C A P Í T U L O 13
Um começo para um fim
"Você está disposta a sacrificá-la para obter a sua redenção?"
O cerúleo de sua blusa acentuava o de seus olhos, tornando-os ainda mais serenos e límpidos. O rubor da juventude lhe aflorava à face, enquanto seus lábios carnudos descerravam-se em um sorriso tímido. Liz era graciosa de todas as formas, até mesmo quando estava envergonhada.
Minha imperdoável indiscrição a deixara assim. À medida que meus pensamentos vagavam em melindrosas lembranças, meus olhos não foram capazes de abandoná-la nem por um segundo. Em uma epifania da minha imaginação, foi possível vê-la ao lado dele. Este seria o arranjo mais lindo e fascinante e que se poderia existir.
― Podemos marcar uma reunião para daqui a uma semana, Sra. Skarsgard. Apresentarei os pré-projetos para que escolha, assim poderemos executá-los o quanto antes. Tudo bem, se fizermos assim? ― reverberou a voz grave com leve sotaque inglês.
Redirecionei minha atenção para o homem de sorriso gentil sentado à ponta da mesa.
― Me parece excelente. Mesmo dia e horário? ― indaguei.
― Liz? ― Ele a olhou expectante, e com uma rapidez desajeitada, ela folheou a agenda aberta sobre a mesa à sua frente.
― Sim, claro ― respondeu escrevendo algo em uma das folhas brancas. ― Está marcado.
Dediquei-lhes um sorriso satisfeito ao me levantar. Max Landon me acompanhou se colocando de pé de modo instantâneo.
― Mais uma vez, peço desculpas pela confusão com os horários na semana passada, garanto que não irá se repetir. É um enorme prazer para nós ter o Hospital Saint Hoshi'a como cliente. ― Segurei sua mão estendida para mim. ― Agradecemos a confiança, e não iremos decepcioná-la.
― Certamente que não irão. O prazer é meu. ― Com um fugaz aceno e um sorriso exultante, ele pediu para que Liz me acompanhasse até a saída, só então se retirou da sala.
Ela, que já se encontrava de pé, fechou apressadamente a agenda e uma pasta com alguns papéis desordenados. Segurando os dois objetos pressionados contra o corpo, elevou seus encantadores olhos azuis para mim em um estado de perceptível inquietação.
― Eu li o livro ― proferiu em um murmúrio.
Um sorriso instintivo apoderou-se de meus lábios.
― Que formidável! Gostaria de compartilhar comigo as suas impressões?
― Eu gostaria muito, tenho tantas dúvidas, mas não quero tomar o seu tempo. ― Sua inquietação fora substituída por um lampejo de melancolia.
Apoiando minha bolsa sobre a mesa, assegurei:
― Não possuo nenhum outro compromisso por agora.
Ela deu um sorriso acanhado levando uma mecha de cabelo para trás. Então caminhou até a porta, espiou lá fora e a fechou voltando-se para mim.
― De verdade, eu nem sei por onde começar. Quer dizer que as fadas podiam abrir um portal para um mundo paralelo? Por que não podem mais? Existe uma rainha imortal das fadas? E ela se casou mesmo com um vampiro? A minha avó nunca mencionou nada sobre isso, e eu ainda não consegui conversar com ela. ― Neste momento ela já tinha largado a pasta sobre a mesa, e encontrava-se andando de um lado a outro em um completo estado de euforia. ― Todo o caos foi provocado somente por três vampiros que antes eram humanos? Eu não entendo, eles se arrependeram? Eles são capazes de sentir compaixão? Por que mantiveram essa verdade escondida por tanto tempo? Tudo poderia ter sido tão diferente.
― Para tudo tem sua hora, minha querida. Meu desígnio ao lhe entregar o livro, era para que, além da verdade, você pudesse desmistificar a concepção que dispõe sobre vampiros. Julgo que tudo o que aconteceu fora de uma crueldade infinita, mas considere, três meros humanos receberam a imortalidade, e junto dela, poderes absolutos, muito além do que conseguiriam suportar. Tal circunstância inibiu qualquer consciência que pudessem ter, foi uma única e intensa casualidade que ocasionou marcas eternas.
Liz havia parado de andar, se mantinha inerte à minha frente, me observando com o semblante carregado de emoções conflitantes. Seu silêncio provocou uma sensação desconfortável, a qual me submeteu novamente às palavras para que não persistisse nenhuma dúvida.
