2: !Nunca Mais!
~2120 palavras
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[15/11/2022- Sábado]
"Chegamos." Noah estacionou o Masarati preto na garagem enorme da mansão do Valac. Embora seja somente um segurança, Valac confiava nele o bastante para lhe dar as chaves dum dos seus carros de luxo.
Pelo menos era isso que o Noah pensava.
Na verdade, o Valac não se importava muito, naquele momento, com o carro e quem o conduzia, pois estava mais concentrado na criança que estava a dormir com a cabeça em cima das suas pernas.
Noah saiu do carro em primeiro lugar, abrindo apressadamente a porta de trás- onde o seu Chefe estava-. Em silêncio, Valac pega o pequeno Kuma no colo e encosta a cabeça no seu ombro. O Valac derretia-se por completo ao ver aquele tufo de caracóis negros perto do seu ombro, o rosto dorminhoco encostado ao seu pescoço- o nariz estava gelado- e as mãos presas ao casaco de inverno cinzento. Ele brincava com o pelo sintético branco do capucho do casaco, entretido demais para entender o que aquelas vozes graves dos homens falavam.
"Noah, quero todos os empregados da mansão na minha casa, às dez em ponto. Não admito atrasos." Noah não teve a oportunidade de dizer a sua típica e frase cliché, pois logo foi interrompido. "É uma reunião urgente."
"Sim, senhor Daemonium."
Faltavam menos de duas horas para essa reunião repentina, todos tinham tempo suficiente para se bem apresentar ao seu chefe, sem atrasos, sem desculpas. Era uma ordem direta; não havia nada a fazer (jamais haveria, fosse uma ordem direta ou não).
Noah entrou apressado no seu carro pessoal- Mercedez- e sair a uma velocidade absurda da garagem. Embora tivesse tempo mais que suficiente, ele gostava de ter tudo pronto mais cedo.
Valac subiu pelo elevador, entretanto. Às nove da noite, a mansão do Valac já era silenciosa. Maior parte dos empregados já estavam nas suas casas, com a família, a jantar o seu primeiro jantar da noite. Apenas ficava em casa o Valac, a sua companheira de crime, Camoren— isto se ela não saísse à noite e dormisse com as suas inúmeras amantes—, o mordomo chefe, Alois, e o cozinheiro Soren.
A pedido do chefe, os empregados deixaram a casa limpa e arrumada, limparam um dos quartos de hospedes e transformaram-no para um lugar alegre e construído especialmente para aquela criança. Valac, porém, tinha noção do nível de decoração de todos os seus empregados e não acreditava que o quarto estava decorado da melhor maneira.
O elevador parou no primeiro andar, o andar dos quartos e do escritório privado do Valac, onde apenas os restritos podiam entrar, ou seja, ninguém. O escritório era fechado por uma porta negra cuja podia ser apenas aberta com o registo de retina. Valac pensou em entrar, mas achou desnecessário, afinal, embora o Kuma parecesse leve, ele pesava imenso, e o seu braço já lhe doía pelo esforço.
"Senhor Daemonium?" Era a voz rouca, velha e já cansada de Alois. Ele já tinha mais de oitenta anos, mas ele não se deixava ganhar pela idade, continuava um homem resistente psicológica e fisicamente.
"É Daemonium, Alois."
"Eu preparei um banho quente para o novo membro."
Aquilo tirou um sorriso no rosto ao Valac. "Tu nunca erras uma."
"A Camoren foi agora comprar o resto das roupas e um pijama."
E aquilo tinha tirado o sorriso. Conhecendo muito bem a sua irmãzinha mais nova, sabia que ela era um perigo nas estradas. Não que ela não soubesse conduzir, pois ela já conduzia desde os seus dezasseis anos, porém ela não tinha respeito nenhum pelas autoridades e nem pelo código. E o Valac estava farto de receber multas em casa.
"E o Soren está a preparar o jantar."
Meu Sol...
Valac tentou engolir aqueles dois tiros. Apenas tinha confiança no Alois, no que toca a deveres de casa. Soren era doido, no sentido literal, a fazer comida em grande escala. Estragou vários equipamentos caríssimos que o seu chefe lhe comprou, porque ele presava tudo o que era natural. Contudo, a comida ficava saborosa, mesmo assim. Soren adorava ficar apenas com a companhia da música e do silêncio. Odiava poluição sonora. No seu primeiro dia de trabalho pediu para que ninguém entrasse na cozinha enquanto ele trabalhava. E a partir desse dia, nem o mordomo chefe pôde entrar na cozinha.
