• Vinte e nove: parte um •

Esperar, esperar, esperar... A Bíblia diz que a paciência é um fruto do Espírito. Bom, definitivamente é uma virtude que preciso praticar. De frente para mim e com os dedos entrelaçados aos meus, Henry ora ao Pai, incessantemente. Gosto de assistir essa cena. Sua expressão é calma, sua postura é serena, mas o seu tom é firme e convicto. Me repreendo e fecho os olhos. Quem admira o namorado em um momento como este? E essa é a prova de que eu perdi a minha capacidade de concentração em algum lugar entre os acontecimentos de ontem e as conversas de hoje.

Há aproximadamente uma hora, o meu pai acompanhou o Dr. Camilo ao hospital. Soubemos que o Art tinha sofrido uma parada cardíaca, com grandes chances de... Enfim, ainda não tivemos notícias. As pessoas dizem que novidades negativam viajam depressa. Bom, eu estou confiando nisso. Começo a cantarolar um louvor mentalmente – já estamos todos com a alma sofrida o suficiente, expor às pessoas a minha voz angelical é um castigo cruel e desnecessário – quando escuto o ronco de um motor. Abro os olhos e Henry me encara com um semblante tranquilizador. Seus lábios formam a frase: apenas confie, minha pérola. Assinto e me ergo devagar.

Ouço passos apressados e vislumbro Mari e mamãe descerem as escadas. Meu pai cruza a porta ostentando uma expressão simultaneamente chocada e emotiva. O silêncio impera por alguns minutos. Aparentemente, ninguém tem coragem de rompê-lo. Por fim, minha mãe dá voz ao questionamento geral.

– Como ele está?

Meu pai abre a boca, porém, as palavras não saem. Ele torna a fechá-la e maneia a cabeça em negativa. Meu Deus! Sinto o meu coração acelerar como o trotar de mil cavalos furiosos. Com delicadeza, Henry aperta a minha mão.

– Ele está... – a voz do meu pai é fraca e falha. Apenas confie, Catarina. Repito para a minha alma conturbada com a esperança de que ela aceite. Fecho os olhos e puxo o ar. – Vivo. – Obrigada, Deus.

Jogo a cabeça para trás aliviada. Me volto para o Henry animada, no entanto, seus olhos continuam focados no meu pai, que ainda exibe um semblante estarrecido. Céus, o que houve?

– Sr. Benedetto, aconteceu algo mais no hospital? – ele pergunta e todos ficam sérios novamente.

Meu pai apresenta dificuldade em organizar os pensamentos. O Art está vivo. Essa é uma boa notícia, certo?

– Sim – sua voz é distante, como se embora o seu corpo estivesse presente, sua mente permanecesse em um cômodo hospitalar. – O Arthur não somente sobreviveu, como está respirando... sozinho.

Levo as mãos a boca, abismada. Devido ao traumatismo craniano e ao colapso pulmonar, Art respirava por meio de aparelhos. Os médicos informaram que não nutriam esperanças de que esse quadro sofresse alterações por um longo período. Parece que estavam errados... Ou melhor, esqueceram de acrescentar um Deus imensuravelmente poderoso e absolutamente benigno em sua equação.

– A equipe aguarda o seu despertar amanhã, após cessarem os efeitos dos sedativos. – Finalmente! O Art voltará para nós com a sua alegria habitual, atitudes divertidas e indiretas irôn... – No entanto... – Ah, não. Por quê sempre existe um porém? – Os médicos não podem prever como ele irá acordar. – Como? A voz do meu pai é cautelosa e assustada. – Ele sofreu um trauma considerável na cabeça. Isso pode afetar a sua visão, os seus movimentos, a sua fala ou até as suas... memórias. – O quê? Meu coração congela.

Em segundos, rememoro inúmeros filmes em que o protagonista esquece de tudo, mas ao final, magicamente, recorda cada detalhe da sua vida com um singelo beijo do seu amor verdadeiro: lindo, apaixonante e falso. Na dura realidade, a amnésia costuma ser irreversível e, pior, além de perder as lembranças, o Arthur pode ficar mudo, cego ou paralítico. Com a sua personalidade impulsiva, descontraída e hiperativa... Não, eu o conheço, seria como matá-lo lentamente. Ele não suportaria viver assim.

O desespero ameaça me dominar e tento me prender com força ao último fio de sanidade e resquício de esperança que restam em meu coração. Olho para os meus pais buscando consolo, no entanto, encontro apenas semblantes abatidos. Mari chora compulsivamente. Deus, me ajuda. Com um temor crescente mal noto que o Henry soltou a minha mão e se posicionou frente à porta.

– Bom, devemos dar as mãos para agradecer? – Oi? Todos o encaram em completo choque.

E sinceramente, eu compreendo. O meu pai termina de comunicar uma notícia devastadora e o Henrique deseja montar um círculo de oração na sala de estar? Se eu que namoro este ser estou confusa, não posso julgar os demais. Ele percebe as nossas expressões abismadas e sorri. Ao falar seu tom é sereno e sábio.

