5 - cigarette daydreams
Engraçado como parece que foi ontem
Pelo o que eu me lembro você parecia deslocada
Apanhou suas coisas e foi embora
Sem perder tempo te segui pelo corredor
Devaneios de cigarro
Você tinha apenas dezessete anos
Tão doce, com uma tendência maliciosa
Quase me deixou de joelhos
Cage the Elephant – Cigarette Daydreams
– △ –
Lis e Henri andavam pelas ruas levemente movimentadas de Winter Hills com as mãos entrelaçadas e compartilhando o fone conectado no celular do garoto, onde tocava alguma música de uma banda indie aleatória que Lis pensou poder ser Passion Pit.
Era verão, o dia estava bonito e era a única época do ano em que aquela cidade ficava um pouco mais animada e viva. Lis sorriu sentindo a luz do sol esquentar seu rosto e se voltou para Henri que murmurava baixinho a letra da música.
– O que foi? – Ele perguntou ao reparar que a menina o encarava.
– Nada, eu só... Eu senti falta disso, e é bom que você esteja aqui de novo.
Continuaram o caminho até a casa de Lis, que agora era um sobradinho amarelo com um jardim de roseiras na frente, nem um pouco parecido com uma casa assombrada para o alívio de todos os envolvidos.
A menina abriu a porta e puxou Henri pela mão, pronta para levá-lo até o quarto quando sua visão periférica captou alguém sentado no sofá da sala.
– Lis? – Chamou parecendo confuso e ela e Henri se viraram para ver o garoto loiro e alto, com aparelho prata nos dentes e óculos de grau redondos sobre seus olhos azuis encarando os dois sem entender o que estava acontecendo ali. – Desculpe, sua mãe disse que eu podia entrar.
– Ai, Matt... Caramba, e-eu... – ela gaguejou prestes a entrar em pânico assim como o garoto ao seu lado que empalideceu, sentindo seu corpo congelar.
– Matt? – Henri repetiu como uma pergunta e o outro deu um sorriso nervoso e acenou para ele.
– Você não foi ontem, o que aconteceu? Que roupas são essas? E quem é esse? – Matt perguntou e Lis meneou a cabeça, desejando que um buraco abrisse no chão e a engolisse.
– Matt isso é... São muitas perguntas de uma vez só, mas me desculpe por ontem, e-eu não queria... Bom, esse é... – ela engoliu em seco e encolheu os ombros, ciente sobre a explosão que estava por vir. – Matt esse é o Henri, Henri esse é o Matt, meu...
– Namorado – o loiro completou ao perceber que Lis parecia engasgada com as próprias palavras.
– É, eu... Lis falou muito de você – Henri respondeu sem jeito, sentia seu rosto queimar e suas mãos suarem.
– Pois é, ela me falou muito de você também – Matt retrucou, o sorriso nervoso em seu rosto já não existia mais.
Um silêncio perturbador se seguiu enquanto os três se encaravam sem saber o que dizer ou o que fazer, até que Violet surgiu da cozinha com um sorriso e uma xícara na mão.
– Prontinho, trouxe o seu café – a mulher disse entregando a xícara para Matt e só então parecendo se dar conta do que estava acontecendo ali. – Oi, filha. E Henri. Querem café, também?
– Ah, claro mãe, porque essa situação não tinha como ficar mais bizarra – Lis respondeu revirando os olhos e Matt bufou com indignação.
– Acha que isso está bizarro pra você? Tem noção de como eu estou me sentindo aqui?
– Sim Matt, eu tento ter um pouco de noção às vezes, por incrível que pareça.
– Por que a gente não se acalma um pouco e...? – Henri propôs tentando apaziguar a situação mas Matt o interrompeu.
– Não, você cala a boca! Você...
– Calem a boca os dois! – Lis gritou e grunhiu, passando as unhas pelo pescoço e querendo muito socar alguma coisa. – Chega! Eu achei que eu ia conseguir lidar com isso, até achei que eu estava feliz por um momento, mas é demais pra mim. Sinto muito, muito mesmo, mas chega, eu preciso que vocês vão embora.
