10 - Céu e inferno na Terra

TEM UM CORPO DESACORDADO NO MEU QUINTAL. Eu não fazia ideia se as outras pessoas podiam ver Samael caído e completamente arrebentado no chão. E eu não sabia se meu pai estava em casa ou não.

Como eu vou levá-lo para dentro? Para o meu quarto, no segundo andar? Eu me ajoelhei no chão ao seu lado tentando encontrar uma maneira de levantá-lo. E só consegui ficar lá, parada o olhando, e pensando em como diabos ele ficou assim. A resposta apareceu em minha mente com um nome que vinha me assombrando. Lilith.

Ele dormia tão calmamente que não parecia que estava acabado. Seus traços delicados, angelicais, estavam escondidos sob hematomas e manchas negras. Rocei a ponta dos meus dedos sobre a maçã do seu rosto até a têmpora, onde alguns fios mais compridos do seu cabelo estavam grudados. Meu coração pulava a cada batida e eu esqueci de respirar. Ele não se mexeu em exceção do seu peito, que subia e descia despreocupado.

Larguei minha mochila no chão sem muitas cerimônias e me levantei, fui até a porta de casa e a abri, dei uma olhada por toda a sala procurando sinais da presença do meu pai e não encontrei nada. Voltei para Samael ainda inconsciente no chão, me agachei e o segurei por debaixo dos seus braços. Ele era ainda mais pesado do que imaginei. Com muito esforço, o coloquei sentado com um braço de apoio no meio de suas costas. Procurei com a outra mão por minha mochila, e quando a encontrei peguei de lá uma fita adesiva que levava pra escola. As asas do Samael estavam encolhidas, o que facilitou quando comecei a dar voltas e voltas com a fita por elas, as mantendo fechadas e fixas. Ele vai me matar quando acordar.

Trabalho feito. Jogo a fita quase sem nada na grama e aproximo meu rosto da orelha do Samael.

— Preciso que me ajude, não vou conseguir sozinha.

Disse gentilmente o sacudindo um pouco. Ele resmungou e aproveitei o instante de consciência para levantá-lo. Ele resmungou mais alto enquanto levantava, não foi tão difícil como seria pois ele me ajudou se forçando a levantar e por peso sobre suas pernas.

— Isso, vamos com calma. — Coloquei meu braço debaixo do seu, servindo de apoio e envolvendo sua cintura.

Fomos caminhando com certa dificuldade até a porta, a chutei para que fechasse e levei Samael até o pé da escada.

— Vamos subir a escada agora. Você está escutando? Preciso que me ajude mais um pouco. — Seus olhos estavam entreabertos, lutando contra a inconsciência.

Subimos a escada degrau por degrau. Eu já estava suando com o processo, e morrendo de medo de que caíssemos.

Finalmente, chegamos à porta do meu quarto, depois de algumas tentativas consegui abrir a porta e levei Samael até a cama, o sentei largando sua cintura fina. Mas seu braço ainda estava sobre meus ombros me segurando, apoiando-se nele para que não caísse. Não deve ter percebido que já estava sentado. Tentei me libertar dele com calma, porém, quando estava o retirando de mim, ele se agarrou com mais força me puxando para si. Meu rosto foi parar a poucos centímetros do seu. Sua boca entreaberta com os lábios ressecados e o nariz quase a encostar no meu. Minha respiração pesou e eu me afastei em um movimento brusco. Sem o apoio, o corpo dele se desequilibrou e caiu deitado na cama.

Eu tinha ficado exausta, fui até a cadeira da escrivaninha e desabei nela, deitei minha cabeça no encosto respirando profundamente, com o coração ainda acelerado. Me virei e fiquei observando Samael deitado tranquilo, dormindo na minha cama, completamente espancado depois de uma semana fora em uma viagem para o inferno. 


Tinha pegado no sono na cadeira, e acordei com o som das asas de Samael se debatendo, tentando se livrar da fita que havia passado nelas. Levantei e fui até ele na cama, tropecei no meu próprio pé, ainda não estava acordada direito. O quarto estava escuro, devia ser umas sete horas da noite. Samael estava deitado com as costas para cima, mas ele não parava de tentar se livrar da fita sozinho. Ele ainda estava dormindo, de modo perturbado, mas dormindo. Se eu tentasse tirar a fita com ele assim, seria praticamente impossível.

