• Dezesseis •

Honestamente, eu detenho a firme convicção de que haverá sushi no paraíso. Não importa se aos demais parece loucura, porque na minha humilde concepção ruas de ouro ornam perfeitamente bem com uma bela peça de salmão. Enquanto não chego a essa destino, entretanto, a Fuji Sushi House, o elegante e delicioso restaurante japonês pertencente à família Akira, cumpre esse papel com maestria.

Nobu Akira, um dos Chefs e proprietários do local, é um dos meus melhores amigos de infância, e aos sábados, gentilmente, reserva um entre os três salões disponíveis para a reunião da liderança dos jovens. Esse é o momento ideal que separamos, após os cultos, para avaliarmos o progresso dos encontros e as demandas dos membros.

Como de costume, me deparo com um espaço já brilhantemente preparado para o nosso grupo. O ambiente exibe paredes revestidas de bambu e kenjis, tradicionais ideogramas japoneses, que contrastam com o fundo preto. As cores vermelho e laranja se destacam nos móveis e artigos decorativos, como leques e espadas samurai. Luminárias de papel de arroz, de dimensões e formatos diferentes, proporcionam uma sensação de leveza, quando combinadas às cortinas de seda que se continuam até os jardins zen. A enorme mesa baixa é ornamentada com lindos bonsais, e um diversificado aquário confere tranquilidade e beleza ao local.

Henrique cumprimenta os presentes alegremente e senta no tatame ao meu lado. Okay, admito que posso ter me precipitado um tom ou dois ao convidá-lo. Sinto quinze pares de olhos curiosos cravados fixamente em nós, no entanto, o meu acompanhante não parece minimamente incomodado com o fato, e se dedica a analisar minuciosamente o cardápio, comentando os intrincados pratos. Decido seguir a ideia e fingir que cada parte da nossa conversa não está sendo extremamente analisada.

– Sushi Joe... Interessante. Você já comeu, Fluffy?

O apelido revela-se o atrativo perfeito para os intrometidos de plantão. Mari eleva o tom da discussão, a fim de atrair a atenção do grupo. Com um simples acenar, afirmo que ela aplacou a minha sede vingança, e com uma piscadela ela confirma ter recebido o recado. Alheio à situação, Henrique ergue a cabeça, esperando ter o seu questionamento atendido. 

– Sim, é um sushi delicioso feito de patê de salmão, cream cheese e cebolinha, envoltos em uma fina fatia também de salmão.

– Excelente, será esse – declara, animado. – O que você vai querer, Little Cat?

– Eu não diria que possuo apenas uma resposta a essa pergunta – na verdade, tenho várias. Comeria todas as opções se não fosse humanamente impossível. – Porém, Henrique, suponho que essa noite meu estômago clame pelo Temaki Hot Filadélfia.

– Henry. – O encaro, confusa. – Pode me chamar de Henry – repete com um sorriso terno.

– Então, Henry, por que não me confessa como conseguiu as informações sobre a minha vida? – Questiono, após realizarmos o pedido. – Até então, estou indecisa entre considerá-lo um stalker ou um psicopata. E sinceramente, a personalidade de ambos é bastante preocupante. – Ele sorri, divertido.

– Digamos que o Matias é uma excelente fonte de conhecimento. – Mas é óbvio. O meu querido cunhado detém uma certa dificuldade em manter a língua sob controle. – No entanto, acredito já ter sido devidamente penalizado pelo meu excesso de curiosidade, correto?

– Depois de ter perturbado a minha alma, ao me fazer supor estar sentada ao lado de um assassino em série? Jamais – declaro em um tom, propositadamente, exagerado. – A sua punição está apenas começando.

– Eu mal posso imaginar as torturas que me aguardam – afirma enquanto simula uma cena de desespero. – Lembre-se que você é filha do meu pastor. Seja boazinha comigo, Fluffy. Agora me diga, o que terei que fazer para acalmar o seu coração? – Ele fixa os olhos nos meus e, pela primeira vez, noto o brilho que possuem. Da cor de mel, se assemelham a ouro derretido.