― Devo lembrá-la que antes de qualquer transformação, vampiros um dia foram seres humanos, bruxas, lobisomens e até fadas. Decerto que ao se transformarem, abstraíram seus dons anteriores, dilatando assim, todos os sentidos e sentimentos. Perceba que o problema não é a falta desses sentimentos que os definem, mas sim, o excesso deles. Vampiros são intensos, marcados por um instinto extremista, e pela sede por sangue que, em seus primeiros anos, é quase incontrolável. Contudo, isso não os tornam criaturas desprezíveis, ou monstros sem emoções como os denominam. Não há razão para essa aversão tão infundada. Pode compreender?
Ela abriu a boca algumas vezes, até que emergiu de seu silêncio.
― Sim, entendo. Eu realmente entendo, mas, sabe, é complicado você passar a sua vida inteira acreditando em algo, e de repente as coisas perderem um pouco o sentido e quando você menos espera, uma verdade vem à tona levando toda a sua fundação, tudo o que você acreditava, a ruínas.
― Compreendo, e tal confusão é normal. Posso assegurar-lhe que logo os fatos se encaixarão e tudo ficará demasiadamente claro, então verá o quanto as noções anteriores eram insensatas. ― Dei um passo a frente, e segurei sua mão. ― Gostaria de conhecer Avigayil Na'amah? Possuo certeza de que ela poderá elucidar todas as suas dúvidas e anseios. ― Sua feição mudou para um completo assombro.
― Conhecer a bruxa imortal? ― indagou perplexa, seu tom um pouco mais alto do que o habitual.
Não pude evitar o riso que me aflorou.
― Essa mesma, ela estará em minha casa no sábado. Eu apreciaria que você, a sua avó e a sua mãe, se juntassem a nós para um almoço. Prometo que será agradável, o que me diz?
― Eu adoraria, Eleonora, mas preciso ver com a minha avó primeiro. Ela chega hoje, e eu não sei se ficará até sábado. De qualquer forma, ligo para confirmar, pode ser?
― Certamente que pode, querida.
Liz me acompanhou até a recepção, na qual nos despedimos com um abraço afável. Meu espírito transcendendo uma serenidade quase onírica dado a dubiedade do acaso que poderia suceder até a chegada do sábado. No entanto, a candura que ela sobrepôs à sua reação inicial, me trouxe uma sensação de alento, uma esperança de que tudo correria bem.
Meus pensamentos vagaram por minutos, horas, de modo que nem vi o tempo passar. A noite já havia caído, me presenteando com o aninho de minha casa. Após fechar o delicado chambre de seda, me dirigi às escadas, de modo lento, porém, resoluto, um degrau de cada vez.
Uma rajada de ar soprou vinda de uma das portas que porventura estaria aberta, obrigando a fina camada de tecido escorrido pelo mármore, dançar lentamente sob a meia-luz. O silêncio foi preenchido por uma melodiosa corrente de notas libertas pelo piano, que impregnava tudo com melancolia.
Na cozinha, completei tuas taça com sangue, então me deixei levar pela lamentosa canção até o salão de música. O cômodo se encontrava isento de luz artificial, sendo iluminado puramente pela luz da lua concedida através da porta envidraçada, integralmente aberta. Era a mesma fonte de onde provinha o vento revolto que fazia a renda cortinada se elevar e o meu chambre se debater contra o meu corpo.
Vincent se mantinha arqueado sobre o piano, inabalável, impenetrável, desprovido de qualquer remorso por fazer as paredes lamuriarem sua algia. Seus dedos incessantes diminuíam o ritmo à medida que eu me aproximava, até pararem por completo quando depositei as duas taças na cintilante peça de madeira negra.
― Querido, se soubesse que pararia de tocar em minha presença, teria apreciado a sua melodia no corredor. ― Com um sorriso triste em seus lindos lábios, ele pousou suas mãos em meus quadris me levando para perto de si. ― É tão raro vê-lo tocar, que mesmo que a canção clame tristeza, enche o meu coração de felicidade.
― Posso continuar, se assim deseja. A maior e mais digna de minhas missões, é fazê-la feliz. ― Sorrindo, passei meus dedos delicadamente sobre seus traços encantadores.
― Eu desejo, mas antes ― peguei as duas taças lhe entregando uma delas ―, uma saudação à esperança de que nosso esplendor absoluto está perto.