Então empurrei seu ombro para trás e o deitei sobre as asas, não sei se isso lhe causava dor, mas impedia que elas continuassem a se debater. Deslizei a mão até seu peito e olhei para o seu rosto. Todas as feridas tinham sumido. Os cortes e hematomas não existiam mais.

Uma mecha do meu cabelo caiu no meu rosto e, como dormi com ele solto, deve estar um perfeito caos. Passei os dedos por ele, abaixando os fios e ajeitando a posição. Cheguei um pouco mais perto do Samael e sacudi seu peito e o chamei de mansinho.

— Samael... acorda. — Fiz mais força com a mão. — Acorda!

Ele abriu os olhos que pareciam pesar e agarrou o meu braço em um movimento assustado. Quando seus olhos finalmente se abriram e pararam em meu rosto, ele tomou uma expressão de surpresa. Talvez ele não se lembre como chegou aqui. Ele continuou a olhar meu rosto e ainda agarrado ao meu braço. Sua boca estava um pouco aberta. E eu me perdi sob o brilho verde que saltava dos seus olhos, e meus pulmões tinham parado de funcionar.

Eu abri um pequeno sorriso tímido nos lábios e falei:

— Como você está? O que aconteceu com você?

Ele se soltou de mim. E começou a se mexer desconfortável na cama até finalmente se sentar. Eu me afastei dando a ele algum espaço. Samael movimentou repetidas vezes os ombros e fez uma careta. As asas.

— O que....? — ele começou, porém se interrompeu.

Samael estava tentando abrir as asas, mas sem sucesso.

— Eu tive que prendê-las para conseguir te trazer até aqui.

Caminhei de volta para minha escrivaninha em busca de uma tesoura. A peguei e fui me sentar do outro lado da cama de frente para as asas do Samael. Comecei a cortar a fita com cuidado para não cortar nem uma pena. Ele não disse nada, e eu não sentia necessidade de falar. Quando já tinha tirado a metade da fita, ele falou:

— Seu pai está aqui?

— Não que eu saiba.

Quando terminei de tirar toda a fita, Samael esticou as asas e as bateu bem devagar testando a liberdade dos movimentos.

— O que aconteceu lá? E... A sua dívida?

Disse alto desta vez, não delicada como da primeira tentativa.

Pude perceber seus ombros ficarem tensos, sua respiração parar e logo ficar pesada. Ele parou de movimentar as asas e se manteve de costas para mim, me evitando.

— Você ainda fala? — Eu estava ficando irritada.

Ele finalmente se virou para mim e seus olhos me perfuraram. Quase engoli a língua.

— Eu consegui... Resolvê-la — falou sem olhar nos meus olhos.

— OK, e por que você estava arrebentado?

— Digamos que demônios não sejam fãs de anjos. — Samael se levantou da cama.

Ele levantou os braços e se alongou. Alongou inclusive as suas asas por completo, pegando de lado a lado do quarto, as fechou e elas sumiram.

— Eu não sou burra, tem algo errado nisso.

— Esqueça — a voz soou baixa e rouca. Ele olhou de canto de olho, talvez para ver minha reação, mantive meu olhar sério para ele. — Não é nada.

O vejo desviando a sua atenção para si mesmo, senti um formigamento na minha pele quando meus olhos foram atraídos pelas roupas que estão mudando; uma regata meio solta cinza escura e calça moletom azul bem escuro, quase preto. A mudança de roupa dele me fez perceber a minha necessidade de tomar um banho, agora. Todo esse tempo esqueci disso, corei de vergonha, meu rosto queimava. Então levantei da cama para ir ao banheiro, passei por Samael tentando impedir que ele visse meu rosto. Ele estava sério, tenso pensando em algo; tem alguma coisa que ele não me contou.

