8

Eileen estranhou encontrar apenas Pete na sala de reuniões ao entrar no recinto junto com o mestre Kaghan. A sala tinha uma grande mesa redonda no estilo da távola dos cavaleiros da lenda do Rei Arthur, a diferença é que essa mesa era uma das maravilhas tecnológicas de Pete e tinha sensores digitais holográficos que eram usados para discutirem estratégias.

A Sala era uma das maiores de a toda colônia da resistência e assim como o restante do esconderijo, ficava em uma espécie de bunker esculpido em na montanha, provavelmente por mineiros tocados pela febre dos minerais preciosos que atingiu os humanos da região há muitos anos atrás, mas que haviam aprendido que toda fonte não renovável tende a se esgotar em algum momento, e como algumas marcas da exploração permanecem para sempre, agora esses túneis e salas subterrâneas vieram bem a calhar.

Os aparatos tecnológicos que saiam da mente do jovem Bargheist, facilitavam muito a vida das criaturas que se refugiavam nas galerias que a resistência chamava de casa e contrastavam com as paredes rústicas de pedra. Pete não só criava soluções para as necessidades do dia-a-dia, mas também fazia constantes melhorias nas armas mágicas que tinham, e até criava algumas exclusivas.

Com exceção de Aynne que estava presa em seu quarto para o julgamento e da Mãe que estava recarregando, apenas o vampiro Hellbram, que Eileen chamava carinhosamente de Hel, estava em missão. Os outros membros dos Anjos da Resistência deveriam estar lá, já que Pete enviou o alerta.

A equipe "Anjos da Resistência" tinha, além dos citados anteriormente, mais quatro membros: Um casal de licantropos renegados Lucy e Liam, cujo clã foi dizimado após seu Alfa não aceitar se curvar aos vampiros, um Doppelganger chamado Cam, cujo rosto original não tinha nenhuma forma, mas era capaz de moldar seu rosto e seu corpo em qualquer forma que quisesse e um elfo chamado de Vyk, que aos olhos humanos pareceria uma criança de no máximo dez anos, não fosse sua pele verde, seus cabelos vermelhos vivos e seus pés virados ao contrário, tendo os calcanhares para frente e os dedos para trás e que, mesmo não tendo lembrança nenhuma de suas origens, possuía uma magia capaz de criar ilusões poderosas e se comunicar com plantas e animais.

Vyk provavelmente estaria jogando no videogame que ganhou de Pete e não deve ter escutado o chamado. Cam devia estar pregando alguma peça em alguém ou divertindo as crianças com seu poder de auto-transmutação, mas Liam e Lucy nunca se atrasavam ou perdiam um chamado sequer, por serem soldados aplicados e responsáveis.

— Tem certeza de que enviou o sinal para todos, Pete?— perguntou Eileen depois de um tempo — Lucy e Liam não são de se atrasar.

— Tenho certeza sim — respondeu Pete, olhando novamente no sistema para confirmar o horário dos alertas enviados —, talvez eles estejam fora do alcance. Como não estavam em missão eu enviei o alerta de ondas curtas.

O barulho da lâmina da espada do mestre Kaghan sendo destravada na bainha, e a sua rápida movimentação ao se colocar em postura de ataque, interromperam o diálogo dos dois jovens e uma luz púrpura começou a se formar em uma das paredes da sala. A luz começou a se expandir em um círculo, sendo que de seu centro uma densa névoa negra saía.

— É um portal — Kaghan gritou, mantendo a mão na espada, prestes a desembainha-la caso precisasse —, fiquem em alerta!

— Por que os sensores de magia não funcionaram? — Pete perguntou sem entender.

— Finalmente algum de seus projetos deu errado — zombou Eillen —, não dá para acertar sempre, amigo!

— É uma magia desconhecida, jovens — disse o mestre Muscaliet —, não é dos caçadores e nem dos demônios!

— Engole essa, Leen! — disse Pete orgulhoso, retribuindo a zombaria — Eu sabia que os sensores não iriam falhar, só não reconhecem essa magia ainda, e não é nada que uma atualização não resolva.

