Parte I

Foi numa meia-noite nublada que, sutilmente, Corina, uma jovem que acabara de completar vinte anos, saiu de casa, pela janela, rumo à floresta escura. Um lampião vermelho era tudo o que havia em suas mãos. Mesmo bem trajada, o frio fazia os pelos do seu corpo se eriçarem. Ela estava profundamente abatida, amarga, pusilânime. Não fosse pelo lampião, provavelmente se choraria contra as árvores várias vezes, de tão cabisbaixa que estava. 

Afinal, o quê que essa jovem queria no meio da floresta à meia-noite e qual o motivo de tanta tristeza?

Ela queria a morte. Corina queria ser despedaçada — porque era dessa forma que ela sentia sua alma — por uma onça, um gigantesco felino que predava o gado dos fazendeiros e dava bastante prejuízo.

Ele não era, de sobremodo, visto pelos habitantes daquela pequena região, porque caçava à noite, porém, todos sabiam que se tratava de uma onça-pintada. A chamavam de "O Grande Jaguar." Muitos que entraram na floresta à procura desse animal para matá-lo não voltaram com vida. Curioso é que a criatura não devorava seres humanos, apenas os despedaçava e deixava a cabeça intacta, um comportamento muito excêntrico para um animal irracional.

Corina poderia suicidar-se de qualquer outra forma, contudo, se entregar à onça faria com que as pessoas especulassem que ela fora atacada, pensou ela que isso seria menos aterrador para seus pais do que ela aparecer ensanguentada dentro de casa com um punhal no ventre.

Enfim... Ela era a irmã caçula de outras quatro, e por ser a mais nova, sempre fora mais amada pelos pais, porém, desprezada pelas irmãs. Ao longo do tempo elas foram crescendo, casando-se e frutificando, dando orgulho aos seus maridos e família, exceto Corina, por ironia do destino.

Há três anos que ela se casou e nunca conseguiu engravidar. Depois de ter descoberto que tinha endometriose, seu âmago encheu-se de amargor e seu semblante decaiu. Seu marido a repudiou por pensar que nunca teria um filho para chamar de seu.

Ela voltou a morar com os pais. Para piorar, suas irmãs martirizavam-na por algo que ela não tinha culpa. Foi a gota d'água. O motivo para ela não querer mais viver.

Ela andou pela floresta sem rumo, torcendo para ter a sorte de se encontrar com a criatura. Estava determinada a morrer. Qualquer dor não seria suficiente para superar a de nunca poder ser mãe. Ela chorava só de pensar. Chorou tanto que não haviam mais lágrimas. Apenas sangue.

A luz bruxuleante do lampião iluminou uma pegada no chão da floresta. Com certeza era do animal. A pegada era tão grande que seria necessário pôr três patas de uma onça comum para preenchê-la. Ela não tinha certeza, mas sentia que estava perto, até se deparar com uma caverna. Ela entrou.

Lá dentro haviam tantos ossos das presas, quase todos dos rebanhos dos fazendeiros. Corina só imaginava o animal arrastando os bois para devorá-los na caverna, mas não sentiu medo.

Entretanto, o que ela imaginou se concretizou.

Ela ouviu um som de ossos se quebrando e se virou bruscamente. O lampião conseguiu iluminar de longe um gigantesco jaguar segurando um boi pelo pescoço entre as presas. A criatura largou sua presa morta no chão. Corina imaginou que aquele seria o momento.

Se ajoelhou, colocou o lampião de lado, fechou os olhos e esperou o pior.

***


Nada aconteceu.

Ela esperou mais dois minutos. Ela abriu os olhos devagar. O jaguar havia se sentado como um grande gato e a olhou com curiosidade.

— Anda logo com isso — disse Corina. Ela voltou a fechar os olhos.

— Por que queres morrer, menina? — perguntou uma voz profunda e rouca.

