Capítulo 1


Estava sentindo um leve frio na barriga quando parei em frente a um prédio de estrutura imponente, que fazia eu me sentir retraída apenas de olha-lo. Suas paredes eram revestidas de tijolos vermelhos, e um relógio no centro de sua parte mais alta indicava que era quase meio dia. Nem podia acreditar que iria frequentar a universidade de Tóquio, só de pensar minhas pernas ficavam bambas e meu coração acelerava.

Tinha dedicado meu tempo integralmente aos estudos para que este momento chegasse, finalmente consegui sair da pequena cidade do interior a qual morei a vida toda com minha família, para vir morar na grande Tóquio. Finalmente consegui liberdade, a minha tão sonhada liberdade.

Vim de uma família extremamente tradicional, que com certeza estava esperando a primeira oportunidade para me casar com um homem alguns anos mais velho, de princípios e claro, com muito dinheiro em sua conta bancária. Porém eu não faço muito o tipo de garota que aceita isso calada, estudei o dobro do que eu precisava, juntei dinheiro com trabalhos de meio período e prestei os exames para a universidade de Tóquio, sem que meus pais soubessem. Meu plano era passar pra faculdade e só contar pros meus pais no dia de ir embora.

Foi exatamente o que eu fiz, me senti culpada, depois que vi minha mãe aos prantos nos braços do meu pai, enquanto o trem tomava embalo para arrancar. Se eu me arrependi? Claro que não. Eu não tinha outra escolha, eu jamais vou deixar alguém decidir meu destino. Sou eu a dona da minha própria história.

Tudo bem, mamãe...papai, não espero que vocês me perdoem. Pensei enquanto o trem se afastava da pequena estação.

E agora eu estava aqui, numa grande cidade, sozinha, dando os primeiros passos para meu futuro, numa mistura de excitação e medo. Contornei o canteiro, pelo caminho de pedras, que levava para as escadarias da entrada principal, com as pernas ainda bambas, sentindo um suor descer pela minha nuca.

Apesar de ser abril, ainda estava bastante frio e eu vestia meu sobretudo cor de mel surrado, que usara durante o ensino médio inteiro, uma calça jeans que começara a rasgar entre as minhas cochas devido longo tempo de uso e uma blusa de manga comprida branca, a única peça que não estava tão desgastada e puída. Meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo, algumas mechas se soltavam do elástico, devido ao recente corte de cabelo –cortei-o logo no dia seguinte que saíra de casa, para mim era um significado da minha libertação.

Entrei no prédio me sentindo ainda mais retraída com tal magnitude, respirei fundo, contei até dez e obriguei minhas pernas a trabalharem, um pé na frente do outro. A universidade era gigante, era possível se perder ali com facilidade, mas graças a um pequeno mapa que segurava, consegui me guiar pelos corredores e chegar a uma sala de porta de vidro, com uma plaquinha de metal azul, escrita "secretaria" em branco.

Dei leves batidas na porta de vidro e logo após entrei, a secretária me cumprimentou jogando seu corpo levemente para a frente e eu fiz o mesmo. A secretária era uns centímetros mais alta que eu, creio que devido ao salto alto que estava usando, seus óculos de armação quadrada, combinava com seu rosto pequeno, e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto, bem mais arrumado que o meu.

-Meu nome é Suzuki Eiko, vim fazer a matrícula na faculdade. – Meus pais haviam escolhido esse nome, porque esperavam que eu tivesse uma longa vida, agora, depois do que eu fiz, duvido que pensassem o mesmo.

Entreguei para a secretária as minhas documentações e depois de alguns minutos ela me devolveu um cronograma de horários e uma folha com uma "pequena" lista de livros utilizados no semestre. Como eu ainda não sabia o que eu queria cursar, ainda não tinha me matriculado em um curso específico, e por isso ia cursar matérias de inicio, como história, língua japonesa e outros.

Na minha lista mental, risquei a tarefa "fazer a matrícula na universidade", e agora passava para a próxima tarefa, procurar um lugar para ficar, eu já tinha algumas opções separadas, queria garantir que teria um lugar para ficar logo, o dinheiro que juntei não me sustentaria por muito tempo em um hotel, já que a diária era mais cara em Tóquio. Era melhor eu arranjar um lugar com aluguel dentro do meu orçamento atual e então procurar um emprego de meio período, para assim poder me manter. Era o plano perfeito.