— Deixem as brincadeiras para depois, jovens — ordenou Mestre Kaghan, enquanto concentrava-se para ter mais detalhes de quem ou o que vinha pelo portal. Pelo tempo que estava levando para se formar completamente e algo surgir dele, ou a entrada do portal era muito longe, ou a magia do manipulador do mesmo era fraca, mas o velho Muscaliet tinha muita experiência em magia para saber que não era a segunda opção —, agora apenas se preparem para lutar se precisar!

— SIM MESTRE! — responderam em uníssono e enquanto a jovem demônio sacava suas adagas e se escondia nas sombras, o Bargheist iniciava sua transformação de jovem nerd para cão negro gigante, triplicando de tamanho e ganhando músculos que causariam inveja em qualquer fisiculturista.

— Tudo bem crianças, podem relaxar! — Kaghan voltou a falar alguns minutos depois, enquanto embainhava a espada novamente e relaxava a postura — Eu reconheceria esse perfume de Don Juan de romance de época em qualquer lugar, mesmo vindo de um portal.

— Seu olfato é mesmo lendário, velhote — uma voz masculina disse, enquanto uma silhueta saía das sombras do portal -, mas não entendo essa sua implicância com o meu perfume!

— Hel! — Eileen gritou, saindo das sombras e indo em direção do recém chegado que saía lentamente do portal, mas se conteve ao ver que ele carregava alguém nos braços e logo atrás dele vinha outra pessoa — Quem são eles?

— Essa é a Nath — respondeu o vampiro, após sair completamente do portal. Em seus braços uma mulher jazia desacordada, ela era jovem e tinha pele morena, cabelos vermelhos e usava um vestido longo e estampado —, ela é uma Bruxa cigana que conheci no Brasil e o japa aqui atrás é o Hiroshi Shibata, ele é um Byakko. Depois eu os apresento melhor, ela se debilitou demais para nos trazer aqui e precisa descansar.

— Muito bem — disse Kaghan, vendo que a jovem precisava mesmo de cuidados —, vamos aguardar um pouco para fazermos essa reunião. Eileen e Pete, enquanto isso procurem os outros, esse atraso está muito estranho!

— Mestre Shibata — Kaghan continuou, agora se dirigindo ao Byakko que ainda não tinha se pronunciado — eu imagino que possa estar com fome. Venha comer algo e me contar sobre o Japão, faz muito tempo que não tenho notícias.

— Será uma grande honra! — Hiroshi respondeu e se curvou de forma solene em uma reverência.

Eles saíram da sala e enquanto Hellbram levava Nath para o quarto, os jovens foram procurar pelos companheiros atrasados e Kaghan e Shibata foram até o refeitório. Todos passaram pela ala dos quartos, e enquanto passavam em frente ao quarto de Aynne, algo fez com que o mestre Muscaliet parasse como se estivesse farejando algo.

Caminhando até a porta do quarto da Sìthiche, Kaghan a abriu e viu a jovem deitada na cama como se estivesse dormindo. Todos olharam perplexos quando ele pegou uma toalha em um cabide próximo a porta e, após fazer movimentos giratórios, a enrolou em si mesma e, como se ela fosse um chicote, golpeou com força a perna da menina em cima da cama com uma força que a fez pular e gritar assustada.

Eileen fez menção de avançar e perguntá-lo se ele estava louco, mas antes que fizesse isso foi interrompida por Hel que se colocou em sua frente. Estariam eles enlouquecendo? Por que eles bateriam na Aynne assim sem mais nem menos?

— Eu exijo explicações, seu pilantra — a jovem demônio ouviu o mestre dizer e viu o momento em que o corpo da jovem mudava de forma, se transformando em Cam, ou na imagem humana que ele havia escolhido para si —, onde está Aynne e por quê está no lugar dela?

— Eu po-posso explicar, me-mestre! — gaguejou o Doppelganger enquanto esfregava o lugar onde havia recebido a chicotada  — Deixa eu só me recompor, e...

