1
Matt
Local desconhecido.
O que teria acontecido? Essa pergunta martelou em sua mente quando ele abriu os olhos lentamente. Uma dor latejante na cabeça o fez recuar, enquanto a luz que entrava pela janela quase o cegava, forçando-o a fechar os olhos novamente. Ao fundo, o som dos carros na rodovia misturava-se com vozes de pessoas, criando um tumulto alto que parecia ecoar em sua própria mente.
Uma variedade de odores invadiu suas narinas: gasolina, flores, colônias, animais em decomposição, excrementos; uma cacofonia aromática que, surpreendentemente, ele conseguia discernir com precisão, mesmo com toda a confusão que tomava a sua mente.
Tentando encontrar apoio, seus dedos exploraram o móvel de cabeceira, encontrando um par de óculos de sol. Ao colocá-los, finalmente pôde abrir os olhos e vislumbrar o que o cercava.
— Onde estou? — questionou, varrendo o quarto com o olhar. A resposta foi uma paisagem desconhecida à sua frente.
Será que tinha sido vítima de um "Boa noite, Cinderela"? Matt se lembrou dos casos que tinha visto falar nos jornais e sondou seu corpo, buscando sinais de agressão ou incisões que pudessem justificar sua mudança. No entanto, em vez disso, suas mãos encontraram músculos abdominais definidos que não estavam ali na noite anterior.
No lado oposto da cama, um espelho pendurado na parede capturou seu reflexo. Observou uma pele levemente empalidecida e músculos nos braços e pernas que nunca estiveram presentes antes.
Ao tentar mover as pernas para se erguer, percebeu que seu tornozelo estava acorrentado à cama. O esforço para escapar trouxe uma dor aguda, e os elos da corrente brilharam incandescentes. A dor o forçou a recuar, e ele se deixou afundar na cama, sentindo a corrente perder o brilho e a dor diminuir gradualmente.
Recobrando o fôlego, decidiu tentar mais uma vez. No entanto, logo percebeu que a corrente reagia à sua intenção, gerando uma resposta dolorosa.
— Deve ser um sonho — disse, agora em voz alta. Contudo, a agonia que sentia indicava o contrário. Fechou os olhos, buscando desesperadamente lembranças do que o trouxera a esse lugar. Tentou se concentrar, mas apenas flashes desconexos preencheram sua mente.
Vagarosamente, examinou o quarto em busca de pistas. Encontrou folhas de papel e um lápis no criado-mudo, próximo aos óculos. Enquanto observava o tornozelo acorrentado, pegou os objetos.
— Já que não tenho para onde ir... — ponderou, segurando o lápis e o papel. Cautelosamente, ajustou sua posição, evitando acionar as correntes novamente, e começou a rabiscar o papel com a destreza de um experiente artista.
A imagem emergente no papel era de um rosto feminino. A cada traço, sua beleza singular ganhava vida, como uma obra-prima em construção.
— Não sei quem és — disse, como se falasse com o retrato —, mas teu semblante domina minha mente neste momento.
Enquanto continuava a traçar linhas, o desenho revelou cabelos longos, um corpo robusto e atlético em uma pose guerreira, empunhando uma espada curta em cada mão. Uma armadura protegia suas curvas com graça.
— Como uma princesa guerreira de um conto de fantasia — acrescentou, admirando o detalhamento impressionante do desenho, cheio de jogo de luz e sombra —, quem és, afinal?
Estranho, pois sua memória fotográfica e percepção aguçada não registravam esse vazio. Ele usava essas habilidades para seu trabalho como artista itinerante, mas jamais se recordara de traços tão precisos e técnicas tão refinadas. A sensação de seus sentidos aguçados aumentava essa perplexidade.
— Estaria tua imagem ligada a este lugar? — perguntou, silenciando-se na esperança de respostas vindas de sua própria memória. No entanto, mais uma vez, o silêncio prevaleceu.
Mesmo com a dor forte na cabeça, ele tentou reorganizar as últimas coisas de que se lembrava. Recordou dos desenhos que fez em seu quarto, retratando sua família adotiva e os clientes da lanchonete. Enquanto isso parecia ter sido na noite anterior, também tinha a sensação de que fazia muito tempo. Lembrou-se também de ter entregado o envelope com os desenhos para Lilly, mas a dor em sua cabeça voltou.
Sentia como se o seu cérebro estivesse se expandindo, assim como aconteceu com seus músculos. Os barulhos diversos ainda incomodavam seus ouvidos, mas parecia estar se acostumando a eles. Assim que a dor diminuiu, outros fragmentos de memória começaram a surgir. Ele esteve na praça, vendendo sua arte, e a cidade cheia de turistas resultou em muita procura por seus trabalhos e, consequentemente, muito lucro.
O rosto desagradável do delinquente Billy Snake também surgiu, fazendo-o lembrar que foi cercado pela gangue em um dos becos próximos à lanchonete. A total escuridão tomou novamente seus pensamentos e ele soltou um suspiro frustrado. Será que foram os filhos da puta da gangue do Snake que o tinham prendido ali? Essa possibilidade até podia fazer sentido, já que o perseguiam por ele recusar fazer parte da gangue. Contudo, se fosse o caso, ele estaria muito machucado. O certo era que estava preso a uma corrente que agia de forma sobrenatural e seu corpo e sentidos estavam severamente potencializados, como se fosse cobaia de uma experiência científica.
Diante da amnésia persistente, ele pensou em forçar as correntes novamente, mas meramente esse pensamento fez com que os elos brilhassem. Deixando de lado o desenho por um instante, ajeitou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Talvez, se dormisse um pouco mais, suas memórias voltariam. No entanto, naquele momento, apenas a mulher do desenho povoava sua mente. Começou a visualizá-la em ação, enfrentando inimigos e derrotando-os implacavelmente com suas armas e magia.
Os analistas e psicólogos que havia consultado regularmente provavelmente diriam que aquela mulher era provavelmente uma personagem de algum filme, desenho ou livro que ele já tivesse visto ou lido. O fato de ele estar dando vida a ela em sua mente através da magia poderia estar ligado à experiência que estava vivenciando com as correntes. No entanto, e quanto a essas correntes mágicas que o mantinham preso ali? O que os especialistas, aqueles "putos donos da razão", diriam sobre elas? Ao abrir os olhos, ele riu da possibilidade dos analistas o verem nessa situação peculiar, e a sonolência começou a envolvê-lo novamente. Então, ele simplesmente os fechou mais uma vez e permitiu-se adormecer gradualmente.
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