Fantasma

FANTASMA

   Passei os dedos levemente pelos fios negros dos cabelos do corpo ao meu lado. Ele ressonava tranquilamente, ainda exausto da noite anterior. Os lábios em linha reta, como de costume. Me perguntei se a minha expressão costumava ser a mesma nos últimos dias.

   Levantei com cuidado, enrolada no lençol branco. Andei ao redor da cama e fui até o banheiro, encarando a imagem da estranha no espelho. Tentei limpar o embaçado do vidro, em uma tentativa falha e miserável de enxergar melhor e achar o erro.

   Tudo era errado. Me perguntei onde começava os erros e onde eles terminavam. Não obtive resposta.

   Deixei o lençol cair no chão e vesti minhas roupas que estavam espalhadas. Ele ainda não havia acordado. Ou talvez fingisse que dormia, para assim não precisar encarar a casca vazia que eu me tornara. Por ele, por causa dele. Sempre gostei de tipos como o dele - altos e com sorrisos que prometiam coisas. Sujas palavras. A promessa de uma noite e um adeus no final. Mas quando foi que passei a precisar daquele tipo? E por qual motivo?

   Ele me disse que não era bom para mim. Que era errado o modo como eu puxava suas mangas, como se visse nele um herói. O modo como eu sorria para ele, como se visse nele a felicidade que todos procuravam. Eu não sei em que parte me perdi, mas queria me encontrar novamente. Deixá-lo era uma escolha, mas a vontade de ficar era perigosa. E eu sempre gostei da adrenalina.

   Sorri amargamente, saindo do quarto e pronta para sair daquela vida tão conturbada quanto aquele apartamento. No chão da sala, os vestígios da noite anterior - algumas latas de cerveja e cigarros. Ainda havia alguns de seus amigos largados pelo chão, derrubados pela vida imprestável que levavam. Na qual eu estava me prontificando a entrar. Eu me sentia um fantasma em seu meio. Em sua vida.

   Nunca fui uma garota muito certa, mas não era burra. E, no momento, me achava tão burra quanto toda aquela gente vazia. Ouvi meu nome ser murmurado no outro cômodo, ou talvez fosse a minha imaginação fértil imaginando o quanto minha falta seria sentida. Sorri levemente, entrando no elevador vazio e mal iluminado.

   Quando cheguei na saída do prédio, senti o frio absurdo que fazia. Olhei para o céu, me deparando com o pesado cinza e uma promessa de nevasca. Não havia percebido que o inverno chegara. Fechei o casaco ao redor do meu corpo e andei pelas ruas desertas. Contanto que me afastava daquele prédio decadente, sentia meu corpo leve e uma vontade absurda de correr.

   Ir embora não é tão difícil, quando você finalmente vai. O problema é dar o primeiro passo. Daí em diante, correr não é problema.

   E eu senti, pela primeira vez na vida, que recuperei a minha alma.


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