Corina se assustou. Abriu os olhos de súbito e se levantou, pegando o lampião. O jaguar não estava mais lá, nem em lugar algum que ela pudesse ver.

— Quem está aí? — ela perguntou se voltando para todos os lados, na esperança de encontrar uma pessoa.

A voz deu uma profunda risada.

— Eu mesmo. — Foi a sua resposta.

— O jaguar? — perguntou Corina mais uma vez, arregalando os olhos sem acreditar.

— Exato!

Corina se recusava a acreditar. Pensou em um milhão de coisas para explicar a voz.

— Se tu és mesmo o Jaguar, então apareça.

— Tudo bem, mas antes, responda-me: Por que queres morrer?

Por um momento, Corina tinha se esquecido da sua dor. Seu semblante voltou a decair. Ela não tinha mais nada a perder, então decidiu responder a pergunta. Novamente, ajoelhando-se nos ossos.

— Ah! Estou amargurada. Minh'alma está desfalecida. Minha vida, arruinada. Carrego uma doença no meu ventre que me impede de procriar. Meu marido me repudiou e minhas irmãs me menosprezam. Meus pais já estão velhos para me sustentar. Não posso mais continuar viva. Sou a escória entre os humanos.

Enquanto Corina se lamentava, sentia uma baforada quente de respiração soprar seus cabelos. Ela abriu os olhos e viu o felino bem à sua frente, tão grande quanto um cavalo.

Ela tentou dizer alguma coisa, mas os olhos da criatura estavam carregados de compaixão.

— Por motivos piores eu vi homens e mulheres suicidarem-se. — Disse o Jaguar.

Corina se afastou assustada, mas não se atreveu a fugir.

— Você fala? Como é possível?

— Eu não sou um animal comum.

— O que você é?

— Sou muitas coisas. Faço parte de muitas mitologias. Tenho muitos nomes, mas não deixo de ser um Jaguar. Meu nome é Sovaĝa.

"Sovaĝa", ela sussurrou o nome da criatura.

— Como tu te chamas, humana?

— Corina.

— Assim como és bela, és também teu nome.

— Por favor, grande Jaguar, eu te imploro, mate-me.

Sovaĝa caminhou ao redor da garota.

— Jovem Corina. Sei que tu e teu povo ignora minhas habilidades. O medo e raiva que sentem por mim os tornaram mais selvagens que eu mesmo, contudo, tu és uma humana diferente. Em ti não sinto o cheiro nem do medo e, nem da raiva. Não senti o cheiro das carregadas emoções que os distinguem dos outros seres vivos. Tens muita coragem, bela jovem, acredito que mais do que os que te importunam. Por isto, não vou matá-la... Sem antes apresentar-lhe opções.

— Opções? — Repetiu a garota, intrigada.

— Escolha: posso nada fazer, posso matar-te, ou posso curar-te.

Corina arregalou os olhos. Sua mente apenas focou na parte em que poderia ser curada. Se fosse assim, então seu sofrimento teria fim. O que ela desejava mais que a morte naquele momento, era a cura. 

— Então cure-me, por favor senhor Jaguar, cure-me.

O Jaguar sorriu.

— Acalme-se, bela jovem. Tenho que ter a certeza de que é isto mesmo que queres. Para que eu possa curar-te, terás que me dar algo em troca.

— O que queres de mim?

— Tu saberás quando lhe for cobrada.

Corina pensou por alguns minutos. O que teria a perder? Estava disposta a sacrificar a própria vida. Qual sacrifício poderia estar acima deste outro?

— Sim! Eu aceito.

Com essas palavras, o Jaguar rugiu fazendo-a cair no chão da caverna, mas ela não se chocou contra um chão duro e coberto de ossos, ela se sentiu afundar numa imensa poça coloidal. Água e terra.

Continua...

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Olá, leitores. Este é meu primeiro conto. Espero que estejam gostando. Não vos esqueçam de votar e comentar.

Beijossss... 

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