Enquanto comia o onigiri, que comprara na loja de conveniência na volta para o hotel, eu consultava mais uma vez no meu celular, as opções de apartamentos que haviam diante de mim. Separei-os em ordem crescente de preços e descartei alguns que ficavam em bairros de Tóquio que não eram tão amigáveis, deixei aqueles que ficavam nas redondezas da faculdade e algumas opções de "share house" , para o caso das opções anteriores não darem certo.

Uma das opções me chamou a atenção, de acordo com o anuncio era um apartamento relativamente espaçoso, ficava bem próximo da universidade e estava num valor bem abaixo da média. Liguei imediatamente para o número de contato do proprietário informado pelo site e uma voz feminina bem agradável e simpática, aparentemente uma senhorinha de idade, atendeu no terceiro toque, perguntei se o apartamento ainda estava disponível e sim ainda estava, para o meu alivio. Ela me avisou que eu poderia ir olhá-lo naquela tarde. Perfeito! Pensei.

Sem perder tempo, anotei o endereço em um pedaço de papel que estava jogado em cima da escrivaninha do quarto, peguei minha bolsa, jogando meu celular ali dentro de qualquer jeito, peguei meu sobretudo que estava usando antes e por fim bati a porta atrás de mim, enquanto ainda colocava o casaco de forma desajeitada, tentando enfiar a chave na fechadura.

Cheguei ao local correspondente ao endereço que eu havia anotado no papel, era um pequeno prédio de três andares, aparentemente bem aconchegante do tipo familiar, com janelas grandes de vidro, mostrando-se bem iluminado, as paredes de fora eram de um cinza claro recém pintado. Nada mal. Pensei comigo, talvez até meus pais aprovariam aquele lugar.

Olhei o celular, na tela marcava duas e meia, disquei o número da proprietária que ficara gravado nos históricos de chamadas e a avisei da minha chegada. Alguns minutos depois uma senhorinha, muitos centímetros mais baixa que eu, com os cabelos cortados na altura das orelhas e utilizando um óculos meia lua na ponta do nariz, se aproximou de mim de forma amigável. Logo presumi que era a proprietária com quem eu tinha conversado por telefone.

-Olá, sou a pessoa que está interessada no apartamento. – Falei logo após de me curvar, saudando-a respeitosamente.

-Ah, claro, claro. – Ela sorriu gentilmente para mim, fazendo seus olhos se fecharem e as rugas de seus olhos se acentuarem. –Venha, por aqui, querida, vou leva-la até o apartamento vago.

Acompanhei-a até o interior do prédio, que era como o imaginado, bem iluminado e tinha as paredes e o chão claros, por um momento passou pela minha cabeça o quão agradável seria morar ali. Se o interior do apartamento me agradasse tanto quanto o exterior estava, eu assinaria o documento ali mesmo, sem nem pensar duas vezes. Estava precisando de um lugar o mais rápido possível, e parece que ali tinha todos os requisitos que eu precisava.

Fui levada ao segundo andar, onde a senhorinha se posicionou na frente da porta, com o número trinta e cinco pintado em tinta branca nela. Ela retirou um molho de chaves da pequena bolsa que carregava e de forma desajeitada procurou pela chave do apartamento, alguns minutos se passaram com ela fazendo diversas tentativas até achar a chave certa e gira-la na fechadura.

Quando ela me deu passagem para que eu pudesse entrar, pude ver que assim como estava no anuncio, o imóvel era bem espaçoso, o chão era de madeira clara, e as paredes eram brancas, a mini cozinha era separada apenas por uma meia parede da sala de estar e como toda casa japonesa, o banheiro era separado do local de banho, os dois ficavam um de frente para o outro, logo no corredor de entrada. Abri a porta para conferir o banheiro e o local de banho para ver se estavam em bom estado e para minha alegria me deparei com um ofurô.

Eu estava deslumbrada, com tudo naquele apartamento, era aconchegante, os aquecedores funcionavam bem, aparentemente, eu conseguiria ir a pé para a universidade.

Depois de terminar de olhar o apartamento detalhadamente, eu não pensei duas vezes, seria nele que eu iria passar minha vida de universitária, assinaria o contrato o mais rápido possível.