Abri a porta do quarto e saí, escutei sons de passos. Franzi o cenho e fui até a ponta do corredor, no pé da escada. Meu pai. Ah, que bom.

Ele estava com os olhos vermelhos, me perguntei seriamente a causa da vermelhidão. Ele também estava com o rosto vermelho, e focou seus olhos arregalados no meu rosto. Um rio começou a escorrer pelas suas bochechas, sua boca e mãos não paravam de tremer. Eu fiquei parada. Pela visão periférica, vi Samael parado na frente da porta do meu quarto, com os punhos cerrados ao lado do seu corpo.

— Amélia... — meu pai chamou com a voz trêmula quase inaudível.

Mais lágrimas desceram, ele subiu a escada com um certo desespero tropeçando muitas vezes, e se agarrou a mim como um colete salva vidas das lágrimas que o afogava.

— Eu sinto muito — ele tentava falar mas seu choro o interrompia. — Eu sinto muito, muito, muito.

Meu ombro já estava encharcado de lágrimas. Ele soluçava na ponta da minha orelha.

— Eu te amo filha. — Eu ficava mais rígida a cada palavra, mas correspondi o abraço. — Você é tão parecida com a sua mãe...

Agora eu tinha minhas próprias lágrimas enchendo os meus olhos.

O meu pai geralmente tinha ataques de raiva, mas também haviam essas exceções, que eram mais ataques sentimentais, de arrependimento e culpa. Esses momentos às vezes duravam alguns instantes, até dias. Ele chegava a falar que tentaria parar com a bebida, e às vezes...

Ele realmente parava, porém nunca por muito tempo.

— Vem — chamei com a voz rouca quebrando o abraço — Vamos para o quarto.

Ele concordou com a cabeça, balançando freneticamente. Comecei a puxá-lo pelo corredor. Não queria escutar nada daquilo, não de novo. A esperança é uma tortura silenciosa e repetitiva. E eu já aprendi a evitá-la.

Coloquei meu pai para dentro do quarto dele no fim do corredor. Ignorei Samael que ficou nos observando a todo momento. Meu pai agora provavelmente vai dormir até amanhã, e eu vou tomar meu banho. Deixo a água me acalmar, levar tudo de mim.

Lágrimas se misturam à água que escorre em meu rosto e me apoio na parede. Escovo o cabelo e saio do banheiro de roupão indo para o meu quarto. Samael não estava lá dentro, o que facilita as coisas. Coloco meu pijama, e deitei na minha cama onde a um tempo atrás Samael estava deitado. Podia sentir seu cheiro fraco nos lençóis. Demorei muito para dormir de início, mas depois de algumas horas peguei no sono.

Sonhei com uma mulher muito bonita, mas assustadora. Ela tinha cabelo ruivo vibrante, pele branca que brilhava, e olhos indescritíveis. Não conseguia respirar no sonho. Era tudo muito quente, denso. Eu caí de joelhos pela falta de ar. A mulher não parava de sorrir e me contemplar. Ela andou a passos lentos até mim, se curvou; seus longos cabelos escorreram por ela. Ela acariciou meu rosto com os dedos e sussurrou pelo sorriso:

Minha...

Deslizou a mão para minha garganta, e depois deixando um único dedo na ponta do meu queixo. Seu sorriso desapareceu por um instante, agora se concentrando nas profundezas dos meus olhos. Senti-me nua. Sua boca abriu e ela tirou seu dedo de mim.

— Quem diria... — Seu sorriso voltou ainda maior, e ela riu baixinho.

Não estava entendendo nada, mas aquela mulher... Seu jeito misterioso estava me hipnotizando. Ela se ergueu e desapareceu. Estranhamente, o ar voltou e o calor foi baixando. Acordei na minha cama com o rosto suado.

Olhei pela janela e já estava amanhecendo. Tomei outro banho por causa do suor, coloquei uma blusa estilo militar com rasgos nas laterais, bem larga e desci. Samael estava sentado no sofá, encarando o nada. Não vou falar com ele assim. Me preparei para escola e terminei antes da hora. Me sentei na outra ponta do sofá, fingindo não perceber o olhar dele sobre mim e fico mexendo no celular.