— Tá bom, Mestre, tá bom! — Cam continuou, após o Muscaliet ameaçar outro golpe com a toalha — A Aynne me pediu para ajudá-la a sair para que pudesse provar sua inocência. Na verdade ela praticamente me obrigou, e o senhor sabe como aquela Sìthiche fica assustadora quando fica nervosa, então não tive escolha.

— Sempre haverá uma escolha, jovem tolo — Kaghan disse pausadamente, seguindo seus instintos de mestre que lhe incitavam a ensinar sempre —, e sempre haverão consequências também, com certeza você não pensou na enrascada em que ajudou ela a se meter.

— Imagino que o "casal-au-au" deve ter ido atrás dela — Hel disse com uma de suas famosas provocações aos lobisomens —, Afinal são ótimos cães de guarda.

— É realmente algo que eles fariam — disse Kaghan pensativo —, se vieram aqui para ver se ela estava bem, e sentiram o cheiro do Cam, eles não perderiam tempo perguntando. Além do mais, a especialidade deles é caçar.

— O que faremos, Mestre?  — Eileen perguntou alarmando-se ao se lembrar das armas que viu os vampiros pegarem dos caçadores — Se Aynne fugiu para provar a inocência, ela foi atrás dos vampiros e mesmo com a ajuda de Liam e Lucy, seria perigoso demais!

— Hel e eu iremos atrás deles! — o mestre respondeu de prontidão — Você e Pete contarão tudo para a Mãe, assim que ela terminar de recarregar, e levem esse doppelganger idiota para uma cela de onde não possa escapar até que a Mãe julgue o que faremos com ele.

— Peço licença para falar, mestre — o byakko se pronunciou, ajoelhando-se na frente do muscaliet em sinal de respeito, mantendo a cabeça baixa —, ofereço-me para ir junto nessa missão, sob o comando do lendário guerreiro lebre!

— Será uma honra tê-lo ao meu lado jovem mestre — respondeu Kaghan, vendo os risos abafado de todos os outros —, mas só deixo você vir se prometer nunca mais me chamar assim.

Enquanto o mestre seguiu com Hiroshi para fora e Pete levou Cam para uma sela, Eileen acompanhou o vampiro, que ainda estava com a jovem bruxa adormecida em seus braços e a levava para o seu quarto. O modo como Hel a segurava e a olhava, transmitia um carinho e uma preocupação acima do comum e a jovem demônio percebia nitidamente tudo isso.

— Ela te pegou de jeito, hein! — disse enquanto ele colocava Nath com todo cuidado na cama e a cobria.

— Está tão nítido assim? — perguntou ele, sem parar de olhar para a jovem de pele morena que dormia profundamente.

— Seus olhos estão brilhando de uma forma diferente — Eileen respondeu, se aproximando dele e colocando a mão em seu ombro —, e é ótimo te ver assim, amigo, é bom ver amor nascendo em meio ao caos.

— A questão é que tem um casal na frente na fila do romance — ele disse, enquanto sorria —, mas os dois são cabeças duras demais para perceber.

— Ainda não esqueceu dessa loucura de shippar Pete e eu né? — ela disse sorrindo, porém envergonhada — É melhor você ir logo, Aynne está em perigo.

— Bela esquiva — ele disse, após soltar uma gargalhada gostosa —, andou treinando, foi?

— Pode ir tranquilo, amigo — ela disse rindo também —, eu cuido da sua bruxinha linda para você e prometo não falar mal de você quando ele acordar.

— Olha só, nem parece uma capetinha! — ele disse, brincando com o modo como os humanos chamavam os demônios e dando-lhe um beijo na testa, saiu.

Enquanto o olhava sair, pensou em como ele estava radiante e diferente de antes de sair em missão e pensou em Pete, que era seu melhor amigo à tanto tempo. Ela com certeza tinha um grande carinho por ele a ponto de pensar nele durante as missões e momentos de perigo, mas não havia associado isso à sentimentos românticos, ou era resistente em associar. Será que o jovem bargheist tinha algum sentimento por ela além da amizade?

Tratou de afastar esses pensamentos e foi preparar algumas roupas para a jovem Nath, que com certeza iria querer tomar um banho e se trocar assim que acordasse.

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