-Então, o que achou? –A simpática senhorinha sorriu mais uma vez para mim esperando a resposta.

-Perfeito, quando podemos assinar o contrato, quero me mudar o mais rápido possível.

-Ah, querida, que tal amanhã? Meu filho que cuida das papeladas, amanhã ele estará no escritório lá embaixo, fale com ele, assine o contrato, faça o pagamento adiantado do primeiro mês e o apartamento é seu.

Concordei levemente com a cabeça, ainda bem que tinha dinheiro guardado, sabia que tinha a possibilidade de pedirem o primeiro mês de aluguel adiantado.

No caminho para o hotel, passei mais uma vez na loja de conveniência para pagar pela minha janta, um copo de ramen, como no hotel não tinha como fazer refeições e meu dinheiro para alimentação não era muito, os únicos alimentos que tinham passado pela minha boca naquela ultima semana, eram os onigiris e copos de ramen daquela mesma loja de conveniência.

Sentada num balcão de frente para a janela da loja de conveniência, esperando o ramen ficar pronto, dei uma olhadela no meu celular, nenhuma mensagem dos meus pais. Eu realmente esperava que eles me ligassem? Suspirei, largando meu celular no balcão e peguei os hashis, separandos, abri um pouco a tampa do ramen e o mexi. Ainda não estava pronto.

Quando olhei para fora da loja, senti um leve arrepio, tive a impressão de ver alguém lá fora me observando. Foi só uma impressão né? Já estava escuro e não pude ver direito, mas aquela sensação gélida e medonha ainda pairava sobre mim.

Comecei a comer meu ramen, apressadamente, ainda não estava totalmente pronto, mas eu não liguei, precisava comer e sair dali rápido. Engoli sem mastigar direito e deixei pelo menos metade do copo cheio. Joguei-o no lixo e sai apressadamente pela porta. Olhei em volta, nada.

Não havia ninguém, nem mesmo uma alma viva na rua, o hotel ficava em um lugar bem remoto de Toquio, era o hotel mais barato das redondezas. Começara a me arrepender de ter escolhido o hotel pelo preço. Sacudi a cabeça, Pare de pensar besteira Eiko, foi só uma impressão sua. Obriguei os meus pés a andarem o caminho até o hotel.

Apressei meus passos entre as vielas pouco iluminadas, eu fizera aquele trajeto todas as noites durante uma semana, no entanto o ar dessa noite parecia estar pesado, mais gelado. Fechei meu sobretudo envolta da cintura, tentando me proteger da lufada de ar que acabara de percorrer por aquela viela. Faltava pouco para eu chegar ao hotel, aumentei o ritmo das minhas passadas, mas um assobio macabro fez todo meu corpo pesar e paralisar. Arrepios passavam por todo meu corpo.

. Percebi que eu não estava andando mais, estava ali parada no meio da rua, os passos estavam se aproximando, a melodia macabra estava ficando mais alta. E agora o que acontece? Eu vou ser morta aqui, nessa viela, cuja as luzes eram tão fracas, algumas piscavam freneticamente.

Apertei os olhos com toda a força a qual conseguia, esperando algo me agarrar, ou algum objeto afiado perfurar minha pele, imaginei todas as terríveis coisas que poderiam me ocorrer naquele momento, mas nada aconteceu. Alguns segundos se passaram até eu perceber que aquela melodia macabra vinda de assobios haviam cessado, quando abri meus olhos, vi uma figura vestida totalmente de preto, com um boné e máscara hospitalar que cobria metade de seu rosto.

Olhos negros, era tudo que eu conseguia distinguir, nada mais naquela figura era identificável além dos olhos. Tive a impressão que ele me analisava da cabeça aos pés, pude perceber que sua cabeça estava inclinada um pouco para o lado, mas logo ele se endireitou e se virou e saiu andando. O que acabou de acontecer? Que merda foi essa? Pensei, enquanto sentia uma dor crescente nos pulmões. Eu estava prendendo a respiração.

Bati a porta do meu quarto e recostei minhas costas na mesma, com as pernas ainda oscilando, escorreguei até me sentar no chão, minha respiração estava acelerada e eu sabia o que aquilo significava, eu estava tendo uma crise de asma. Tateei com as mãos tremulas, os bolsos da minha bolsa para procurar minha bombinha, não estava lá.