— Agora quem não fala é você — murmurou Samael.

— Não sou eu quem tem algo a dizer.

Ele não respondeu, me olhou por instantes e virou o rosto.

Bufei. Que raiva! Peguei minha mochila e sai batendo a porta. Andei pela rua quase marchando. Ele não veio atrás de mim, e não sei se isso me irrita mais. As ruas estavam silenciosas, e praticamente desertas. Depois que me afastei da minha casa, comecei a me arrastar pelo chão em direção a escola. Algo me faz levantar o olhar e encontrei um pássaro, o mesmo de ontem.

Gelo passou pelas minhas veias. Mas ao encará-lo, ele voa e o perco de vista. Eu fiz um caminho demorado até a escola, considerei passar pela casa de Katherine e ir com ela, mas tive a impressão que eu não seria uma boa companhia para ela nem para ninguém.

Cheguei na escola no horário final de entrada. No meio das pessoas, vi Kath e Carly juntas conversando com sorrisos. Eu tinha me esquecido completamente delas, e não pude negar a pontada de ciúmes no meu peito quando as vi tão próximas sem mim. Mas mesmo assim, fico feliz em saber que elas finalmente se resolveram, e estão se dando bem. Não querendo as atrapalhar, me mantenho afastada e permito que elas continuem a sua conversa.

No pátio interno da escola há uma pequena multidão de corpos, tento diferenciá-los o máximo que posso. Procurando alguma distração, até ter o deslumbre de fios vermelhos sangue, como os da mulher do meu sonho. Quando tentei focar minha visão na dona dos cabelos, pessoas passaram na minha frente e eu a perdi de vista. Tentei por mais alguns minutos encontrá-la, mas não consegui.

Não vejo mais Carly nem Kath pelo caminho. Vou em direção à sala de aula, entro e me sento na minha cadeira de costume; fico encarando os detalhes da mesa, os desenhos lá rabiscados, as rachaduras, e as palavras escritas. Eu era uma das poucas pessoas que estavam na sala. Havia mais umas três, quatro pessoas no fundo.

Escutei alguém passando pela porta, e se sentando em uma das mesas perto de mim. Não levantei o olhar para ver quem era, apenas até o nível de seus joelhos, e pude perceber que era um garoto; usava tênis vermelho e branco, e um jeans meio largo.

— Quem diria.

Eu reconheço a sua voz, mas eu não quero crer que o dono dessa voz está sentado ao meu lado, na minha turma. Quando vou ver o rosto da pessoa, Jacob está sorrindo, com o cabelo cuidadosamente desgrenhado, e uma blusa branca com sombras cinzas. A luz da sala faz com que seus olhos pareçam mais claros, brilhantes, feitos de vidro.

— A amiguinha da Car... Acho que vamos ser colegas de turma. — ele diz sorrindo e inclina a cabeça.

Isso não vai dar certo.

Não o respondi, não precisava responder. Voltei a olhar para a mesa contando todos os arranhões que via nela.

— Por acaso você fala? Eu te escutei falando com a Car. — continuei sem responder, e sem lhe dirigir o olhar.

Quinze arranhões na mesa.

— Ah, vamos lá, qual é o seu nome? — ele abaixou a cabeça e tentou pôr o seu rosto na frente do meu.

Vinte e um arranhões.

Levantei minha cabeça para me afastar, e ele voltou a sua posição normal.

— Amélia.

— Doeu responder? — disse ele com sarcasmo.

Logo depois a Carly entrou na sala com sorriso exuberante no rosto, me procurando com os olhos. Mas quando ela viu Jacob sentado ao meu lado, ela pareceu ficar irritada.

— O que infernos você está fazendo aqui? — Carly indagou de frente para sua mesa.

— Calma, calma — ele fez gestos apaziguadores com as mãos — Eu só fui transferido para essa turma. Não tinha ideia que você era dessa. — seu sorriso volta pequeno — Acho que nós vamos nos divertir esse ano.

Carly bufa com raiva, e o sorriso de Jacob cresce com a reação desejada.