― Me traz boas notícias? ― Seus olhos fixaram-se nos meus em busca de qualquer hesitação.
― Não, precisamente. A falta delas é a causa de sua tristeza? ― Vincent suspirou de modo profundo e exausto. Elevando sua taça, tilintou contra a minha, só então sorveu um longo hausto.
― Sangue bruxo ― afirmou com um meio sorriso, parecendo surpreso.
― A ventura da noite pede algo ácido, porém, refrescante. ― Apoiando meus dedos em seu queixo, elevei seu rosto. O belo azul de seus olhos banhados em um enervante vermelho, que se adequava com alinho aos seus lábios molhados de sangue. Após envolvê-los em um beijo suave, me afastei. ― Me faria feliz se pudesse responder a minha pergunta.
Vincent abandonou sua taça sobre o piano.
― Meu desalento advém do Anton. Os eventos recentes têm me feito relembrar lastimáveis acontecimentos. ― Com as mãos livres, desfez o laço de meu chambre, para então apoiar sua cabeça sobre minha barriga desnuda. ― Um demasiado pesar está cravado em minha alma, Carissimi. Só queria ter percebido os primeiros sinais, eu poderia tê-lo ajudado de outra forma. ― Aninhei meus dedos entre seus cabelos sedosos.
― Suas atitudes se definiram no que acreditava ser o melhor para ele, querido. Quem ousará julgar um pai por querer bem seu filho?
― Ele. ― Seu hálito quente pesou sobre minha barriga, onde suas mãos se enterraram, seguindo para a minha cintura.
― Não pense assim. ― Mais uma vez, Vincent levou seus olhos de encontro aos meus.
― Percebi a sua escusa magistral no jantar quando perguntei sobre seu encontro com ele.
Contorci-me em minha hesitação. Não havia nada, o qual fosse verdade, que eu pudesse falar para deixá-lo contente. Seu ingênuo desejo, assim como o meu, era de que a notícia soasse ao nosso filho como os singelos ventos da primavera. Entretanto, anuíamos que nada que viesse do Anton poderia diferir de uma violenta e tenebrosa tempestade. Ainda preservadas em minha memória, seu singular desdém exaltado em uma atmosfera cáustica:
― Você está disposta a sacrificá-la para obter a sua redenção? Entende que não somos diferentes, Eleonora? Por mais que tente, o seu instinto vil sempre falará mais alto. ― Nenhuma de suas perfeitas linhas do rosto se moveram demonstrando qualquer vestígio de graça, mas era possível ver o desafio sardônico em seu olhar.
Levantando-me da faustosa poltrona, me dirigi à parede envidraçada.
― Só há uma coisa que incrimino mais do que a mim mesma. O tempo. É cruel o que ele fez conosco, principalmente, com você. ― Pousando a mão sobre minha barriga, me virei para ele. ― Você foi gerado aqui dentro com o mais puro e pleno amor, meu filho. Eu apreciaria que voltasse a me chamar de mãe.
Seu semblante impenetrável permitiu que uma de suas sobrancelhas se elevasse sutilmente, enquanto seus dedos tamborilavam de modo lento e irritadiço sobre o braço da poltrona. A impressão que me aflorava, era de que para ele, a conjuntura não parecia ser mais que um jogo mental para testar os meus limites.
― Creio que não é necessário lembrá-lo de que não será só a minha redenção, mas também a sua e a do seu pai. Faremos isso por nós, e pelas fadas. É de seu conhecimento a dívida que possuímos para com elas. Ademais, mencionar um sacrifício é um exagero desmedido.
― Entregá-la a mim, é o mesmo que entregá-la ao sacrifício, mas você sabe disso, apenas não se importa.
Suas ácidas palavras me corroeram durante o dia. Por mais que não revelassem verdade alguma, o modo como foram proferidas, as gravaram de um jeito doloroso em minha mente. Anton possuía o dom cruel de se utilizar dos detalhes mais significativos para a pessoa, de modo a fazê-la entrar em seu impiedoso jogo psíquico.
Ele possuía total compreensão de que sua opinião sobre mim como pessoa e, fundamentalmente, como mãe, me era relevante em demasia. Se utilizando disso, conseguiu me afetar como mais ninguém alcançaria. Esta minúcia, se revelada ao Vincent, tornaria tudo ainda mais conflitante.
