Conto 3 - Maria Brava


Maria Brava


Maria de Jesus Brava, esse era seu nome de batismo. Era inteligente e bonita, se desse um sorriso então... Porém, isso mal acontecia. Estava sempre de cara fechada, sisuda e brava.

Certo dia, a professora fez a chamada falando o nome completo de todos os alunos. Quando chegou a sua vez, ela fechou os olhos e respondeu:

Alguém falou:

- Está explicado: brava já vem no nome.

A risada foi geral.

O seu jeito quieto e reservado, às vezes, era confundido com frieza e indiferença, mas no seu íntimo ela sabia o quanto era triste viver assim.
Sua mãe, preocupada, levou-a a psicóloga.

Um dia ela revelou:

- Lendo uma revista de sobrenomes descobri que pessoas que levam o sobrenome 'Brava' têm essa característica e eu não quero ir contra o meu próprio nome.

O tempo passou, e seus problemas de relacionamentos continuavam.

Um dia, fazendo compras, ela escolheu uma abóbora e a colocou no seu carrinho. Então escutou uma voz:

- Essa abóbora que você pegou, parece ser a melhor, eu já a havia escolhido, mas troquei e agora não tem nenhuma boa - falou um rapaz.

- Quer ficar com ela? - perguntou educadamente.

- Não precisa, eu vou continuar procurando.

Ela mudou de bancada e começou a escolher batatas.

- Éh... Não tem. Aquela era a melhor mesmo! - ele resmungou.

- Pode ficar com essa - disse a Srta. Brava, - veja esta! - pegou e mostrou outra abóbora - eu fico com esta.

- Deixe-me ver... - pegou da mão dela e ficou olhando, no fim após analisá-la concluiu: - eu fico com essa, obrigado.

Ela continuou a escolher suas batatas e o rapaz ficou ali parado com a abóbora nas mãos, olhando-a.

Resolveu continuar suas compras e foi saindo, quando escutou a voz:

- Éh... Está até está boa, mas a outra...

Maria de Jesus, brava, não pensou duas vezes, tirou à abóbora do seu carrinho e tomou a outra das mãos dele e disse:

- Pronto, fique com essa abóbora!

Ele somente ficou olhando para ela e não falou mais nada.

Ela pegou seu carrinho e saiu, mas não conseguiu ficar sem dar uma última olhada no rapaz. E lá estava ele, virando e revirando a abóbora.

Será que ele a levaria - pensou.

Certa vez, sua psicóloga indicou que ela fizesse trabalhos manuais. Relaxaria e poderia conviver com outras pessoas.

Depois de muita resistência ela fez inscrição no clube aonde era sócia e pouco frequentava.

Primeiro dia ela já ficou irritada com tanto barulho, as mulheres falavam muito e alto, mas teria que se habituar. Escolheu o desenho para começar a fazer uma toalha de ponto cruz. A professora lhe disse:

- Esse desenho é muito difícil para uma iniciante.

Ela já não gostou daquilo. A senhora mostrou para um desenho simples, que daria para fazer de olhos fechados, mas ela concordou.

- Tudo bem. Posso começar?

- Conte todos os pontos na horizontal e vertical da toalha, depois faça a divisão por dois - explicou a professora -, e marque bem ao meio.

O quê? Contar tudo aquilo? Ah... Mas não mesmo! - pensou - Ela dobrou a toalha de um lado de outro e fez duas marcas.

-- Pronto aqui é o meio - anunciou.

A professora olhou e não disse nada. Depois chegou perto dela e falou baixinho, enquanto as outras alunas contavam:

- Pode ser que seu trabalho não fique centralizado; podem faltar alguns pontos de um lado ou do outro.

- Não tem problema, eu quero começar a fazer.

- Tudo bem, mas depois não me diga que eu não te avisei.

Concentrada no bordado, achando que estava ficando bom, veio à professora.

- Tudo bem?

- Tudo, o desenho está começando a aparecer.

A professora pegou em sua mão a toalha, olhou, analisou e depois falou:

- Você vai ter que desmanchar, esqueceu esse ponto aqui - mostrou na toalha.

- Como? Eu não esqueci nada!

- Veja! Conte esses pontos - mostrou a revista - e depois conte da sua toalha.

Ela tinha certeza que a professora estava errada. Indignada começou a contar.

O pior é que não. Passou o resto da aula desmanchando o trabalho.

Segunda aula ela chegou com o desenho adiantado, feliz para mostrar a professora e as outras alunas. A professora mal olhou a toalha, disse:

- Tem um erro aqui. Vai precisar desmanchar essa parte toda.

Ela quase caiu para trás, pois contou e recontou aqueles malditos pontos e tinha certeza que fizera certo. Sentou e começou a contar de novo. Achou o erro.

- Não quero desmanchar, está bonito assim. Perdi muito tanto tempo.

- Pense, trabalho manual é para relaxar e não para ficar nervosa, é como uma terapia. Desmanche e vai gostar do resultado quando ele estiver pronto e perfeito - falou a professora com toda calma do mundo.

Então ela começou a desmanchar. E lá se foi metade da aula. Quando finalmente saiu daquela parte do trabalho, foi subindo com o bordado e chegou à parte superior da toalha. Pronto! Acabou o espaço. O que fazer? Chamou a professora.

- Deve ter algo errado de novo. O trabalho é para dar certinho nesta toalha. Veja das suas amigas. - algumas viraram as toalhas.

Ela queria morrer ao ver o trabalho das outras alunas.

- Vou fazer a parte debaixo - falou.

Assim que chegou ao final percebeu que sobrava espaço, e era exatamente o que faltava em cima. Levantou o olhar e a professora a observava.

Pensou: não contei, ela disse que aconteceria.

Maria Brava não pensou duas vezes: pegou uma tesoura e cortou a toalha ao meio. Juntou seu material e foi embora.

Na saída do clube, passou uma, duas, três vezes a carteirinha e nada da catraca desbloquear e liberar sua saída. Irritada, olhou para o lado e o porteiro lhe perguntou:

- Quer ajuda?

- Não! Vou pular isso aqui!

Ele pegou a sua carteirinha, olhou, e disse:

- Maria... Que nome bonito, em hebraico significa: soberana, pura e vidente.

E devolvendo-lhe a carteirinha, continuou:

- Esta aqui é do seu plano de saúde.

Ela estava hipnotizada olhando para ele, achando-o conhecido. Ele, gentilmente, tirando um pequeno vidro de dentro da mochila, lhe disse:

- Você gosta de doce de abóbora?

Ela sorriu.

- Muito. Principalmente se a abóbora estiver boa. Muito boa.

- A minha mãe. Acho que você a conhece, ela é professora de artes manuais aqui no clube. Foi ela quem fez o doce, e disse que estava ótima, a melhor.

***

Após algum tempo a psicóloga lhe perguntou:

- Como vão às aulas de bordado, Maria de Jesus Brava?

- Ah, não faço mais, passei a fazer aulas de culinária. E por favor, me chame somente de Maria.

Fim


Contatos com a autora: [email protected]


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top