13 - hey brother

Ei, irmão
Há uma estrada infinita para redescobrir
Ei, irmã
Saiba que o amor é doce, mas o laço familiar é mais forte
Oh, se o céu estivesse desmoronando, por você
Não haveria nada neste mundo que eu não fizesse

Avicii – Hey Brother

– △ –

Lis estava deitada em sua cama olhando o céu escuro pela janela quando a chuva começou a cair, pingando sobre o vidro e embaçando sua visão do lado de fora, mas apesar disto e de toda a barulheira pelos pingos agressivos caindo sobre o telhado, ela mal se moveu, mal notou a tempestade que chegava, ocupada demais em lidar com a sua própria.

O que sentia era um mix de sentimentos contrários que não combinavam em nada. Sentia seu peito apertado na mesma medida que se sentia leve, como se finalmente tivesse feito o que já deveria ter feito há muito tempo, queria chorar porque já sentia falta de Matt - e de Henri - antecipadamente pelos dias que viriam, mas enfim sentia paz por não ter mais que se preocupar com nenhum dos dois ou a situação em que estavam - mesmo porque, agora, tal situação já não existia mais graças a ela.

Queria fumar, beber, ou qualquer outra coisa que levasse sua mente para longe, que a fizesse parar de sentir. Dormir parecia a melhor e mais fácil das opções, mas não conseguia já fazia uns dias, o que havia deixado suas olheiras ainda mais fundas e escuras que o de costume.

Considerou voltar ao psiquiatra. Não ia há uns meses, tinha recebido algo como uma alta temporária - segundo o médico, ela estava bem, mas ainda precisava ficar sob observação e cuidados constantes de sua mãe, mas agora a própria Lis duvidava disso de "estar bem".

Desde que conhecera Matt, Hanna e Kate, havia melhorado consideravelmente. As crises, os ataques de pânico e as sessões escondidas de choro no banheiro da escola ou mesmo no de casa foram cessando lentamente, até que pararam de vez algum dia sem que Lis notasse.

E agora, por causa de um garoto idiota - dois deles, talvez - que lhe causava sentimentos ainda mais idiotas, tudo aquilo havia voltado e com isso ela também voltou a se sentir uma fraca imbecil demais para realmente melhorar de vez futuramente.

Se coisas e situações praticamente irrelevantes e bestas como aquela já conseguiam puxá-la para o fundo do poço novamente, imagina só se um dia uma coisa grave de verdade acontecesse? Se sua mãe ou seu irmão morressem, como ela ficaria?

Lis não gostava nem de pensar nisso, só a ideia de ficar sozinha sem sua família lhe causava calafrios, então se levantou e, na primeira gaveta de sua cômoda, juntou um punhado de cartas espalhadas e bagunçadas de UNO, organizando e juntando-as em sua mão enquanto descia as escadas até a sala.

Eliel estava deitado no sofá fazendo alguma coisa em seu celular com a música no volume máximo em seus fones de ouvido, algum filme passava na televisão que havia sido esquecida ligada. Lis se sentou no braço do sofá e cutucou os pés descalços do caçula, fazendo-o desviar a atenção do que estava fazendo para focar os olhos verdes entediados na irmã.

O menino tirou os fones e se sentou, deixando o celular de lado quando Lis lhe mostrou o baralho num chamado silencioso para jogar.

Às vezes ela ainda se sentia estranha quando tentava se reaproximar de Eliel, como se ele ainda precisasse de mais tempo e espaço e ela estivesse tirando isso dele com suas diversas tentativas de interagir e, talvez, fazer com que voltassem a ser como eram antes. Ela não queria ser chata, não queria pressioná-lo ou apressar as coisas, sabia mais que ninguém o quanto era um processo difícil e lento de recuperação, mas sentia falta de seu irmão - sentia falta de seu melhor amigo.

– Não vai sair hoje? – Ele perguntou observando Lis distribuir e dividir as cartas num gesto automático.

– Não tem muitos lugares pra sair e me divertir por aí quando o mundo tá desabando em chuva lá fora - ela respondeu com um sorriso cansado. – E faz tempo que eu não ganho de você no UNO.

– É, até porque você quase nunca ganhava – ele zombou e a mais velha lhe mostrou o dedo do meio num gesto rápido assim que terminou de dar as cartas. – E então, o que aconteceu?