– Terá que solucionar todas as minhas dúvidas, sem exceção – advirto, exibindo um semblante astuto.  

– Como desejar, senhorita – sua você suave sopra como uma leve brisa primaveril. – O que almeja saber?

– Você declarou hoje ser apaixonado por cores. Admito que a sua motivação profissional me deixou intrigada.

O seu semblante torna-se pensativo, e ele aparenta ponderar seriamente se mereço conhecer essa preciosa informação. Por fim, uma resolução decidida estampa o seu rosto e me sinto estranhamente ansiosa.

– A minha mãe era uma verdadeira artista – inicia com um tom calmo e solene –, uma amante da pintura. Em seus quadros, alegres e vivos, derramava paixão e entusiasmo. Entretanto, um pequeno obstáculo travava o seu caminho: ela era daltônica e não distinguia bem as cores. Assim, quando criança, costumeiramente sentava ao seu lado e identificava os tons de sua paleta aquarela. Era um momento único e especial... para nós dois.

– Era?

– Ela partiu para o Pai quando eu tinha doze anos – meu coração fica pesado.

Que desastre! Conheço o rapaz há três dias, e já pergunto detalhes da mãe falecida. Quem é a fofoqueira, agora? Meu Deus, é verídico que vergonha não mata, caso contrário, os olhos curiosos estariam nesse instante sobre o meu corpo sem vida. Respiro lenta e profundamente e sigo do modo mais natural possível.

– Eu sinto muito – solto, sem encontrar palavras melhores no meu cérebro vencido. Céus.

– Está tudo bem, já faz muito tempo – e para o meu completo alívio, Henry exibe o seu meio sorriso característico. – Ela iria gostar de conhecê-la, de uma artista para outra.

– Obrigada – fico sinceramente grata pelo comentário gentil. – Infelizmente, não detenho sequer uma habilidade dignamente aceitável em pintura. Com o desenho é diferente, me sinto infinitamente mais confortável.

– Dentre as obras que criou, qual a sua favorita?

– Sem dúvidas, a árvore genealógica da minha família. Foi o meu melhor e mais zeloso trabalho.

– Parabéns. E quando vou poder avaliar de perto a sua incrível criação?

– Na verdade – o meu semblante cora de imediato –, está exposto na parede do meu quarto. – Por que, Senhor? Sangue, ordeno que você deixe o meu rosto e circule para os meus pés.

– Nesse caso – ele fica pensativo –, acredito que precisarei esperar ficarmos um pouco mais íntimos – o seu sorriso irônico provoca um revirar de olhos da minha parte, e ele se diverte.

– Você não possui nada mais produtivo para fazer do que me provocar?

– Estou na cidade há pouco tempo, Little Cat, então a resposta é não – declara, satisfeito. 

Os garçons entram no ambiente com as refeições e perco a atenção do meu companheiro. Os olhos do Henry brilham como se ele houvesse ganhado um presente sensacional. Belíssimos pratos perfumados e coloridos preenchem a mesa e animam todos os jovens. O silêncio impera como uma consequência óbvia da máxima apreciação da comida.

– Nobu, parabéns, está tudo delicioso. Aliás, nada de novo sob o sol. – Ele sorri. Nobu é um Chef impecável.

– Obrigada, Akachan. É sempre um prazer recebê-los, e... – Ele se interrompe ao perceber o uso do meu antigo apelido. Sem mais palavras, deixa o espaço a cargo de outro funcionário.

Akachan é o termo japonês para bebê, e o recebi do Nobu ainda na infância. Quando crianças, era consenso que iriamos nos casar. No entanto, na adolescência, o quadro mudou. Em parte, por uma certa declaração, em parte após a fatídica discussão com o Art, a qual a despeito de muita insistência, jamais compartilharam a razão.