Coloquei minha cabeça entre minhas pernas e puxei o ar lentamente, até sentir meus pulmões totalmente cheios, depois o soltei, fiz isso repetidas vezes até sentir que minha respiração estava voltando ao normal e a falta de ar havia passado.

Ok, está tudo bem Eiko. Soltei um breve suspiro enquanto me forçava a levantar, aquilo era tão constrangedor, claramente aquele homem estava me olhando porque eu de repente parei e fechei os olhos, como uma maluca, ele deve ter tirado sarro de mim mentalmente. Mas aquela sensação macabra foi real, muito real, aquele assobio ainda ecoava na minha mente, a sensação de ser seguida e observada ainda estava ali e eu sabia que não era só impressão.

Empurrei aqueles pensamentos para o fundo da minha cabeça e me despi, precisava de um banho, um daqueles bem quentes e relaxantes, precisava deixar a água cair sobre minha cabeça e renovar minhas energias para o dia seguinte, ao qual eu finalmente iria me mudar para minha nova casa e ter meu primeiro dia na faculdade.

O despertador fez questão de me lembrar que era hora de acordar, as aulas iriam começar dali algumas horas e eu precisava ainda arrumar minhas coisas para fazer o "check out" do hotel, não tinha dinheiro para passar nem mais uma noite ali, já que eu já tinha feito o deposito de garantia da minha nova casa. Levantei-me com certa dificuldade, sempre que tinha crise de asma, no dia seguinte sentia que meu corpo pesava centenas de toneladas a mais.

Joguei as peças de roupas, espalhadas pelo quarto, dentro da mala da forma mais desajeita possível, após escovar os dentes, tomar um rápido banho e prender meu cabelo em um rabo de cavalo, juntei todos meus produtos de limpeza dentro da minha nécessaire, e a arremessei dentro da mala, juntamente com o ninho de roupas que havia se formado dentro da mesma. Fechei-a com uma certa dificuldade, mas por fim tinha terminado.

Antes do relógio do meu celular indicar que eram nove horas da manhã, eu tinha acabado de fazer o "check out" no hotel, e me encontrava indo em direção a estação de metrô. Eu realmente estava ansiosa para a mudança, tirando essas semanas que passei no hotel, eu nunca tinha morado sozinha, em um lugar fixo e só meu, eu estava praticamente subindo pelas paredes de tanta felicidade com esta conquista. Antes de embarcar no metrô, enfiei algumas moedas em uma máquina de bebidas e peguei a minha favorita, uma lata de café preto, seria perfeito para me esquentar, pelo menos por um momento. Encostei a latinha por alguns segundos na minha bochecha, sentindo o calor se espalhar pelo meu rosto, era quase como um abraço de mãe aquela sensação.

Após jogar minha latinha vazia no lixo, me apressei em direção ao vagão do metrô que já havia aberto suas portas e começara a encher, por sorte consegui pegar um pequeno espaço vazio no banco, ao qual me aconcheguei recostando minha cabeça no metal atrás de mim, como seria uma viagem de vinte minutos, aproveitaria esse tempo para descansar um pouco mais.

Quando finalmente cheguei em frente a porta do meu novo lar, tirei do bolso um pequeno chaveiro de madeira redondo, que a proprietária tinha me dado, nele havia gravado o número trinta e cinco. Pus a chave na fechadura e estranhamente senti um bloqueio, como se já houvesse outra chave do outro lado, franzi a testa, isso não era possível já que eu era a única que tinha a cópia, pelo menos era o que eu achava. Apenas por via das dúvidas tentei girar a maçaneta e para minha surpresa a porta estava destrancada.

Enfiei a cabeça para dentro do apartamento me deparando com um par de olhos negros que me encaravam com uma mistura de descrença e curiosidade. O desconhecido a minha frente levantou uma de suas sobrancelhas, aparentemente irritado, a pergunta estava implícita. "Quem é você?"


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Olá pessoal,  estou me empenhando bastante nessa nova história, eu espero que vocês aproveitem deixem seus comentários e não esqueçam de votar para me apoiar!! 

Beijinhos, agradeço desde já!!

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