Conto 23 - Confusão no chalé

Desafio: Confusão no chalé 42

 Um personagem resolve fugir do estresse e se refugia no chalé, porém de alguma forma, o chalé já tem ocupante e é essencialmente alguém que seu personagem não suporta!  

Lena Rossi

Personagem: Ana do meu livro Sorte no Jogo e no Amor

Palavras 1995

Convoquei minhas amigas, Isabela e Raquel para uma conversa importante. Desde quando éramos crianças tínhamos a mania de resolver tudo justas em reunião. Dizíamos que pensar a três era muito melhor que pensar sozinha.

— Se eu contar algo, vocês prometem que não vão dar risadas e nem fazer comentário tipo assim: eu sabia!

— Eu não prometo — falou Raquel.

— Então não conto.

— Eu prometo — respondeu Isa.

— Santinha — Raquel a acusou. — Então prometo também.

Olhei para elas ainda na dúvida. Levantei, andei de um lado para outro. Sentei de novo e falei bem rápido.

— O quê? Fala devagar e direito, Ana! — pediu Isa.

—- Eu disse que amo o Gil.

—- O quê!? — Isa e Raquel exclamaram ou perguntaram juntas.

— Eu amo o Gil. Eu amo o Gil! E não sei o que fazer para reconquistá-lo. Vocês entenderam agora? — perguntei irritada.

— Eu sempre soube que isso ainda iria acontecer. Quantas vezes eu te falei que aquelas brigas só poderiam ser amor? — Isa me perguntou.

— Você prometeu não falar essa frase, Isa — choraminguei — Não vai falar também, Raquel?

— Eu não! Nem fazia ideia. — concluiu Raquel parecendo decepcionada. — Mas conta! Como descobriu isso agora?

— É uma longa história — falei sentando.

— Pode contar, adoro histórias. Temos tempo para escutar. Podemos ficar aqui até meia noite — Raquel comentou.

— Começou na adolescência onde ficávamos juntos, mas eu nunca assumi que gostava dele, na verdade eu nunca quis gostar. — Parei, fechei os olhos para pensar por onde começar. — Ele foi o primeiro homem na minha vida. Primeiro em tudo: beijo, sexo, brigas, saudades, raiva e único amor.

Ninguém falou nada, então continuei:

— Na época da faculdade ele foi embora da cidade. Depois de formado voltou e me pediu em namoro. Não aceitei e ele foi morar longe para fazer especialização. Neste tempo ficamos alguns anos sem nos ver. Eu tive vários namorados e ele também. Numa das minhas vindas aqui, eu fiquei pensando nele e resolvi ligar na casa de seus pais e não o encontrei. Mas ele ficou sabendo que eu havia ligado e me procurou. Conversamos muito e brigamos também, mas decidimos fazer uma viagem de uma semana para saber o que queríamos.

— E?

— Foi ótimo, mas... Eu fugi de novo e vivo nesta agonia de não querer ficar com ele, mas ao mesmo tempo sem conseguir ficar com mais ninguém.

— Mas por quê? O que te impede? — perguntou Raquel.

— Gente! Lembram? É o Gil? Dãn!

— O que tem isso, Ana? Dãn — retrucou Raquel.

— Ele se chama Gilvan, agora Doutor Gilvan, cardiologista. Todo certinho. Bonitinho. Cheirosinho. Mora aqui. Trabalha aqui. Tudo aqui. E eu não consigo ficar sem ele — completei chorosa e desanimada.

— Anastácia, o nome dele de novo? Ainda isso? — Isa perguntou e eu confirmei — E quem chama Gil de Gilvan? Acho que somente você lembra-se disto. Todos nós sempre o chamamos de Gil.

— Há quatro anos ele me pediu em casamento. — Elas me olharam de boca aberta. — Sabe o que ele fez? Entrou com um pedido para trocar o nome. E disse que morava onde eu quisesse, somente não poderia ficar longe de mim.

— E o que você fez? — perguntou Isa.

— Além de não aceitar, eu viajei e fiquei fora por mais de seis meses. Quando eu voltei, ele nem olhou na minha cara. E pior, estava de namoro com uma 'fulana'. Namorou por quase esse tempo. Foram os piores anos da minha vida.

— Com toda razão — afirmou Raquel e a Isa concordou.

— No final do ano passado eu fiquei sabendo que ele pensava em se casar.

— E aí? — perguntaram juntas.