— O ano mal começou e você já foi transferido para outra turma? — Carly perguntou de braços cruzados.

— É, você sabe como são as coisas... — ele respondeu fechando os olhos e passando a mão pelo cabelo.

Carly revirou os olhos, e sentou na outra mesa ao meu lado. Dois inimigos, um de cada lado meu e eu sendo neutra. Me senti como a Suíça. A aula começou e terminou sem muita conversa entre nós três, principalmente entre Carly e Jacob. Sinceramente, eu preferi assim. Encontrei o total de vinte e sete arranhões na minha mesa.

Saímos da sala e o Jacob continuou com a gente. Vi Kath distante à nossa frente, levantou o braço e acenou para nós. Carly respondeu acenando de volta, e Jacob entrou no meio de nós duas.

— Quem é essa ? — ele disse malicioso para Carly. — Ela é a próxima?

Carly o fitou com raiva e saiu em marcha para frente, talvez para Kath. Eu não sei por que não a segui. Em vez disso virei para Jacob e o olhei com raiva.

— Por que você faz isso ? E o que você quer dizer com vítima e ela é a próxima? — eu falei alto.

Ele ficou surpreso por eu estar brigando com ele. Mas a surpresa deu espaço para uma diversão que brilhou em seus olhos

— Bom, se eu não a perturbasse, não seria um irmão mais velho decente. — minha boca caiu. Eles são irmãos? Antes que eu pudesse perguntar, ele continuou. — Vocês são amigas e você não sabe que ela gosta de mulheres?

A minha expressão deixou explícito a minha falta de conhecimento sobre isso. Ele riu da minha reação.

— Você realmente não sabia. — ele riu mais um pouco. — Eu acho que ela está afim daquela menina. — ele apontou na direção de onde tínhamos visto Kath.

— Mas por que ela não me contou isso? — dessa vez a pergunta saiu pela minha boca.

Jacob deu de ombros e olhou em volta.

— Não sei não. Mas é algo muito pessoal, entende? E, bom, não é todo mundo que leva isso numa boa... — ele estava olhando para onde Carly tinha ido, e depois passou a me olhar. — E você? Tem problemas com isso?

— Não, é claro que não.

Ele balança a cabeça, e continua parado ao meu lado.

— Você vai ficar aqui? — pergunto.

Jacob levanta uma sobrancelha em questionamento, eu preciso aprender a fazer isso.

— Algum problema?

Sim.

— Não.

É que você já está há muito tempo comigo.

— Você não vai ficar com aqueles garotos?

Ele volta a dar de ombros e se encosta na parede.

— Eles são uns idiotas.

Ele escorrega lentamente para o chão e se senta. Levanta a cabeça e me encara.

— Senta aqui.

Eu vou e me sento ao seu lado.

— Então, você e a Carly são irmãos.

Ele sorri, dobra os joelhos em direção ao peito e passa os braços por eles.

— Meio irmãos. Dividimos o mesmo dono de espermatozóide.

Visualizei o rosto da Carly e comparei com o Jacob. Eles não tem nenhuma semelhança.

— Vocês são amigas e ela não contou nada sobre ela ?

Não respondi e olhei para o chão.

— Você é bem quieta... — Jacob quase saltou do chão e estendeu a mão para mim. — Vem.

Olhei por instantes sua mão antes de pegá-la, e me levantar.

— E para onde nós vamos?

Ele parou sério, e levou a mão ao queixo e ficou pensando.

— Uma das coisas que eu sei é que se quer fazer alguém quieto falar, leve ele a um lugar quieto. — Ele parou por um momento, pensando consigo. — Você não vai querer matar aula, não é mesmo?

Balancei a cabeça dizendo que não.

— Hum... — Sua mão vai do queixo até a boca, voltando a ficar sério. Ela de repente caí e Jacob está sorrindo vitorioso. — Tem um lugar...

Ele se vira e começa a andar para longe, eu continuo para onde estou. Depois de alguns passos, Jacob para e me olha com o rosto em dúvida .

— Você vai vir?

