mesmo?

- Não foi ideia minha participar da Seleção – respondi, fazendo que não com a cabeça.

Ela fez uma cara espantada.

- De quem foi?

- Não importa – respondi rapidamente, de jeito nenhum contaria a ela sobre Aspen– Mas posso dizer que entendo suas reservas. Acho que o processo vai lhe ensinar muito sobre si mesma. Espero que confie em mim quanto a isso.

Claramente a Seleção tinha me mudado.

A America que não esperava mais do que se casar e cantar em festas, não se comparava a que eu era agora, e nem sonhava em fazer as coisas que eu havia feito.

Mesmo que Eadlyn achasse que tudo não passava de um espetáculo, no fundo a Seleção seria bem mais que isso, e lhe prestaria um grande favor.

- Seria bem mais fácil confiar se eu soubesse que vocês estão fazendo isso por mim e não em troca de um pouco de paz – ela retrucou.

Respirei fundo.

- Sei que acha que é egoísmo. Mas você vai ver. Um dia o bem-estar do país vai recair sobre seus ombros, e você vai se surpreender com o que será capaz de fazer para evitar que ele desmorone. Nunca imaginei que teríamos outra Seleção, mas os planos mudam quando as circunstâncias exigem isso de você.

- As circunstâncias têm exigido muito de mim ultimamente – rebateu.

- Primeiro, maneire o tom de voz – avisei, não gostava nada que ela falasse daquele jeito comigo, e sua teimosia estava começando a me incomodar – Segundo, você só vê uma fração do trabalho. Não faz ideia de quanta pressão seu pai tem que aguentar.

Ela ficou quieta.

- Eadlyn - eu disse, calmamente - Isso aconteceu quando tinha que acontecer. Mas, de verdade, cedo ou tarde eu faria alguma coisa.

- Como assim?

- Você parece fechada em certo sentido, desconectada do nosso povo. Sei que passa o tempo todo preocupada com as exigências que terá como rainha, mas já é hora de conhecer a necessidade das outras pessoas.

- E você acha que não faço isso agora?

Apertei os lábios.

- Não, querida. Não se seu conforto vem antes disso.

Eu sei que as palavras foram duras mas se eu não dissesse isso a ela, quem diria?

Me doia admitir mas Eadlyn sempre foi muito fechada em relação ao nosso povo.

Ser rainha não era apenas assinar papéis, rever relatórios e participar de reuniões.

E já estava na hora dela aprender isso.

- Não sabia que você me considerava tão incapaz - ela levantou, me dando as costas, entendendo tudo errado.

- Eadlyn, não é isso que estou dizendo.

- É, sim. Tudo bem.

Suspirei.

Ela caminhou até a porta.

- Eadlyn, querida, queremos que você seja a melhor rainha que puder, só isso - supliquei.

- Eu serei - ela respondeu, do corredor - E não preciso de um garoto para me mostrar como.

- Será que eu exagerei? - mermurei para mim mesma, depois que ela saiu.

Repassei a conversa mil vezes na minha cabeça.

Eu tinha feito a coisa certa.

Sem clima para o piano, resolvi voltar para o quarto.

Estava organizando algumas jóias enquanto Melissa, a criada, limpava alguma coisa que já estava limpa, quando ouvimos batidas na porta. Ela atendeu, era Lucy.

- Pode ir - disse, me aproximando de Melissa e tocando-lhe o ombro - Entre, Lucy - a cumprimentei, finalmente olhando seu rosto, ela havia chorado? - O que aconteceu? - perguntei levando-a para se sentar na cama ao meu lado.

Sem dizer nada, ela começou a chorar.

Coloquei sua cabeça em meu ombro, e ela disse:

- A moça desistiu da adoção. Ela disse que a família a aceitou de volta e que vão ajudá-la a cuidar da criança - ela falava entre os soluços - Eu não aguento mais, America. Não há mais nada o que fazer, eu não tenho mais jeito.

Não disse nada, apenas deixei que ela chorasse em meu ombro.

Aquilo me cortava o coração.

Eu realmente achei que daquela vez daria certo, uma jovem tinha dado à luz uma criança com necessidades especiais e Lucy se disponibilizou a adotá-la, sem se incomodar com os problemas, eu mesma afirmei que ajudaria com tudo que a criança precisasse, mas a mãe aparentemente havia desistido.

Em todos esses anos as inúmeras gestações de Lucy tinham fracassado, e as adoções nunca davam certo, eu ficava tão triste por ela, ainda mais porque eu tentei ajudar, mas me impediram.

Não havia mais nada o que fazer agora a não ser confortá-la.

- Vocês vão mesmo desistir de vez? - perguntei, quando ela se acalmou um pouco e se afastou para enxugar as lágrimas.

- Sim, não há mais nada que podemos fazer, tenho que aceitar que nunca serei mãe - ela se desfez em lágrimas de novo - Mas não consigo.

- Sinto muito, Lucy.