– O quê?! – Os dois garotos guincharam em uníssono e Lis bateu o pé no chão, o dedo indicador apontado em direção à porta.
– Vai! Vocês podem voltar quando... Quando eu não quiser mais me matar, é isso – ela concluiu e subiu as escadas batendo os pés no chão e xingando.
Uma porta bateu no andar de cima e logo começou o som de coisas sendo arremessadas contra a parede e uma série de xingamentos.
– Eu vou falar com ela – Violet disse lançando um olhar de desculpas para os dois que saíram e se sentaram no degrau da varanda, um ao lado do outro.
Matt pegou uma pedrinha no chão e atirou na rua, suspirando enquanto tentava não pirar. Tirou os óculos e estalou os dedos, não levantou o olhar nem mesmo uma vez. Sentia seu rosto queimar de raiva mas ainda assim era como se sua mente se recusasse a processar e entender aquela situação, rezando para que de alguma forma tudo não passasse de um grande mal entendido.
– Que merda – ele resmungou antes de se voltar à Henri. – Vocês estavam juntos ontem, né?
O garoto não respondeu, sentiu seu corpo gelar e o ar lhe faltou antes mesmo de pensar em algo para dizer.
– Esquece, acho que eu não quero saber, na verdade.
– Desculpe, sei que deve ser uma merda pra você agora mas eu... Eu não sabia, ela só me falou hoje sobre você e... Vou entender se você quiser muito me bater.
– Não, e não a culpo também – Matt disse e Henri pareceu surpreso com a resposta. – Eu tô puto, é claro. Puto, e triste e sentindo um monte de coisas que eu nem sei descrever, mas a Lis sempre falou sobre você desde que nos conhecemos, e de alguma forma eu sempre soube que o que ela sentia pelo tal de Henri nunca seria igual ao que ela sente por mim. Eu fui um imbecil mesmo.
– Se eu não tivesse voltado isso não teria acontecido.
– Se você não tivesse voltado ela ainda estaria mal e sentindo sua falta – Matt admitiu mesmo que doesse em sua alma dizer aquilo e Henri deu uma risada fraca. – Mesmo que já faça dois anos acho que ela nunca conseguiu superar de verdade, você mexeu mesmo com ela, né? De qualquer forma, só faça isso valer a pena então.
– Você é bem legal, é uma boa pessoa... É uma pessoa melhor que eu, e mais bonito também, com certeza tratou ela melhor e a fez mais feliz do que eu vou poder um dia, eu que sou um idiota, eu...
– Nossa, cara, você sempre surta assim? Acho que vocês dois têm muito mais em comum do que parece – Matt interrompeu e Henri parou, assentindo e respirando fundo.
Quis rir de si mesmo. Sempre acalmara Lis quando ela tinha seus ataques de ansiedade e agora ele quem estava ali, hiperventilando e dizendo coisas sem muito sentido, sentindo-se fraco e trêmulo.
– Então ela... A Lis sempre teve um negócio com pessoas que usam óculos? – Matt perguntou rindo em uma tentativa de aliviar o clima pesado e evitar pensar em coisas que o deixariam extremamente irritado e Henri meneou a cabeça.
– Com nerds eu acho. Ela é esquisita.
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– Eu sou uma idiota, eu me odeio, e odeio mais ainda aqueles dois, eu quero sumir e... E... E tacar uma pedra na cabeça deles – Lis dizia quase gritando deitada no colo da mãe enquanto a mesma passava os dedos sobre os cabelos da filha numa tentativa de acalmá-la.
O rosto da menina já estava vermelho e inchado de tanto que chorava, seus olhos e nariz ardiam e não paravam de escorrer lágrimas.
– Por que está com tanta raiva deles? – Violet perguntou e Lis deixou escapar um soluço antes de responder.
– Eu não sei mãe, acho que porque os dois são bons demais comigo e é injusto que eu precise me sentir assim sabendo que de uma forma ou de outra vou acabar magoando um deles ou até mesmo os dois, e eles não merecem isso. Eu não mereço nenhum dos dois.