Kuma mexeu-se no ombro do Valac. Pareceu que ele tinha ganho consciência acerca do lugar onde estava: uma casa desconhecida. Os seus instintos exaltaram-se e ele começou a espernear-se nos braços que o seguravam. Ele queria ir para o chão, explorar a casa, marcar território, fazer daquele lugar seu, para que se sinta seguro.
Todavia, ao contrário das suas vontades, Valac não queria que nada que o Kuma deixasse aquele cheiro hospitalar na sua casa. Na roupa? Tudo bem, podia lavá-la ou até mesmo queimá-la, mais aquele chão tinha de continuar puro.
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Kuma não se deixava vencer. Mesmo que ele já esteja despido, ele tinha medo de entrar dentro da banheira dentro de água quente com espuma. Valac estava a ficar sem paciência, mas não queria gritar com o Kuma, ainda não.
"Meu Sol, Kuma é só água!" Kuma quase rasgava o tecido que tapavam as costas do Valac com as suas unhas, tentando-se agarrar o máximo possível para que o Valac não o consiga tirar de jeito nenhum.
Mas ele estava completamente errado.
Valac irritou-se e, por segundos, os seus instintos maquiavélicos domaram os seus atos, segundos bastantes para que ele pudesse usar um pouco da sua força sobrenatural e enfiá-lo na água quente.
Kuma, por muito tempo não tinha sentido água quente sobre o seu corpo. Um arrepio subiu pela sua espinha, um arrepio bom e quente. Ele já não sabia o porquê de ter tido tanto pavor por aquilo, era tão bom! A agua dava-lhe pela metade do peito dele, a espuma tapava toda a sua nudez, embora o Kuma não se importasse com isso.
Valac respirou fundo por finalmente ter sido capaz de meter aquele demoniozinho na banheira. Agora, os dois estavam calmos, ternos, curiosos com aquilo que viam à sua volta: Kuma com a água e o Valac com a reação do pequeno.
Devagar, o mais velho pegou no chuveiro de metal e abriu a água morna com pouca corrente e aproximou- mais devagar ainda- aos ombros do Kuma. Ele não se assustou, pelo contrário, achou divertida aquela fonte de calor sobre os seus ombros.
"Fecha os olhos e inclina a cabeça para trás."
E o Kuma assim o fez.
Os seus cabelos negros encaracolados, logo ficam mais compridos. Na verdade, molhados ou não, o cabelo era comprido- batia-lhe pelos ombros-, cheio de nós e ninhos; parece que não foram penteados nem cortados há meses.
Valac estava a gostar daquele momento, de ver a pequena criança completamente relaxada com os carinhos que ele fazia no cabelo, enquanto esfregava com força a espuma que se autocriava com fricção. O cheiro de mel do shampoo logo inundou o compartimento e o creme de desembaraçar de eucalipto logo veio atrás.
Logo depois veio o gel de banho hidratante. Valac teve cuidado com as feridas já encrostadas. Não optou pela esponja do banho, pois podia tirar as crostas com a fricção, então, com a palma da mão e um pouco de cuidado esfregou o menino por completo.
Sempre manteve o contacto visual com aqueles olhos peculiares, mesmo quando esfregava as costas. Kuma ainda ficava hipnotizado com aquele olhar magnético e vivido. As suas mãozinhas pequenas, sujas de espuma foram em direção ao rosto do Valac, molhando-o com o a água quente. O menor sorria ao sentir as mãos fortes nas suas costas, estava completamente enfeitiçado pelo homem na sua frente, entregue apenas pelo toque e pelo olhar.
As suas pupilas cruzaram-se. Foi nato, sem antecedentes, simplesmente inesperado. Pôde apenas durar alguns segundos- ou menos-, mas aquela visão assustou Valac. As íris dos dois brilhavam a mesma cor, um laranja torrado. Nunca o Valac tinha visto alguém que lhe conseguisse retirar aquela cor dos seus olhos.
Kuma era um ser peculiar mesmo.
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Valac entrou pela porta negra da sala. Todo o compartimento, cheio por mais do que vinte pessoas, ficou em completo silêncio com a sua chegada. Ele tinha tomado banho, os seus cabelos encaracolados estavam molhados e puxados para trás, o olhar continuava o mesmo: de meter medo. Ele vestia as suas calças sociais negras de cintura subida, uma camisa do mesmo tom, fechada até ao último botão, e por cima vestia um colete, também fechado nos seus únicos seis botões, preto com adornos em forma de ondas brancos.