― Nora, ele a ultrajou? Juro que se algo assim tiver acontecido...
― Nada aconteceu, querido ― o interrompi tocando seu rosto. ― Fique feliz, as últimas palavras dele foram: "Eu cumpro as minhas promessas, marque a data."
― Ele realmente proferiu tais palavras? ― questionou intrigado. Anuí com um aceno. ― Tenho certeza de que não foi tão fácil assim.
― Caso tivesse sido, deveríamos nos preocupar, pois não seria o nosso excêntrico filho. ― Abri um sorriso espirituoso para diminuir a sua inquietação, e após levantar minha taça em uma saudação, bebi um gole. ― Ele vai cumprir a parte dele, e é isso o que importa.
― Avigayil! ― Nos envolvemos em um fortunoso amplexo. ― Seja bem-vinda à minha casa.
― Agradeço, minha amiga.
― Judite, por favor, peça ao Sr. Torres que leve as malas para o quarto de hóspedes. Em seguida, eu apreciaria que nos trouxesse chá de Lótus. ― Lancei um olhar inquiridor para Avigayil, e ela sorriu em consentimento. De fato, eu não poderia esquecer sua fabulosa preferência para chás exóticos.
Envolvi meu braço ao dela, a guiando até o escritório.
― Fez boa viagem? Você disse dois dias, por este motivo, considerei que chegaria na terça-feira.
― Oh, sim, a viagem foi tranquila, mas já não posso dizer o mesmo sobre a minha ida ao Conselho de Aiden. ― Paramos em frente à porta do escritório, meu olhar apreensivo pousando em seu rosto em meio a uma crescente sensação de ansiedade. ― Não que tenha acontecido algo ruim, todavia, digamos que as coisas ficaram confusas por lá, motivo este que me fez demorar mais do que o planejado.
Abri a porta permitindo que ela entrasse primeiro.
― O que aconteceu? ― indaguei fechando a porta atrás de mim.
― Nada além do que eu já esperava que fosse acontecer. Entretanto, o infortúnio que envolveu aquelas fadas, foi de desolar o coração.
― Decerto, posso imaginar. ― Sentei-me no sofá ao seu lado.
― Contei toda história desde o começo, proferindo algumas partes copiosas vezes para que compreendessem. Suas versões eram tão deturpadas, que foi um desafio quase impossível fazê-los entender a magnitude de tudo o que aconteceu. ― Seus olhos cravaram-se no nada à sua frente, seu semblante intensamente pétreo. ― A única solução fora mostrar-lhes tudo, Nora. Sei que é a vida de vocês e lamento muito por isso.
― Não há motivo para lamentação, minha querida. Compreendo que se fez necessário. ― Pousei minha mão sobre seu braço, dedicando-lhe um sorriso casto. ― E quanto ao Contrato, como reagiram?
― De fato, esse foi o elemento mais complicado. Elucidei tudo sobre ele, incluindo o fato do nome da neta deles se revelado. Primeiro ficaram confusos, depois estarrecidos. Foi então que veio a negação quando realmente se deram conta do dever que vinha com o título dela.
Avigayil mantinha sua fronte elevada e pensativa, enquanto seus dedos brincavam com os anéis que sustentavam. Nenhum de seus traços antevia uma satisfatória anunciação, o que me provocara um suspiro profundo e desalentador.
― Não condescenderam.
― Não é encargo deles, condescenderem ou não. A decisão cabe somente a rainha das fadas. Louise clamou para que essa história fosse esquecida. Ela queria, de todas as formas, me fazer abandonar as minhas intenções. Todavia, lancei o ultimato, como mensageira dos Deuses e testemunha do Contrato de Destino, é de minha incumbência revelar tudo para Liz Aileen Irwin. E eu não descansarei até fazê-lo. Eles sabem que vim para cá para me encontrar com ela, mas Louise quis conversar com a neta antes de nos apresentar. Consenti, desde que somente eu pudesse revelar sobre o Contrato.
Me lançando um olhar sereno, sorriu.
― Não há com o que se preocupar, minha linda. Permaneci mais um dia por lá, porque não poderia deixá-los sem ter a certeza de que começaram a consentir com a ideia, e posso asseverar que é apenas uma questão de tempo. Eles sabem que o desígnio é sagrado e que está além de qualquer solução terrena. Logo perceberão que esta sentença é para o bem de todos, principalmente, deles.
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