Eu penso sobre isso, ele ainda é um desconhecido... Mas nós estamos na escola... Quando noto ele já está em cima de mim, me pega pelo braço sem me machucar e nos leva para dentro da escola; em um parte da qual nunca tinha muita gente. Discretamente, abre uma porta que leva para o pátio externo de trás, é usado como estacionamento para os funcionários. Eu olhei para ele perplexa. Ele sorriu e soltou meu braço, deu alguns passos para frente.

— Vem — Fez sinal para que o seguisse. — não é aqui.

Eu fui atrás dele desconfiada. E se fôssemos pegos? Não, sem Amélia responsável, agora eu estava me divertindo. Jacob parou de frente para a grade que fechava o estacionamento nos fundos, e , no canto da parede, tinha um vão entre elas duas grande o bastante para que passássemos. Meu sorriso cresceu. Ele também me via sorrindo.

— Olha só, ela gosta de coisas arriscadas.

Droga, não gostei da cara presunçosa dele, mas eu estava adorando.

Jacob se enfiou no buraco e por um momento achei que pudesse ficar preso, até ele passar e me esperar do outro lado.

Me enfiei lá também, tomando cuidado para que as pontas da grade não prendessem nas minhas roupas nem no meu cabelo. Ele segurou meus braços na travessia e disse para segui-lo.

Num canto esquecido e mais distante uma grama macia e verde brilhante crescia, com algumas flores aqui e ali. Até uma ou duas borboletas voavam lá.

— Eu sei que não é grande coisa, na verdade, não é nada.

Meus olhos brilhavam vendo todo o espaço, se eu conhecesse isso aqui, minha presença nas aulas iria sumir.

— Se souber usar isso aqui é ótimo — eu disse, ele riu e pôs a mão no pescoço.

— Ninguém nunca vem aqui. Os funcionários, é claro, sabem da existência daqui, porém não tem o que se fazer neste lugar. E os alunos não conhecem esse espaço. Eu só gosto daqui porque é o meio termo, sabe? Escola e mundo externo.

Fiquei meio mal por não dar tanta atenção assim pra ele. Me deitei na grama densa e macia. Estava fresco e ventando. Ele se sentou e apoiou as mão para trás, e a cabeça caída. Não consegui não perguntar por que ele me levou ali. Ele disse:

— Bom, você gostou?

— Bastante. O suficiente para não te achar mais um completo babaca.

Ele deu uma longa risada.

— Viu só? Lugar quieto, pessoa comunicativa. — Houve uma pausa, ele inclinou a cabeça para mim. — Completo babaca?

Dessa vez eu dei risada.

Eu vi um certo sorriso no seu rosto, mas ele se desfez logo em seguida.

— Infelizmente senhorita — Ele se levantou. —, não podemos ficar aqui. Temos que sair antes do sinal, para que ninguém nos veja.

Sou uma das primeiras que fogem da sala no horário de saída. Carly não voltou para sala depois do almoço, talvez para não ter que aturar Jacob. Ou quem sabe, minha mente desconfiava que ela pudesse ter matado aula para ver uma certa aluna. Eu e Jacob então continuamos nos sentando juntos, e conversando durante as aulas. Ele era divertido e agradável, e pareceu à vontade para o primeiro dia na turma.

Tentando escapar dos corpos que se amontoavam na saída, vi um par de olhos incrivelmente escuros, completados por veias levando sangue de cabelos escorridos por volta do rosto. De novo vi a mulher do meu sonho. Ela agora estava sorrindo, sorrindo divertida. Tentei chegar até ela, indo contra a maré de gente. Mas, ela sumiu, comecei a procurá-la com os olhos. Não consegui. Decepcionada, voltei o meu caminho para fora da escola, a maioria dos alunos já tinham saído, então não estava mais o mesmo caos. Nos portões Jacob surge do meu lado.

— Você está bem? — Ele levantou uma sobrancelha.

— Estou... Por acaso viu uma mulher de cabelo vermelho por aí?

Ele abriu a boca para me responder, mas minha atenção foi desviada para outro lugar, e eu vi de novo aquele corvo.