– O que aconteceu o que? – Questionou sem entender o real sentido da pergunta de Eliel enquanto analisava seu baralho bicolor com apenas cartas vermelhas e verdes e um bloqueio azul solitário. – Que jogo de merda.

– Você sempre embaralha igual sua cara, agora lide com isso – Eliel riu e fez a primeira jogada. – E quis dizer o que aconteceu com vocês? Você e o Matt, no caso. E o Henri também, acho.

Lis respirou fundo e com os dedos trêmulos jogou um dois vermelho. Não surte, não surte, não surte.

– Eu e o Matt... Acho que não somos mais um casal agora, talvez a gente nunca tenha sido na verdade, é complicado.

– Ele é legal e sempre te fez feliz...

– Eu sei. – Lis o cortou antes que aquela conversa começasse a fazê-la se sentir ainda mais culpada. – Mas às vezes só ser legal e fazer as pessoas felizes não é o bastante, principalmente se você é um indeciso do caralho que vive bagunçando a cabeça dos outros.

– Eita... Eu... Eu não queria te deixar brava nem nada, desculpa – o caçula tentou reverter a situação vendo que faltava pouco para Lis se irritar ao ponto de querer quebrar a casa inteira como já havia acontecido tantas outras vezes.

– Não, eu que peço desculpas, ando muito estressada esses dias, com mil e uma coisas na cabeça. E o indeciso da história nem é ele, eu que fiz merda na verdade, mas sei lá eu já tô tão mal com tudo que parece mil vezes mais fácil culpar outra pessoa por toda essa porcaria, foi meio que... Um gesto automático de defesa, eu acho – Lis admitiu e Eliel sorriu fracamente.

Ele sabia exatamente do que a irmã estava falando. Fora exatamente o que acontecera quando, logo depois do acidente com a casa, ele se fechara para o mundo. Não havia sido proposital, ele não queria realmente se afastar de sua família e de todos que se importavam com ele, mas estava com tanto medo e confuso que aquela foi uma solução automática e quase que natural que seu subconsciente encontrou para privá-lo e afastá-lo de qualquer coisa ou situação que pudesse ser minimamente perigosa.

– Então... Você ainda gosta do Henri? – Ele perguntou e Lis demorou um pouco antes de responder, pensando no assunto.

– Eu achei que gostava, sabe? Mas eu não sei mais. Acho que eu ainda estava muito presa ao que a gente era no passado, não me ocorreu que agora as coisas pudessem ser diferentes – ela confessou finalmente, afinal, aquilo era algo sobre o qual ela não tinha conversado nem consigo mesma, mas com Eliel era diferente. Ela se sentia tranquila para desabafar e conversar sobre tudo com ele, não tinha dúvidas que mesmo depois de terem se afastado tanto, ainda era seu irmão a pessoa em quem ela mas confiava no mundo, até mesmo mais do que em sua mãe. – Bom, você sabe, dois anos se passaram, eu mudei e ele mudou também e não sei, acho que o que eu realmente sentia falta era da amizade que a gente tinha, mas não acho que as coisas possam voltar a ser como eram. É confuso mas é assim que eu me sinto, não sei explicar...

– Você não tá apaixonada pelo Henri – Eliel disse com certeza, havia pegado com clareza o que se passava no pequeno e conturbado coração de Lis, mesmo porque analisar e entender pessoas nunca havia sido tarefa difícil para ele, ainda mais se tratando de sua irmã com quem ele convivia desde sempre. – Você tá apaixonada pelo que vocês tiveram e pela ideia de poder ter isso de novo. Esse tempo todo você queria de volta os momentos e a felicidade que compartilharam juntos, e não o Henri em si.

Lis sentia como se tivesse tomado um choque de realidade ao mesmo tempo em que se recusava a acreditar naquilo. Suas sobrancelhas estavam franzidas demonstrando sua descrença e confusão.

– E-Eu... – gaguejou e largou suas cartas sobre o sofá. – Eu acho que você pode estar certo e não sei se isso me deixa triste, feliz, muito puta ou aliviada.