— Eu marquei uma consulta e fui ao consultório dele. Sei que foi loucura, e não me olhem assim! Ele quase teve um troço quando me viu entrar. Comportou-se como se a consulta fosse verdadeira e comum. Depois eu disse que sentia muita dor no coração e que eu achava que meu coração tinha partido. E que nada, nem ninguém conseguia consertá-lo, apenas se fosse certo médico. Não seria mais ninguém. Ele ficou doido comigo. Falou de tudo que sempre fez por mim. E tudo de ruim que eu fiz com ele. Aquele danado não se esqueceu de nada. Pior para mim ele ser tão inteligente.

— Continua! — pediu Raquel — E aí? Está parecendo história de filme dramático.

— Aí nada! Ele me mandou sair do consultório dele e esquecê-lo. Como se isso fosse possível.

Ficamos em silêncio até a Isa dizer:

— Vamos pensar em alguma coisa. Tenho certeza que podemos reverter essa situação.

— Duvido muito, mas estou aceitando qualquer negócio.

Dias depois, a conselho da minha irmã e sócia, resolvi tirar uns dias de folga e viajar. Estava estressada, cansada e muito, mas muito triste mesmo. Como sempre fiz para fugir dos problemas. Dessa fez não iria para longe, porque aprendi que os problemas sempre me acompanharam para onde quer que eu fosse.

Raquel me indicou um chalé na região serrana. Achei interessante fugir do calor escaldante dos últimos dias.

Malas prontas e no carro, eu segui de carro apreciando a vista montanhosa surgir a minha frente a medida que distanciava da cidade. Abri a janela e diminui a velocidade para sentir o cheiro refrescante dos eucaliptos que contornava a estrada. A paisagem foi mudando e melhorando o meu humor de cão raivoso.

O GPS me indicava que eu aproximava do local. Era um condomínio fechado com infra-estrutura de pousada. Servia café da manhã, almoço e jantar no restaurante localizado no centro do grande parque. A área verde e atividades ao ar livre é que atraiam os turistas. Eu, no entanto, queria a paz que o lugar me oferecia.

Passei pela portaria e me identifiquei. Recebi um cartão de visitante com um pequeno mapa de localização e ele me desejou uma ótima estadia.

Chalé 42.

Achei.

Bem no alto, o que me daria uma vista privilegiava do parque e do lago. Saí do carro e espreguicei. Inspirei profundamente o ar fresco e soltei devagar. Sim. Fiz uma boa escolha em aceitar a sugestão da Raquel. Aquele local é realmente tudo que eu precisava, transmitia calma e paz. Tirei minha bagagem do porta malas e subi os três degraus que me levava a varanda com cadeiras de madeiras e almofadas. Um copo de água pela metade sobre a pequena mesa não me passou despercebido. Em uma das cadeiras um livro. Deixei a mala no chão e voltei a frente onde a placa indicava 42. Não tinha errado, mas algo parecia estranho.

Voltei, peguei minha mala e me aproximei da porta, coloquei a chave e virei.

Abri a porta.

O cheiro de sabonete invadiu meus sentidos me levando a uma viajem no tempo. Aquele cheiro que nunca mais saiu da minha mente. Fechei os olhos. Aqueles dias inesquecíveis. Aquele amor que me fazia falta.

Abri os olhos para cair na realidade.

— Tem alguém neste chalé.

A curiosidade comandou minhas pernas e entrei. Segui o cheiro de banho recém tomado e me deparei com um homem nu de costas para mim a procura de alguma coisa na mala. Inspecionei cada detalhe daquele corpo que me parecia tão familiar e o som vindo da minha garganta como um lamento me denunciou.

Ele virou. Seus olhos encontraram os meus.

— Você aqui — questionei ainda tonta pela visão e o susto ao vê-lo.

— O que faz aqui? — perguntou-me primeiramente — E o que está me olhando desse jeito? — seguiu perguntando e não me dando chance de resposta alguma. — Quem te permitiu entrar? Como sabia que eu estava aqui?

— Calma — levantei as mãos e falei. — Uma pergunta de cada vez.

— Não, Ana! Não me venha com mais mentiras. Eu sei todas elas e cansei de fingir acreditar. Vai embora agora daqui!

— Olha lá como fala comigo, doutorzinho. Estou tão confusa quanto você. Não planejei nada. Vim descansar a cabeça e o corpo.

Falando em corpo... Vale-me, Deus! Ele estava perfeito. Mais musculoso e firme, apesar de algumas partes não entrar nesta característica no momento. Engoli em seco por lembrar o quanto ele poderia mudar aquela anatomia.