Seus olhos brilhavam, um vento percorreu o ambiente e ele voou desesperado para mim, pousando aos meus pés. Jacob deu um passo para trás. O animal não parava de crocitar. Meu peito momentaneamente congelou e escapou ar dos meus pulmões. Levantei meu olhar novamente e Samael estava parado ali exaltado. Ele quase lançou uma karambit na minha direção, na direção do corvo, mas se deteve quando me viu. Seus músculos endureceram. Ele olhou para Jacob do meu lado, e as outras pessoas que saíam da escola. Seus olhos pareciam clarear e ficar um pouco vidrados.

Não escutei mais nem um ruído, as pessoas não falavam mais e não se mexiam. O corvo gritou de novo e bateu as asas sem sair do lugar. Samael o fitou com raiva e se concentrou em seu olhar fixo no animal. O corvo voltou a crocitar desesperado e se afastou de mim, e eu dele.

As asas do animal encurtaram, e as penas eram engolidas pela carne cinzenta que crescia. O bico encolhia e dentes surgiam, fileiras furiosas de lâminas. Mais membros indefinidos saíam do corpo. Sangue negro escoria de todos os lugares, a fera fazia um som baixo grave, ressoavam em meus ouvidos quase como um zumbido profundo. Mammon.

Ele se contorceu com mais sofrimento e começou a se erguer. Estava transformando-se em um homem. Continuava com as roupas sociais mesmo que amarrotadas. O demônio se curvou sobre o chão e impediu que caísse pondo as mãos no chão. Ele arranhou a garganta e cuspiu.

— Meio injusto... — ele disse em um tom ácido, com um sorriso de raiva. Virou a cabeça para mim. — Olá querida. — E fez uma cara de galanteador.

— O que está acontecendo agora? — eu grito para os dois e me aproximo.

Mammon se levanta e dá tampinhas na roupa, olha para mim incrédulo. Seu sorriso é diabólico.

— Ah, é claro, é claro que ele não te contou.

Uma karambit voou por mim e acertou o ombro esquerdo do Mammon. Ele recua um passo mínimo. Mammon levantou o lábio superior em dor, e tirou a lâmina cravada do seu ombro. Ele a olhou contemplando com ódio, e a deixou cair.

— Se lembra querida, que...

Samael joga outra karambit rápida como vento, mas, dessa vez ela caiu no meio do caminho. Mammon estava fitando Samael com os olhos com mais de mil fogueiras. A lâmina derreteu no chão. O rosto de Mammon estava contorcido, seu rosto implacável, com fúria, um verdadeiro demônio.

Não brinque comigo — sua voz era medonha, irreal. Era alta e grave, profunda, vazia.

Meu ossos tremeram.

— Se lembra que ele — Mammon cuspia as palavras encarando Samael — estava endividado? Sua dívida e atraso serão perdoadas, caso ele te ofereça como pagamento.

Minha boca estava tremendo, não sentia minha pele. Os músculos tinham encolhido e se juntado aos ossos.

— Mas... — minha voz não saía. — Por quê?

Mammon finalmente tirou seu olhar de Samael, que tinha diminuído com a revelação, e focado em mim. Seu rosto suavizou.

— Querida, você tem um grande poder, celestial. Você é especial. E Lilith quer você.

Compressão me atingiu com um taco de beisebol, lágrimas silenciosas se deliciaram com a minha pele.

Eu me virei para Samael com os joelhos quase desistindo junto comigo. Meus olhos encheram ainda mais quando fui falar.

— Era isso que você não queria me contar? — Seus olhos queriam fugir dos meus, mas eu não deixei. — É claro que era isso.

Eu estava fazendo algum som, por um momento achei que estivesse rindo. Rindo nervosa e desesperada. Mas, depois eu não soube mais o que eu estava fazendo.

Meus ouvidos não escutavam. Minha mente não pensava. Eu estava sim, desesperada com a situação. Mas não daquele jeito. Percebi que estava fazendo aquele som, porque uma dor exorbitante me rasgava, e tentava explodir meu coração. Eu estava no chão tentando me enterrar na terra para me livrar da dor.

