1 - O Homem
ESMERALDAS ME ENCARAVAM ATRAVÉS DAS SOMBRAS.
O mundo era feito de escuridão, sem qualquer estabilidade ou existência além da minha. As sombras abriram-se como dedos se deslocando até Ele sair; os olhos brilhavam através das nuvens negras, o rosto anguloso, de pele clara, mas feição incerta e tremulando.
Ele me encarava, e de pequenos passos se aproximava, o olhar verde fixo no meu. Meu corpo era uma estátua, as sombras me prendendo no lugar e impedindo o ar puro de entrar nos meus pulmões.
A falta de ar me fez acordar, não antes de notar um certo estramento por parte do homem dos sonhos. Suor escorria pela minha pele. Puxei o ar como se fosse uma raridade, o sonho tão real... E estranho. Um peso no meu peito permaneceu lá; como se parte da escuridão tivesse se infiltrado através da pele.
Antes de ir ver que horas eram, o despertador tocou declarando o começo do dia. Primeiro dia de aula.
Me arrastei para fora, e após me arrumar me olhei no espelho: vestia uma blusa de manga comprida preta justa que se moldava no meu corpo junto uma calça cinza de tecido leve e tênis branco, um corpo leve e pequeno de curvas fracas, o cabelo loiro escuro solto em ondas singelas pouco abaixo dos ombros. Suspirei. Saí do quarto, descendo as escadas para o primeiro andar com cuidado para não fazer barulho. Não queria que meu pai acordasse; passou o dia ontem em bares, e quando acordava de ressaca tinha um péssimo humor.
Na cozinha, tomando uma boa xícara de café, escrevi um bilhete:
Estou na escola, as aulas começaram hoje. Volto a tarde. Tem comida na geladeira.
Ele nem deve se lembrar da escola, dei de ombros, ele vai ter que cuidar das coisas quando estiver fora, querendo ou não.
Saí de casa, e mesmo com o dia mal ter começado, ainda sentia as sombras se revirando sob meu peito.
Poucos quarteirões depois, vejo Katheryne me esperando na esquina. Minha melhor amiga... Minha única amiga. Acontece.
Ela tinha um sorriso radiante estampado no rosto de pele amarelada, o cabelo negro preso num rabo de cavalo, os olhos bem redondos e brilhantes. Kath era a felicidade de blusa rosa claro, jaqueta jeans lavada, e calças com pequenos rasgos.
Quando cheguei, ela me deu um forte abraço; a sua altura superando a minha em quase dez centímetros.
— Você podia fingir estar animada — ela sussurrou em tom irônico acusatório.
— Nem caímos na mesma turma esse ano... — resmunguei. — Vou falar com quem?
— Ah, sei lá. — Ela deu de ombros. — Talvez com os outros trinta alunos da sua turma.
Revirei os olhos e ela riu.
— Muito cedo para todo o seu mau humor! Dormiu direto? Você sempre fica péssima quando não dorme, como uma velha.
— Mais ou menos, sonho estranho. Acordei no susto.
— Bom sinal, o dia vai ser ótimo!
Dessa vez quem riu foi eu. Toda vez que eu reclamo de algo ruim que acontece ela leva como um bom presságio, só pra me perturbar.
Quando chegamos na escola, ela se despediu e me desejou boa sorte antes de ir para a própria sala. Algo que não consegui fazer.
Porque aquelas sombras se consolidaram.
Petrificaram o ar.
Porque aquele homem dos olhos de esmeralda estava lá, me encarando mais adiante no corredor, coberto de roupas pretas detalhadas de prata; jaqueta, uma blusa fina, calças e botas
...E de repente o mundo parou. Tropeçou num segundo e se manteve lá, irreal, pessoas congeladas em seus lugares. O pavor tomou conta de mim.
Ele se aproximava, como no sonho, de cabelo preto curto de pequenas mexas sobre o rosto.
Meus olhos começaram a lacrimejar, a garganta ardendo com a ausência de ar. Apoiei meu corpo contra a parede, e mais rapidamente Ele veio, tocando meu ombro por cima da blusa.
As sombras sumiram. O ar reapareceu.
Tosi, minhas mãos tremiam.
— Sinto muito por isso, às vezes acontece. Tentei fazer contato pelo sonho mas algo me bloqueou... — confessou em tom incerto.
— Quem é você? — Minha voz estava rouca, trêmula. Desviei os olhos ao meu redor. — O que é isso...
É um sonho. É um sonho. É. Um. Sonho.
Ele deu um sorrisinho discreto, divertindo-se.
— Essa vai ser a parte complicada. Sou um anjo, a Morte. — Ele suspendeu as sobrancelhas, quando minha expressão ficou incrédula. E suspirou cansado. — Eu senti que você está próxima de morrer, então vou ficar próximo até lá. Caso você morra e eu não esteja aqui sua alma pode se prender a algo ou alguém aqui no plano físico daí gera uma confusão... Eu costumo ter uma conversa um pouco melhor quando isso ocorre, mas estou sem tempo...
É um sonho. Eu vou morrer? Não.
... É um sonho?
Senti um calafrio. Que louco psicopata é ele?
— Não vou fazer nada com você, só te supervisiono até que aconteça.
— Até que eu... Morra?
Era muita loucura, mas as pessoas estavam congeladas, e ele falava com naturalidade que se adquire com experiência. Eu sonhei com ele e ele sabia. E não dá pra saber esse tipo de coisa
— É, ao menos você é uma das rápidas. — Ele se virou. — Voltarei depois.
— Ei! — Gritei, e apontei para as estátuas humanas pela escola. — E eles?
Ele sorriu, divertido, de um jeito lindo que por um momento roubou minha atenção.
— Vai voltar ao normal quando sair, ou achariam que você é louca por estar falando sozinha.
Ele deu poucos passos antes de sua imagem se fragilizar e desaparecer. O tumulto típico dos alunos transitando retornou.
Eu ainda precisei ficar um pouco mais ali, bem ali, digerindo tudo.
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