– Você não pode se culpar e nem culpá-los por isso, pessoas magoam pessoas o tempo todo e nem sempre isso significa que você é uma pessoa ruim, nunca foi sua intenção e isso vai passar, eles vão ter dores maiores na vida, infelizmente.
Lis se levantou e assentiu, limpando as bochechas molhadas e tirando os fios de cabelo que haviam colado em seu rosto. Fungou algumas vezes antes de se levantar e olhar pela janela.
– São dois idiotas – murmurou vendo que Matt e Henri ainda estavam sentados em frente à casa.
– Pelo menos não se bateram – Violet disse e Lis riu fracamente, se voltando à mãe.
– Eles não fariam isso, Matt pode estar irritado o quanto for mas é tão anjinho quanto o Henri – ela respondeu com uma leve pontada de alívio e respirou fundo, ainda sentindo seu nariz escorrer. – Acho que vou lavar o rosto, colocar umas roupas que sejam minhas de preferência, e... Ir lá falar com eles, tentar resolver isso.
A mulher assentiu com um sorriso, satisfeita por ter criado uma pessoa tão forte como Lis. Claro que ela ainda tinha suas crises e problemas e geralmente não lidava muito bem com situações ruins, mas ninguém era perfeito.
Ela se levantou e deu um abraço apertado na filha, beijando seu rosto.
– Vai dar tudo certo meu amor, não se esqueça que eu te amo e, se alguma coisa acontecer, eu e o Eliel vamos sempre estar dispostos a ficar do seu lado comendo pizza e xingando todos os homens do mundo.
– Eu também amo muito vocês dois – Lis disse rindo e assim que sua mãe saiu do quarto se virou para o guarda-roupas e abriu as portas, observando suas roupas emboladas umas nas outras e completamente desorganizadas.
Xingou a si mesma por ser tão bagunceira e vasculhou no meio do monte de tecidos por algo confortável e não brega. Só achava listras, coisas laranja e camisetas de anime que já haviam começado a desbotar – ela definitivamente precisava de roupas novas.
Jogou sobre a cama um short jeans e uma camiseta branca e foi até o banheiro lavar o rosto e ajeitar os cabelos. Assim que entrou se deparou com um Eliel sentado na privada jogando algo no celular e se apressou em sair e fechar a porta novamente.
– Meu Deus do céu, que nojo! A porta tem tranca e é pra ser usada, seu sem noção – gritou e ouviu seu irmão xingá-la de dentro do cômodo.
Ainda resmungando, voltou para o quarto e decidiu que era melhor se trocar primeiro. Vestiu suas próprias roupas e dobrou as de Henri, guardando-as em uma gaveta na cômoda, ela não iria devolver aquilo tão cedo.
Calçou seu all-star laranja e voltou ao banheiro já desocupado. Passou a escova nos cabelos curtos e lavou o rosto na pia, em seguida passando apenas um batom coral nos lábios para parecer menos desmotivada e deprimida.
Ok Marliss, tá na hora de consertar essa merda que você fez, pensou e saiu.
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– É, mas é uma merda que o segundo jogo da saga vá sair só daqui três anos – Lis ouviu Matt comentar assim que abriu a porta de entrada e franziu as sobrancelhas. Eles realmente estavam falando sobre jogos depois de uma confusão feia daquelas?
Os dois se voltaram para ela e a garota sentiu que poderia infartar. Ambos eram lindos e fofos e inteligentes e mais um monte de coisas que ela nem conseguiria listar no momento, e ali estava ela, apaixonada pelos dois – talvez mais por um do que por outro, mas ainda assim nem Henri e nem Matt escapavam de sua loucura.
Ela secou as palmas de suas mãos suadas nos shorts e cruzou os braços, abaixando os olhos para o chão pois sabia que não estava em condições de olhar nos olhos de ninguém ali, iria acabar desmaiando.