– Você pode sentir tudo ao isso ao mesmo tempo contanto que não surte. Tome um tempo pra pensar, fez bem em mandar os dois irem pastar – Eliel aconselhou e jogou suas cartas sobre as de Lis, uma sequência de dois +4 e três +2. – E ainda bem que desistiu, porque eu ia ganhar de qualquer jeito.

– Filho da puta.

Como que para encerrar o assunto, o telefone de Eliel começou a tocar e ele imediatamente atendeu.

– Oi mãe – disse e assentiu. – Sim, estamos em casa. Tá bom, vou avisar ela sim, tchau, também te amo.

– O que era? – Lis perguntou curiosa e Eliel suspirou.

– A mamãe não vai dormir em casa, disse pra gente pegar dinheiro no quarto dela e pedir uma pizza ou sei lá – repassou a informação e a mais velha fez uma careta insatisfeita.

– Eu nunca achei que diria isso mas não aguento mais comer pizza, acho que eu já ficaria feliz só por comer um bom e velho macarrão com salsicha.

– Eu ainda prefiro um miojo – Eliel retrucou e se levantou para ir até a cozinha. – Ela também disse pra gente não esquecer de tomar os remédios.

Lis assentiu e respirou fundo, seguindo o irmão que já caçava as cartelas pela caixinha de remédios que guardava todo e qualquer tipo de medicamento, desde os mais comuns como dipirona, até os mais aleatórios – como os antidepressivos, ansiolíticos e calmantes que ela e Eliel ainda precisavam tomar mesmo depois de tanto tempo.

Ela pegou sua cartela prateada e ficou alguns segundos a encarando na palma de sua mão enquanto Eliel fazia o mesmo com as suas próprias. Lis havia melhorado e agora tomava um único comprimido por dia, mas Eliel permanecia com sua combinação de dois diferentes.

– Até quando? – O menino perguntou e Lis balançou a cabeça silenciosamente.

– Eu não sei.

– Já faz anos e eu ainda...

– Você não é o único – Lis disse com empatia e segurou carinhosamente a mão livre do irmão. – Acho que dá pra ver isso como algo um pouco menos negativo, pelo menos a gente ficou doido junto.

– Não sei se isso é tão menos negativo assim – eles riram de maneira fraca, não havia qualquer graça ou alegria, somente a vontade incessante de fazer tudo aquilo ser um pouco menos incômodo e perturbador.

Ambos tomaram seus respectivos remédios, sejam estes quais fossem, e permaneceram sentados a mesa em silêncio por mais alguns minutos.

– Você... Quer conversar? – Lis perguntou receosa, mal conseguia olhar o irmão nos olhos, sabia que aquela pergunta era delicada demais.

– Já que o assunto surgiu...

– Eu não quero forçar nada, você sabe – ela disse calmamente na tentativa de ser o mais cuidadosa possível. – Mas quero que saiba que da mesma forma que você me aguenta desabafando sobre um monte de merda eu também posso aguentar você, mesmo porque isso não é um monte de merda, Eliel.

– É sim.

– Não foi nesse sentido que eu quis dizer. Só que... Eu também estava lá, eu também vivi aquilo e eu sou sua irmã, se tem alguém que vai te entender, esse alguém sou eu. Pode não parecer mas eu também continuo me deixando afetar por isso, se é que você me entende.

– Sim. Você também tem pesadelos?

– Eu teria se conseguisse dormir – respondeu num tom quase irônico e brincalhão e mais uma vez riram mesmo que a situação não fosse de fato engraçada.

– Às vezes acho que eu também preferia ficar acordado. Sempre que eu durmo é como se... Eu sempre volto pra lá, Lis, e sinceramente? Eu tô exausto – ele admitiu e uma única lágrima escorreu pela sua bochecha avermelhada e pingou sobre sua calça. – Eu não tô triste, nem com medo mais, eu acho. É como se o pior tivesse passado mas ainda tem alguma coisa porque isso não acaba e eu tô realmente cansado.

– Eu sei – foi tudo o que Lis se limitou a responder, novamente segurando as mãos do caçula num gesto de carinho e amizade, ela queria mais que tudo que ele soubesse que ela estava ali para ele e sempre estaria, da mesma forma que ele sempre estivera lá para ela. – Ei, eu te amo, tá?

Eliel assentiu e secou o rosto na manga de seu moletom.