Mesmo que já sejam quase onze da noite, que ele esteja deserto para sentir os lençóis de lã sobre as suas pernas despidas, arrependido a cem porcento de ter convocado todos os seus empregados naquela noite para uma reunião sobre um assunto que podia ser tratado no dia seguinte, ele suspirou, bravo e irritado sobre a sua decisão, e sorriu.
"Boa noite."
Sentou-se.
Toda a alma sã presente naquela sala temia o que aquele homem tinha para dizer, aliás, temiam mais o homem do que o próprio assunto. Todos menos a Camoren; ela já sabia o que se ia falar e além do mais, o Valac já lhe metia mais aquele medo que os medias todos falam.
Soren, sozinho, carregou todos os vinte e poucos jantares até à mesa comprida de reuniões. Até mesmo ele iria se sentar à mesma, mesmo que esteja enjoado de tanto respirar e sentir o sabor das comidas.
"Queria vos informar que temos mais um membro nesta casa."
"Outro empregado?" Uma das empregadas encarregues do jardim interrompeu-o.
"Não."
Mais ninguém falou.
"É uma criança de quatro anos." Ele não sabia se podia simplesmente dizer as origens do Kuma, mas ele também não ligava muito para o que iam pensar sobre a decisão dele. "Encontrei-o na floresta graças à minha irmã, Camoren."
Não durou muito para que os sussurros começassem. "Quem era o Kuma? Uma criança?" Alguns até pensaram que o Valac tinha enlouquecido mais ainda, mas ele continuava perfeitamente saudável.
"Senhor Alois?" Valac gritou em direção à porta. "Traga-me o Kuma."
E mais uma vez, a sala ficou em completo silêncio, quando Alois abre a mesma porta por onde o Valac passou. Agarrado as pregas das calças deles, sai aquela criança, agora mais normalizada para um evento social como aqueles.
Camoren, em obrigação do Valac, cortou o cabelo do Kuma, deixando-o curto, encaracolado e mais bonito ao olhar do povo. Claro que, para Valac, esteja cortado ou não, o cabelo do Kuma continuaria sempre belo. Ele estava apaixonado pela criança. Kuma estava de pijama, ainda sem noção de quem eram aquelas pessoas, com um certo medo e falta de segurança.
Não demorou muito para que ele saltasse para cima do colo do Valac sem autorização.
"Este é o Kuma. Irei ficar com ele de agora em diante." Dizia com dificuldade, pois tentava sentar a criança nas suas pernas e tirar as suas unhas- unhas não, garras! - de cima dos seus ombros. "Tudo o que eu vos peço é que não o desrespeitem, que não façam nada que não quisessem que fizessem aos vossos filhos." De novo, Valac usa aquele mesmo temperamento vocal.
Embora todos naquela mesa estejam a trabalhar na mansão do Valac há anos, no mínimo, ainda nenhum tinha perdido aquela ansiedade momentânea provocada pelo timbre.
Não houve resposta. "Entendido?!"
"Sim, senhor." Disseram em coro.
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[16/11/2022- Domingo]
A espera não foi grande para que o Valac literalmente expulsasse os seus empregados da sua casa, ficando apenas os essenciais- Camoren, Alois, Soren e Noah-. Camoren tratava durante a noite- isto se ficassem em casa- na companhia do Noah, da segurança geral da casa. Alois comandava, enquanto Valac não estava presente ou a descansar, das ordens e o Soren...o Soren simplesmente existia, pesquisando dia e noite novas receitas, quer sejam estas para pratos luxuosos, ou para anestésicos e venenos naturais.
O senhor Daemonium fazia agora carinho nos couros cabeludos do Kuma, que não se deixava ser vencido pelo sono. Ele queria continuar a olhar para aqueles olhos estupidamente alaranjados e brilhantes- até mesmo com pouca luz-. Ele tinha medo, mesmo que não demonstrasse, de que se fechasse os olhos e dormisse, o Valac já não estaria mais ali e que mais uma vez estivesse sozinho.
Porém, aquele pesadelo era uma completa farsa porque, em segredo, Valac tinha se prometido de nunca mais na sua longa vida ele abandonaria uma criança.
~~Cappuccino~~
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