– Então, desculpa – ela disse soltando o ar e mais uma vez tomando fôlego antes de continuar. – Eu fui uma filha da puta com os dois, ninguém aqui é exceção. Matt, me desculpa por ter te deixado sozinho ontem e... Todo o resto que você já deve saber, você não merecia nada disso, só eu sei o quanto você me ajudou e ficou ao meu lado nesses dois anos, você é um anjo e eu ainda gosto muito de você, mas eu não posso mais ser sua namorada.
Matt apenas assentiu, de certa forma já sabia que aquela conversa uma hora ou outra tomaria aquele rumo. Lis não era sua, nunca fora, eram melhores amigos e nunca deveria ter passado disso, desde sempre ele soube, de alguma forma, que aquele relacionamento só tinha sido construído para acabar logo em seguida.
– E Henri, me desculpa por não ter sido totalmente honesta com você sobre eu ter um namorado, eu perdi a noção das coisas porque... Que merda, porque eu sentia sua falta e você chegou do nada, eu mal tive tempo de raciocinar sobre o que estava acontecendo, a única coisa que eu conseguia pensar era que a pessoa por quem eu era apaixonada estava ali, na minha frente, depois de dois anos sem ao menos dar um sinal de vida – ela disse e engoliu o choro que queria voltar de qualquer forma e acabar de vez com o que restava de sua dignidade. – E eu não devia ter te culpado por coisas que eu ao menos entendia, não devia ter gritado com você sendo que tudo o que você fez desde que voltou foi tentar me acalmar. Você também é um anjo e merece coisa melhor, eu também não posso mais ficar com você.
– Como assim? – Henri e Matt perguntaram em uníssono quase que em pânico e Lis respirou fundo antes de encarar os dois garotos à sua frente.
– É, eu pensei e decidi que não quero mais ter nada com nenhum de vocês no sentido romântico – ela concluiu e suspirou. – Na verdade eu quero, mas não dá, isso não vai funcionar, alguém vai acabar machucado porque eu gosto muito dos dois e enfim, vocês me entenderam, por favor não me façam surtar de novo.
– Então é isso? – Matt disse com indignação e Lis voltou um olhar confuso para o rapaz mais alto. – Eu só... É difícil de acreditar que você causou toda essa coisa pra depois decidir sozinha durante um surto de cinco minutos que o melhor é só nos descartar como se não fôssemos nada.
– É Lis, você não pode e não deveria terminar as coisas entre vocês assim, até porque fui eu que cheguei do nada e estraguei tudo...
– Você não estragou nada – ela e Matt disseram ao mesmo tempo e Lis suspirou, se tudo continuasse daquela forma ela com certeza teria outro surto de cinco minutos em breve.
– Tudo bem, isso tá ficando cada vez mais estranho, quanto mais eu tento arrumar mais isso fica esquisito, que situação... Bizarra. Eu definitivamente não queria e não esperava que as coisas tomassem esse rumo – ela confessou e murmurou em seguida: – Será que estou vivendo num universo paralelo do absurdo?
– Que? – Henri perguntou mas Lis apenas negou.
– Pela segunda vez eu estava errada em pensar que estava pronta para resolver isso, acho que preciso beber ou vou entrar em pânico ou desmaiar ou talvez os dois ou talvez um depois o outro, não importa.
– Você bebeu o suficiente ontem, e acho que já está em pânico, respira um pouco – Henri retrucou e ela resmungou.
Mesmo com toda aquela merda acontecendo Henri ainda tentava cuidar dela como se fosse feita de vidro e pudesse quebrar por qualquer descuido, por menor que este fosse.
– Vai ter uma festa na casa da Hanna mais tarde – Matt comentou. – E eu também tô precisando encher a cara porque não sei até quando vou conseguir continuar fingindo que eu tô sabendo lidar com isso.
Lis assentiu e se voltou para os garotos com um sorriso nervoso estampado em seu rosto. Tinha um pressentimento ruim sobre aquilo, mas ainda assim tudo o que fez foi concordar.
Afinal, a merda maior já estava feita, o que mais poderia piorar?
– Então é isso, vamos todos juntos né, a pior porcaria que eu poderia ter feito eu já fiz mesmo.
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