– Fluffy – o chamamento do Henry interrompe o curso dos meus pensamentos –, espero que tenha solucionado o que a angustiava na noite do nosso último encontro.

De imediato, a minha mente reaviva a imagem do Arthur. Sinto o calor do seu abraço e uma pontada no meu peito faz questão de recordar o quanto sinto a sua falta.

– Sim... Não... Quase... É complicado – termino por admitir. Henry me encara com um sorriso complacente, e toca o meu ombro delicadamente.

– Eu compreendo. Mas, por experiência própria, acredite: Deus cuida de tudo.

Alguém mais está com a curiosidade aguçada? Estou prestes a iniciar o interrogatório, quando Tobias grita do outro lado da mesa.

– Henrique – inicia –, estamos analisando as demandas dos jovens, e devo informá-lo que você é uma delas. – A curiosidade se dissemina no grupo. Com os anos de prática, eu já imagino o que está por vir. Pobre Henry.

– Verdade? E no que posso ajudar? – Céus, ele não tem a mínima ideia do que o aguarda. Quanta inocência. Eu quase sinto pena dele... quase.

– As moças da igreja me encarregaram de descobrir se o novo rapaz possui o seu coração comprometido. Em outras palavras, meu amigo, você está solteiro? – Henrique cora imediatamente. Seu semblante exibe um choque tão genuíno, que nutro uma vontade incontrolável de guardar uma foto para posteriores chantagens.

– Bom – ele aparenta desesperadamente tentar recobrar a voz... e as forças –, sim, eu estou solteiro no momento, mas... – Risadas femininas, nervosas e prazerosas, indicam que o propósito informativo do Tobias foi atingido.

–  Obrigado pela participação, Henrique – diz o Matias, tentando contornar a situação constrangedora. – Agora voltemos a discutir o tema do próximo culto. O que vocês teriam em mente?

Aos poucos a cor do Henry retorna ao seu rosto. Estou com uma piada pronta, quando o meu celular toca. É o meu chefe! Olho para o relógio assustada e percebo que são 22:00h... de um sábado. Atendo, com receio de um terremoto ter tombado a nossa casa multimilionária. Cinco minutos depois, desligo o telefone.

– Obrigada, Deus – grito, preenchida da mais sublime alegria, e todos me encaram.

Posso ver a incerteza quanta a conservação da minha sanidade mental pairar em suas mentes. Distribuo inúmeros e aleatórios pedidos de desculpa, e afirmo que podem prosseguir. Mari e Henrique parecem sobressaltados.

– Adivinha, irmãzinha... – Mari está a ponto de explodir de curiosidade. – Segunda-feira não precisarei ir ao estágio. Os meus chefes irão visitar um cliente importante e me deram folga. Consegue acreditar? O impossível está acontecendo bem diante dos meus olhos. – Desde que iniciei na Arte com Elegância, trabalhei, inclusive, nos dias de feriado. Hoje estou presenciando um verdadeiro milagre.

– Pai Eterno, essa notícia não poderia ser mais perfeita. – Certo, ela ficou alegre demais. Isso nunca é bom sinal. Algo me diz que a minha irmã está aprontando... novamente. – Henrique, você teria planos para a segunda à noite? – Não! Como eu previ. – Os meus pais fazem questão de conhecer todos os integrantes da igreja e, como você é recém-chegado, seria maravilhoso se pudesse jantar conosco.

– Obrigado pelo convite, Mari. – Por favor, recuse, por favor. Não terei paz se descobrirem que um rapaz solteiro foi até a minha casa conhecer os meus pais. – Será um enorme prazer – ele me fita com um sorriso sarcástico, como se pudesse ler a minha mente. – Na verdade, mal posso esperar. – E que se iniciem os jogos.

Esse jantar promete, viu? Obaaaa... sinto cheiro de babado daqui (rsrsrs)

Se está gostando dessa estória, que tal deixar uma estrelinha tão brilhante quanto você?!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top