– Quando o povo de Israel estava em meio deserto, eles descobriram que a terra prometida por Deus era habitada por povos inimigos. Eles ficaram tão indignados com esse fato, que desejaram retornar como escravos ao Egito, mesmo tendo orado incessantemente ao Senhor que os libertasse. Eles estavam tão focados em contemplar a adversidade, que esqueceram de todos os milagres que Deus já tinha operado. As dez pragas, a coluna de fogo, o pão que caia do céu, a água que brotava da rocha, as roupas que cresciam, a abertura do mar vermelho... Nada daquilo importava mais.

– Não raras vezes, quando estamos diante de um obstáculo, nos tonamos alheios as bondades que Deus já realizou. Abandonamos a confiança em Seus planos perfeitos e a fé em Seu amor imensurável. Declaramos aborrecidos que Ele nos esqueceu, quando na verdade, somos nós que O rejeitamos. Impacientes e incrédulos fechamos o nosso coração e como crianças mimadas queremos que a vontade dAquele que tem o domínio sobre todo o universo se dobre a nossa, instantaneamente.

– Hoje, o Dr. Camilo afirmou que o Arthur não possuía chance de sobreviver e, no entanto, ele está vivo. Os médicos alegaram que ele não voltaria a respirar sozinho, entretanto, em menos de 24h, o tubo foi retirado. Deus já provou mais de uma vez, diante dos nossos olhos, ser capaz de transformar situações impossíveis em realidade. Confiar significa descansar, porque a fé não é uma ideia vacilante, mas uma convicção inabalável. Tudo acontecerá conforme a Sua vontade. E seja como for, Ele continua sendo bom.

E é assim que eu adquiro a certeza de que na fila da distribuição de dons, Henry entrou duas vezes. Olho ao redor, e todos estão imersos em um silêncio que mescla orgulho e admiração. Mari e minha mãe suspiram apaixonadas... Excelente! A forte crença do meu namorado é a desculpa perfeita que Hanna Benedetto buscava para me casar antes do próximo inverno. O meu pai estufa o peito como se houvesse ganhado um prêmio. Como pastor, presenciar a sua ovelhinha apresentar-se tão convicta em meio ao caos, é como receber uma medalha. Enquanto isso, a minha mente formula um único questionamento: Com licença, no lugar em que o senhor comprou a dose extra de ânimo e serenidade, vende paciência e confiança também?

Degluto a ironia junto com a vergonha e rememoro as palavras do meu pai: o Henrique não é perfeito, filha. Ele tem muito a aprender. Se você pensar pelo lado positivo, não há momento mais oportuno para praticar a porção de fé distribuída por Deus do que agora. Puxo o ar, resoluta. Propósitos, Catarina, não acasos. De modo confiante caminho até o Henry e seguro a sua mão. A bem da verdade, eu sei que temos muito a crescer, mas faremos isso juntos.

Minha família fecha o círculo e conduzo a oração de agradecimento pela vida do Art. Depois de uma noite em lágrimas, uma manhã em êxtase, descobertas surpreendentes e aprendizados profundos, finalizo a minha conversa com Deus portando uma única convicção: eu confio nos planos do Pai e independente do que ocorra, eu ainda irei louvá-Lo. Porque seja como for, Ele continua sendo bom.

Após soltarmos as mãos, sinto como se alguém pressionasse o acelerador. A tarde e a noite correm velozmente e o amanhecer de um novo dia nos recepciona com o intenso e brilhante crepitar da lareira acesa. A neve espessa recobre cada recanto da cidade, mas do mesmo modo que a minha casa, o meu coração se mantém aquecido com a fé depositada em Cristo. Desço as escadas e meu pai está ao telefone. Exalo o ar, lentamente. Fecho os olhos e declaro mentalmente com confiança: porque dEe, por Ele e para Ele são todas as coisas. Calma, Catarina. Torno a abri-los e me deparo com algo inusitado. O meu pai... está... aos prantos.

Okay, admito, seria angustiante, aterrorizante e desesperador, se não fosse absolutamente inesperado e... estranho. Entre as lágrimas abundantes, ele está... pasmem... rindo. No entanto, não é uma risada educada e contida e sim uma aberta e estrondosa gargalhada.

– Maravilhoso... obrigado... verdadeiro... propósito – com as mãos sobre a boca, as palavras soltas que escapam abafadas por entre os seus lábios, formam frases desconexas e incompletas.

Estou a ponto de interrogar o seu, digamos, acesso de loucura, quando capto um único termo que em qualquer contexto significa uma dádiva: milagre! Descansados e convictos, os meus neurônios estabelecem rapidamente a conexão das informações. Isso apresenta um único significado.

– Pai, então o Art está...

– Curado. – Jesus Cristo. Me apoio na parede, devido ao alto risco de colisão contra o chão. – Hector me ligou há pouco. Arthur acordou durante a madrugada e a equipe logo iniciou os testes para verificação da presença de possíveis sequelas graves. No entanto, não encontraram sinais de alteração visual, motora ou de linguagem. A pesquisa de falhas na capacidade de recordar os fatos indicou que sua mente está em perfeito estado. A despeito de alguns ossos fraturados e das dores já esperadas, nosso querido Art não poderia estar mais saudável. – Vivo... Curado... Saudável.