- Eu sei que sente.

Respirei fundo. Se eu chorasse também não ajudaria em nada.

Mas aquilo me doía tanto. Tudo que eu queria era que Lucy e Aspen fossem felizes, que construíssem uma família, mas agora tudo estava perdido. E eu sentia uma culpa horrível, por saber que sempre que ela cuidou dos meus filhos quando pequenos era um golpe em seu coração.

De qualquer forma, passei a tarde tentando confortá-la.

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Na sexta - feira Eadlyn escolheu os envelopes com os nomes dos Selecionados que seriam anunciados no Jornal Oficial daquela noite. Trinta e cinco cestos foram enfileirados no escritório e muitos foram presenciar o grande momento, jornalistas também estavam a postos, para registrar cada momento.

Eu fiquei até um pouco emocionada, não pude deixar de imaginar como foi aquele momento vinte anos atrás. Apesar da Seleção de Maxon ter sido quase uma farsa - já que seu pai escolheu todas as candidatas a dedo - eu não podia deixar de ver certa magia naquilo. E imaginar em como meu nome surgiu, e foi sorteado em meio a tantos outros, contra todas as minhas expectativas. E mesmo não querendo na época, depois de tanto tempo, me senti realmente grata por ter entrado na Seleção.

A noite foi com certeza a mais esperada por todos. O estúdio tinha sido reorganizado, Kaden e Osten ganharam seus lugares, conselheiros tomaram lugares opostos ao nosso e vários assentos estavam reservados para pessoas próximas a familia. Queria que minha mãe estivesse lá, mas ela quase nunca saía de casa, e May estava viajando, só viria na segunda-feira.

Aspen estava ao lado de Lucy, eu ainda estava abalada pela situação deles. Felizmente Aspen compreendia os problemas de Lucy, e parecia estar se conformando.

Marlee estava com a família, quando me virei para olhá-la ela repreendia Josie por alguma coisa. Josie já era adolescente e por algum motivo que eu não sabia bem o porquê, Eadlyn não gostava muito dela. Na infância as duas sempre brincavam juntas, mas depois que Eadlyn começou a assumir maiores responsabilidades acabou se afastando um pouco dos filhos de Marlee. Apesar de morarem na mesma casa o abismo que os separava era evidente. Kile estava lendo um livro, aparentemente nada daquilo era interessante para ele. Ele era um grande garoto, muito estudioso e inteligente, sonhava em ser arquiteto, e a alguns meses voltou de um curso intensivo que Marlee o havia matriculado.

Eu já tinha conversado com ela, os sonhos de Kile não eram compatíveis com viver a vida inteira dentro de um palácio. E eu me sentia meio culpada, Marlee tinha devoção à minha família e por sentir que devia tudo a nós, queria estar sempre por perto, mas ela não compreendia que o filho tinha outros planos. Não importava o quanto eu tentasse falar com ela. Seria triste para ela se separar do filho, mas seria ainda mais triste Kile viver uma vida infeliz.

Fui falar com Eadlyn, para ter certeza de que já estávamos bem depois da última conversa.

- Como se sente?

Me aproximei e passei os braços pelo seu ombro.

- Bem.

Sorri.

- Não tem como você estar bem. Isso tudo é aterrorizante.

- Ah, é mesmo. Quanta gentileza da sua parte me submeter a algo assim.

Achei graça, e comecei minhas explicações:

- Não acho que você seja incapaz - eu disse, baixinho - Penso mil coisas maravilhosas sobre você. Um dia saberá o que é se preocupar com os filhos. E eu me preocupo com você mais do que com os outros. Você não é apenas uma garota, Eadlyn. Você é a garota. E eu quero tudo para você.

Ela passou o braço pelas minhas costas e eu beijei seu cabelo.

- Me sinto tão desconfortável - ela confessou.

- Apenas lembre o que os garotos estão sentindo. Isso é muito importante para eles também. E o país ficará tão alegre. Estou orgulhosa de você - eu disse, abraçando-a - Boa sorte.

E então eu saí para cumprimentar Maxon.

- Como ela está? - ele perguntou.

- Nervosa - respondi - Mas ela vai se sair bem.

Ele sorriu.

- Se tiver a mesma sorte que eu, com certeza.

Ficamos ali abraçados até o jornal começar, então nos sentamos e começaram os pronunciamentos.

Maxon falou sobre o acordo comercial que estávamos prestes a assinar com a Nova Ásia, graças a ajuda de Elise, que como embaixadora tornou nossa relação com o país muito mais fácil.

Depois falou das leis de imigração, e os conselheiros também tomaram a palava, inclusive Brice.

Tudo passou muito rápido e logo Gavril anunciou Eadlyn, que se levantou e foi até o microfone, no centro do palco.

- Tenho certeza de que todos vocês estão tão ansiosos quanto eu, por isso vamos pular a cerimônia e ir direto ao assunto que todos querem saber. Senhoras e senhores, saberemos agora quem são os trinta e cinco rapazes convidados a participar desta revolucionária Seleção.

