a labuta
Como toda vez que falava seu nome, eles arregalaram os olhos. Admirados com a possibilidade de encontrar uma Juno no meio de uma festa junina.
- Então, fizemos certo em nos curvarmos. Estamos falando com uma deusa! - mal terminaram a frase já estavam prostrados no chão.
Juno não esperava essa reação. Ela sabia que era o nome de uma deusa, uma das grandes, mas só ela. A maioria das pessoas ou caçoavam ou perguntavam "que diabo de nome é isso?".
- Se alevanta - falou com medo da reação dos outros. Parou. Por que deveria ter esse medo? Seu pai estava bêbado, mas ainda tinha o bom senso de não fazer nenhum estardalhaço. Por isso, resolveu entrar na brincadeira - Não quero que me reconheçam.
Levantaram-se depressa para não atiçar a fúria da deusa.
- Vossa Divindade está gostando da festa que fizeram em sua honra? - perguntou João zombeteiro.
- Muitíssimo. Estava a deleitar-me quando surgem dois rapazes exaltando outro deus no meu dia, tal de Jesus.
- Tem jeito não, me sinto na obrigação de falar da coisa marlinda que pisou nesse chão.
- Também não consegue falar sem rimar? - ela perguntou.
- Depois de tantos anos nessa vida, fica difícil controlar. Quem rima sem querer é besta sem saber - Paulo respondeu a pergunta.
- E que vida é essa que vocês levam? Não vi ninguém recolhendo dinheiro - e eles não pareciam garotos que passavam fome ou desnutridos, o que tornava tudo mais curioso.
- Nós somos missionários.
- Isso que fizemos não é para arrecadar dinheiro, é para divulgar o nome do Senhor.
- Nunca vi vocês por aqui - a menina constatou. Fazia sentido, eles não eram de lá, se fossem com certeza os reconheceria.
- Pois te prepara que você terá essa visão por vários dias - Paulo brincou passando a mão no cabelo e piscando o olho.
Juno riu. Como sentia falta da sua risada, de rir de piadas bobas, sem preocupações, como se tudo estivesse bem.
João cutucou o colega e deu um tapa na sua nuca.
- A gente vive viajando. Estamos assistindo uma congregação daqui, então, Paulo está certo. Você nos verá mais vezes.
Viver viajando? Nossa. Isso seria sonho demais para Juno.
- Pra viver viajando é necessário muito dinheiro. Infelizmente, eu só tenho a idade. - desabafou a garota, queria se soltar da gaiola que era a cidade pequena.
Entreolharam-se. Gargalharam. Juno não entendeu o que tinha de tão engraçado e pensou - novamente - que estava suja.
- Não somos ricos não - Paulo afirmou ainda sorrindo - estamos mais para pobre com fé em Deus.
E eles eram pobres. Pobres com força. Pobres com fé em Deus. E era essa fé que os sustentava e, claro, o apoio da Companhia.
- Existe a Companhia de Missões, ela que nos sustenta. Já passamos uns perrengues bem brabos, mas isso faz parte. As dificuldades não anulam o prazer de pegar o pandeiro e louvar a Deus, de sair dando abrigo os moradores de rua quando nem temos casa - João falou com os olhos brilhando, como se aquela vida cheia de problemas sem receber um salário direito fosse a melhor opção de vida. Porque para ele era. - Paulo, você lembra aquela noite que a gente tava voltando da igreja? Sunta só, Juno, sunta que essa é doida. A gente tinha terminado de arrumar tudo porque teve um congresso, estava cansado, quase dormindo na rua. A rua que passávamos toda vez estava com os postes queimados aí a gente mudou a rota. Você não acredita quem tava lá. Uma. Criança. Catando. Comida. No. Lixo.
João respirou fundo e Paulo engoliu em seco. Ninguém está preparado para ver uma cena dessas. Todo mundo sabe que acontece, mas, a realidade sempre está longe, quando ela se aproxima impossível não tomar susto. Mesmo que todos estejam cientes da realidade.
Eles foram para aquela vida, cientes do que iriam encontrar, porém todo o preparo para ser um bom missionário foi insuficiente para que não ficassem horrorizados com a cena.
- Eu senti a comida voltar. A gente tava voltando de um lugar cheio de comida, entende? Foi uma noite linda, todo mundo feliz, pulando e cantando. Enquanto isso a barriga de um menino roncava mais uma vez porque ele já tinha uma semana que não comia.
- Ele era tão magrinho... - Paulo falou cabisbaixo. Juno não o conhecia bem, mas ele não fazia o tipo de estar sempre triste. Devia ter sido algo muito impactante.
- O engraçado é que ele parecia mais assustado do que nós. Como se fôssemos os outros. E era mesmo!! Porque, pensa... Aquela era a realidade dele... Ele não estava acostumado com roupas limpas, corpos nutridos e rostos alegres. Não devia ser assim, entende?
Juno não tinha a vida fácil. Não tinha uma família exemplar. Não era rica. Sabia como era sentir abandono e outros sentimentos piores, foi impossível não se comover com a história. Imaginou um de seus irmãos passando por isso e seu estômago revirou só com o pensamento. Que Deus os livrasse de algo assim.
- A gente chamou ele para vir com a gente. O menino é esperto, não aceitou. Quem saberia o que poderíamos fazer com ele? Eu prometi para ele que tudo ia ficar bem. - empurrou Paulo gargalhando junto com o amigo - Bem? A gente tava dormindo na casa de uma irmã, nem tinha lugar pra ele. Mas, quando o menino aceitou... eu senti que podia fazer qualquer coisa para defender.
Continuou falando que deram banho nele, comida, chocolate e que dormiram por lá mesmo. O nome dele é André. Foram eles que deram. Hoje, André tem oito anos e foi adotado depois de toda aquela burocracia. Inteligente que só vendo, de acordo com os jovens missionários.
Dentro daquela história triste que felizmente teve um final feliz o que mais chamou a atenção da garota foi o modo como João falava. Como se aquela fosse a história mais linda, uma que devesse ser contada numa tarde para alegrar o dia.
Ela não seria tão forte. Era capaz de abraçar o garotinho e chorar por aquela situação. Talvez não chorasse, mas também não teria condições de sorrir para ele e oferecer um lar porque ela também não tinha.
Eles também não tinham. Não tinham nada. Apenas aquele chamado, uma vocação que os empurrava em direção ao outro.
Em questão de ouvir a voz do amor e da esperança, Juno era surda.
OOOOOOI
está quase acabando galera, esse capítulo deu para aliviar o outro - eu acho. mas isso aqui não é pra ser um livro de humor mesmo.
falando em humor, o que vcs sentiram nesse capítulo? o que acharam? Já votaram? Comentaram?
por please interajam comigo, eu sou carente
alguns repentes para quem não sabe o que é:
próximo capítulo segunda
até mais ver, em francês, au revoir
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