Sabe quando você recebe uma notícia e o planeta aparenta ter estacionado? É como se o enorme freio da vida fosse acionado e tudo ao seu redor se tornasse lento com o intuito de colaborar na sua aceitação de mistérios inexplicáveis. Então, é exatamente assim que me sinto. Em um fração de segundos, eu experimentei uma dúvida cruel, uma surpresa estarrecedora e uma alegria imensurável. Abraço o meu pai e entre as suas lágrimas e as minhas, somos inundados por uma felicidade genuína.

As próximas horas se passam entre notificações e orações. Informamos a todos sobre a melhora clínica do Arthur e nos reunimos para agradecer a Deus, afinal, em Tiago 01:17 está escrito que toda boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes. Aprouve a Deus salvar o meu amigo e embora eu desconheça quais caminhos o aguardam, oro para que um encontro verdadeiro com o Senhor esteja programado em seu roteiro.

Infelizmente, a única notícia decepcionante deste dia abençoado chega ao cair da noite. De acordo com os médicos, após a grave infecção que o acometeu, em outras palavras: depois do seu quase encontro com a morte, o sistema imunológico do Art precisa de uma longa regeneração. Desse modo, eles optaram por restringir as visitas aos familiares mais próximos como uma medida de segurança. Nas semanas seguintes, será necessário empenho e dedicação para o seu reestabelecimento completo. Medicamentos, fisioterapia, dieta adequada, exercícios pulmonares... a lista de medidas é interminável, porém, com a benção do Pai, conseguiremos vê-lo por volta de quinze de janeiro. Sorrio. A frustração é um detalhe desprezível em relação a gratidão que superabunda em meu interior. O Art está vivo, curado, saudável e, com a graça de Deus, algum dia será salvo.

O mês de dezembro, o meu favorito, diga-se de passagem, transcorre com a agitação e beleza usuais. Entretanto, um fato inesperado acresce uma dose generosa de euforia às expectativas costumeiras: será o primeiro Natal do Henry em Águas Douradas. E qualquer termo usado para descrever a sua alegria, não fará jus ao seu real estado de espírito. Diante de uma cidade repleta de ornamentos, cores e luzes, os seus olhos brilham como uma noite de céu estrelado. Com uma disposição encantadora, ele reúne os mantimentos para os desabrigados e necessitados, além de auxiliar no Orfanato, que se encontra em período de ampliação. Enquanto ele ensina sobre o amor do Pai às crianças, um pensamento curioso se aloja no fundo da minha mente. Maneio a cabeça em negativa e o afasto. Afinal, teorias vãs não são dignas de análise, certo?

Após um Natal perfeito, passamos à celebração do Ano Novo. Conforme a tradição, ao fim do culto, toda a população se reúne em frente ao Rio Dourado para assistir ao festival de fogos de artifícios durante a madrugada. Às minhas costas, Henry perpassa seus braços ao meu redor e sinto a sua orelha contra a minha bochecha. Sorrio aninhada em seu gesto carinhoso. Com um coração repleto de sonhos e gratidão, recepciono mais um ano: divertido, brilhante, tranquilo, ausente de aventuras, mistérios e emoções fortes... Espero.

E aqui está ele, finalmente: o primeiro de janeiro! O dia mundial da preguiça, de consumir o café da manhã no horário do almoço e da criação de listas impossíveis de concluir em apenas um ano. Coloco um vestido florido leve e prendo os meus fios, eternamente rebeldes, em uma trança embutida. Há fatos que nunca mudam... e meu cabelo indomável é um desses. Desço as escadas ainda mortificada pelo sono e me deparo com o Matias e o Henry conversando à mesa da cozinha. Ambos cortam os legumes com entusiasmo, enquanto planejam disputas de gamão. Sorrio com a cena dos meus dois jovens-idosos favoritos. A campainha soa e corro para abrir a porta. Convidamos o Tales, e a tríade da terceira idade estará completa.

Giro a maçaneta e... todo o ar dos meus pulmões é roubado. Como se contemplassem o inimaginável, os meus olhos ficam vidrados. Em uma fração de milésimo de segundo, eu não consigo discernir o tempo ou as estações. Em absoluto choque, a minha boca abre e libera um grito agudo e estridente.

– Art! – Eu me jogo sobre ele em completa euforia. Diante dos seus gemidos, me afasto rapidamente. – Desculpa – declaro, envergonhada.

– Tudo bem, Cat. Você apenas fraturou os demais ossos que o acidente não conseguiu – solta irônico.

O presenteio com um tapa leve no braço esquerdo e ele responde com um sorriso encantador. Sim, meus amigos, o Arthur está de volta.

Já estão prontos pra virar a página? Então vamos...

Se está gostando dessa estória, que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top