Me agitei um pouco no assento, estava tão ansiosa quanto ela, pois todas as lembranças do dia em que fui selecionada voltavam frescas à memória naquele momento, como se tivesse sido ontem, e não vinte anos atrás.

Ela começou a ler os nomes:

- De Likely - ela disse fazendo uma pausa para abrir o envelope - sr. MacKendrick Sheepard.

Ela exibiu a foto ao público e todos aplaudiram. Então pegou outro envelope e leu o nome do segundo sorteado.

- De Zuni.... sr. Wisloy Fields.

E após cada nome, vinha uma salva de palmas, ela parecia bem cansada quando chegou no último envelope, que leu sorridente.

- Ah! De Angeles! - ela abriu a carta - Sr. Kile Woodwork - seu sorriso vacilou.

Me virei para Maxon, tentando descobrir se tinha ouvido direito, ele parecia tão espantando quanto eu. As reações no estúdio foram as mais diversas, uns suspiravam admirados e outros davam gargalhadas. Olhei para Kile, que tinha deixado o livro cair.

Marlee estava com o olhar tão chocado quanto eu, embora eu não soubesse se era um espanto realmente verdadeiro.

Eadlyn terminou o anúncio e assim que Gavril encerrou o programa, Maxon e eu fomos até os Woodwork.

- Eu não fiz isso! - insistiu Kile.

- E isso importa? - perguntei - Qualquer pessoa maior de idade tem permissão para inscrevê-lo.

Maxon confirmou.

- É verdade. A situação é um pouco estranha, mas não tem nada de ilegal.

- Mas eu não quero participar disso - Kile implorou a ele.

- Quem colocou seu nome? - Eadlyn perguntou.

- Não sei - ele respondeu balançando a cabeça - Com certeza houve um engano. Por que eu entraria se não quero competir?

Aspen e eu trocamos aquele olhar de "eu já vi esse filme". Contive o sorriso.

- Com licença - Eadlyn protestou - Isso é inaceitável. Alguém vai fazer algo em relação a isso?

- Sorteie outra pessoa - Kile propôs.

Aspen balançou a cabeça.

- Eadlyn anunciou seu nome para o país inteiro. Você é o candidato de Angeles.

- É isso mesmo - Maxon concordou - A leitura dos nomes em público oficializa o candidado. Não podemos substituir você.

- Então Eadlyn pode me eliminar no primeiro dia - Kile sugeriu.

- E mandar você pra onde? - Eadlyn perguntou - Você já está em casa.

Ahren achou graça.

- Me desculpem - comentou -, mas os outros não vão aceitar bem a situação.

Ele tinha razão, competir com sorteados aleatórios era bem diferente do que estar entre um, querendo ou não, amigo de infância.

- Podem me mandar embora de casa - Kile sugeriu, animado.

- Pela centésima vez, Kile, você não vai embora de casa! - Marlee disse, com firmeza, ela pôs as mãos nas têmporas e Carter a abraçou.

- Você quer ir para outro lugar? - Eadlyn perguntou, incrédula - O palácio não é bom o bastante para você?

- Essa não é minha casa - ele disse, levantando a voz - E, para ser bem sinsero, estou cansado daqui. Estou de saco cheio das normas, de ser sempre um hóspede - ele se virou para Eadlyn -, e principalmente da sua atitude mimada.

- Peça desculpas! - Marlee exigiu.

Ele cerrou os lábios e olhou para o chão. Eadlyn cruzou os braços esperando as desculpas, que ele finalmente pediu, depois de balançar a cabeça.

- Vamos em frente conforme o planejado - Maxon disse - Trata-se de uma Seleção como todas as outras. É uma questão de escolhas. Por ora, Kile é uma dentre muitas opções, e com certeza podia ser pior. Agora, acho que todos deveríamos comer alguma coisa e comemorar. Foi um dia muito emocionante.

- Verdade - Aspen concordou - Vamos comer.

- Estou cansada - Eadlyn disse, se virando para sair - Estarei em meu quarto.

E saiu.

Suspirei.

Todos seguiram para a Sala de Jantar, Maxon ficou para trás e cochichou em meu ouvido.

- Foi você?

- O quê?

- Foi você quem colocou o nome de Kile? - ele perguntou.

- Claro que não - afirmei - Eu sei o quanto ele quer ir embora e mesmo que me doa ver Marlee ficar longe do filho não posso impedi-lo - respirei fundo - Mas tenho uma boa ideia de quem foi - ele arqueou as sobrancelhas - Pode deixar. Vou descobrir.

Não que isso adiantasse muita coisa, de um jeito ou de outro ele permaneceria na Seleção agora.

Caminhei ao lado de Maxon até a Sala de Jantar.

Meu olhar cruzou com o de Marlee, assim que entrei e fui me sentar, e ela com certeza notou minha desconfiança.

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