– Eu também te amo, Lis – respondeu com um sorriso que fez a mais velha automaticamente retribuir o gesto.

Não era como os sorrisos fantasmas que ele vinha dando desde tudo o que acontecera, não era algo vazio. Eliel estava realmente sorrindo depois de muito tempo, ele havia finalmente se aberto para ela depois de dois anos escondido atrás de um muro de gestos e respostas secos e automáticos. E tudo bem, poderia ser "só" um sorriso, mas aquela era a única pequena pontinha de esperança que ela havia vislumbrado desde que tudo acontecera de que poderia ter seu irmão de volta um dia, e isso fez seu coração se aquecer de uma forma que não acontecia já havia um bom tempo.

E Lis poderia negar o quanto quisesse, mas sabia que sua família sempre seria seu mundo e também seu maior ponto fraco. Quando Eliel foi destruído por tudo aquilo, ela se destruiu junto, e não porque passou pelas mesmas coisas que ele, mas sim porque uma parte sua, a mais importante delas, havia se quebrado – e seu irmão era essa parte. E poder vê-lo se recuperar surtia um efeito que antidepressivo algum jamais provocaria.

– Então... Quer jogar mais uma partida enquanto a gente decide o que comer?

– Só se você tiver a fim de perder de novo – Eliel retrucou e Lis deu de ombros.

Por ele, ela sempre estaria disposta a perder qualquer coisa.

- △ -

Olá amores da minha vida, como estão? Espero que ótimos ♥

Demorei de novo pra postar e peço mil perdões por isso, eu só entrei numa fase meio complicada esse mês mas tudo bem, já passou e voltamos a programação uahsuah

Esse capítulo foi mais um escape de toda a loucura que tava acontecendo, um tempinho pra Lis e respirar e se reaproximar do irmão, e então o que acharam? Espero de coração que tenham gostado e respirado junto com ela porque jajá voltamos pro centro da confusão :v

E outra coisa: PLAYLISTS DE FALSE GOD!

Eu amo amo fazer playlists pros meus livros e false god não escapou não, então fiz uma playlist pra cada personagem e uma pra história como um todo pra vocês conhecerem mais cada um deles e entrarem mais na vibe do livro também ♥

As playlists dos personagens foram feitas baseados em dois tipos de músicas: as que podem definir eles através das letras e as que fazem parte das favoritas deles (ex.: o Matt é fã de Troye Sivan, então obviamente que eu botei lá no meio porque não poderia faltar auhsuahs).

Todas elas estão disponíveis pra vocês ouvirem tanto no youtube quanto no Spotify, e vou deixar aqui o link apesar de eu acreditar que links não funcionam em capítulos de livros, então vou postar lá no quadro de mensagens do meu perfil também e espero que gostem pois cada uma delas foi pensada e montada com muito carinho ♥

É isso meus amores, muito muito obrigada pela leitura, pela atenção e pelo apoio, até uma próxima! Beijo no coração ♥

Links para o YouTube:

Lis: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL6m9lupK5dV33upROp59wLO

Hanna: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL4LpAuZI3fysZhvCBTXyh6o

Kate: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL68HhEUrZ6G8S9ADmILrr-r

Matt: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL68mv4ru1L8PYxOjgaBScQc

Henri: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL5SZTcyw3Y5IMA_uiIR_GBm

false god: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtocImQTCxL5em1NePjwbJoPVgapQmByS

Links para o Spotify:

Lis: https://open.spotify.com/playlist/4eRp0DhZzemrFf2UfaLUT7?si=e4dc425164834b85

Hanna: https://open.spotify.com/playlist/3GSIMTzrSrJCtmXVKeQ9UP?si=0ee7b521ee314601

Kate: https://open.spotify.com/playlist/7FoLTAfS9M5zDmviBfZJjO?si=9db8b3b5824f473f

Matt: https://open.spotify.com/playlist/45e1CJKS6uUDmo3uYAC5Un?si=428e07183fbd412f

Henri: https://open.spotify.com/playlist/6bbLgFnUWq1rN6ctTGZyBf?si=272b2271b84346c4

false god: https://open.spotify.com/playlist/4cq0g2Hb2sQ0Tp8aCkxTer?si=ebb4fbd99a7043b2

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