Samael já estava curvado por cima de mim, sua boca não parava de se mexer. Mas eu não entendia, como se de repente falássemos línguas diferentes. Mas quando a luz tampou minha visão, meu corpo respondeu instantaneamente. Depois de tantos segundos, ou talvez minutos sem respirar, meus pulmões permitiram a entrada de ar. Eu consegui ouvir algo como grito, virei a cabeça deitada no chão e vi com dificuldade, Mammon caído; assim como eu. Mas, gritando e queimando em cólera.

— Já chega crianças. — Essa voz... era como um pilar fixo no meio de uma tempestade.

Meu corpo parecia que estava acordando de um sono profundo.

A luz sumiu, e sem ela consegui ver a mulher dos cabelos vermelhos. Ela parecia mais assustadora, maior do que antes. Ela veio caminhando na nossa direção, se virou para Mammon e se abaixou.

— Ela fez um estrago em você — havia uma ponta de deboche cintilando nas palavras.

Ela, quer dizer, eu. Aquela luz... Deve ter acontecido de novo. A mulher tinha sua mão debaixo do queixo de Mammon. Ele não esboçava nem uma reação. A moça de cabelos vermelhos se levantou e voltou a vir na minha direção.

Mammon já estava de pé sem nenhuma ferida.

Eu comecei a me levantar, e foi quando Samael se colocou na minha frente com as asas para fora, tenso e sério, perigosamente sério em posição defensiva.

A mulher parou, o olhou de cima a baixo e impediu uma risada. Em vez de rir ela sorriu.

— O que você pensa que vai fazer ?

— Você não vai chegar perto dela — ele quase rosnou.

A mulher não segurou o riso dessa vez.

— E você acha que pode me impedir? — Ela pôs uma mão no quadril. Samael não recuou — Eu fui o primeiro demônio do mundo, A mãe e rainha dos demônios. — Houve uma risada e apontou para ele. — Você é apenas um anjo com um quê de rebeldia.

Essa era Lilith.

A rainha voltou a andar e Samael se pôs um pouco mais para frente.

— Não me atrapalhe. — Ela fez um gesto com a mão com se o afastasse. E ele realmente foi arremessado para o lado. — Eu disse que quebraria suas asinhas.

A asa de Samael entortou e ameaçou se quebrar. Eu levantei e me coloquei na frente dele.

— Deixa ele! — gritei sem perceber.

Lilith me olhou curiosa e se aproximou de mim até ficar a centímetros de distância. Eu não sou uma pessoa alta, mas ela tinha cerca de um metro e meio. E eu estava morrendo de medo só de estar perto dela.

Samael murmurou alguma coisa. Lilith respondeu:

— Cale-se. — ela sibilou.

Eu estremeci pela voz. Ela mudou completamente de postura para uma gentil. Ela tocou meu rosto. Podia escutar e sentir a ponta de seus dedos sendo levemente queimados.

— Me leve. Esqueça a dívida dele e me leve como pagamento — disse de repente.

Lilith focou sua visão nos meus olhos e sorriu relaxada.

— Oh querida... Não vou te levar... — Ela colocou uma mexa do meu cabelo por trás da orelha, que naquela altura estava desgrenhado. — Isso tudo está causando um entretenimento divino para mim.

— Você... Não vai me levar?

Dessa vez ela deu um dos grandes e estranhos sorrisos.

— Não, quero ver como isso vai acabar — Seus lábios não paravam de dar espaço para o sorriso. — Como as coisas vão se desenrolar, mas vou ter que ver de longe.

Seu sorriso passou a ser algo mais delicado.

— Afinal, não se quebra uma promessa — sussurrou-me

Ela colocou as duas mãos de cada lado do meu rosto, e beijou minha testa de modo demorado. Senti um formigamento pela minha pele, e eu fiquei mais leve.

Samael estava paralisado no chão e Mammon com uma expressão inexplicável.

Lilith se afastou e deu uma risadinha.

— Continuem me divertindo, crianças.

A rainha desapareceu. Eu me joguei no chão em busca de apoio e desmaiei.

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