Ele seguiu meu olhar e lembrou que iria colocar roupa.

— Quer me dar licença, eu preciso trocar de roupa.

— Trocar o quê? E, na verdade, eu não me incomodo de continuar conversando com você assim.

— Ana! Por favor, retire-se daqui.

— Gil, você já foi mais educado. Os anos não tem lhe feito bem, ou foram as más companhias?

— Vou precisar chamar o segurança?

Neste instante eu olhei ao redor a procura de bagagem feminina, será que aquela jabucréia* estaria ali com ele? Como não encontrei mais nada, além da que ele mexia. Eu resolvi certificar. Sentei na cadeira próxima a janela e falei:

— Pode colocar uma roupa se for se sentir melhor, mas já vou avisando, não arredo o pé daqui.

Ele passou a mão no cabelo, emitiu um som característico de impaciência e pegou algumas peças de roupas e entrou no banheiro para meu lamento.

O que estaria acontecendo? Será que isso foi arrumação de Raquel? Mas como ela iria levá-lo para o mesmo lugar que eu assim tão fácil. Tentei no último mês vários encontros e todos fracassaram.

A porta abriu e ele vestia uma bermuda e camiseta. O cabelo molhado penteado para trás lhe dava um ar mais sério, aquele de médico em atendimento. Preferia-o em desordem e seu sorriso que chegava aos olhos.

— Pronto! Agora podemos ver qual confusão aconteceu aqui — falou sem me olhar.

— Eu reservei este chalé e paguei por quatro dias com todas as diárias completas — informei.

— E quer que eu acredite nisto? — perguntou.

— Querer eu nem faço questão, mas posso te mostrar meu comprovante de pagamento e o voucher.

— Como assim? Eu que reservei e paguei pelo fim de semana!

— Gil, eu não sei realmente o que aconteceu, mas precisamos ser práticos. Eu não vou me incomodar de dividir a cama com você. Agora se a sua doce amada estiver a caminho, aí sim será um problema. Pois terá que dormir do lado de fora, no tapete da varanda. Tem um lá, não é?

— Vou à recepção descobrir o que aconteceu!

— Irei com você. Assim aproveitamos para passear e conhecer o lugar.

— Não estou aqui com você, lembra?

— Deixa de ser chato!

Saímos. Eu enganchei meu braço no dele e ele tirou e se afastou. Que saco! Eu o odeio! Alias, quero odiar mais que tudo. Com esse pensamento mudei a direção e fui para o parque. Sentei no balanço onde algumas crianças brincavam. Algumas me olharam de cara feia por estar ali. Era o que me faltava.

Minutos depois o Gil apareceu, sentou no banco e ficou me olhando. Virei-me e decidi caminhar. Se ele pensa que vou chorar e rastejar por ele está enganado.

Segui por uma trilha que indicava: poço dos desejos.

Parei em frente, ele parecia saído de um livro. Apalpei os bolsos. Nada. Tirei meus brincos com dor no coração. Joguei. Fechei os olhos e pedi.

— Ana, Ana... O que faço com você?

Assustei ao vê-lo se aproximar.

— Tenho uma lista, basta o doutor prescrever.

— Não brinca comigo. Você sabe que demorei muito para tirar você da minha cabeça...

— Por favor, me dê uma chance, Gil.

Seu olhar tinha dúvida, mas um brilho que sei reconhecer, não era mais raiva do início do nosso encontro.

— Já fiz isso no passado. E o que você fez?

— Eu admito. Errei. Eu tentei não te amar... Mas eu amo. Eu te amo, Gil... E não é pouco não. É demais!

Ele me puxou de encontro ao seu corpo e juntou nossas bocas. Aquele beijo tinha um gosto de felicidades. Ao separar as nossas bocas, perguntei:

— E sua noiva?

— Terminamos. E o Cris me indicou... — o cortei.

— O Cris da Raquel?

— Isso.

— Foi ela que me indicou este local.

— Descobri agora isso. Os dois armaram para nós e deixou um recado.

— Qual?

— Sejam felizes.

— E aceitou a sugestão?

— Qual?

— Sermos felizes.

— Ana, aceito se for para casar daqui a três meses.

Meu coração acelerou, sabia que seria minha última.

— Aceito.

Lena Rossi

*Jabucréia —  hibridismo de jaburanga com mocréia: mulher muito feia, além de extremamente desagradável e chata. 

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