Acertando as contas - @NataliaDonatto

Parei apenas por um instante para poder recuperar o fôlego. Em seguida, continuei a correr. Quem diria que eu estava correndo de um fantasma?

Isso mesmo, fantasma. E não era ninguém fantasiado, era realmente um fantasma. Como eu sabia? Não era a primeira vez que eu dava de cara com um, mas, era a primeira vez que eu fugia de um. E pensar que há poucos minutos era eu quem perseguia, e agora, estava sendo perseguida.

Havia chegado cedo na floresta, antes mesmo de escurecer, e desta vez eu não tinha intenção nenhuma de matar ninguém. Eu só queria ficar sozinha na noite de Halloween, e acampar na floresta, mas aí, quando o negro já havia tingido o céu e a clareira da floresta era iluminada apenas pela luz da lua, eu ouvi não muito longe de onde estava, gritos de socorro.

Sem nem pensar, peguei minha lanterna e meu revolver e conferi quantas balas tinham. Eu podia apostar que algum engraçadinho queria se aproveitar de alguma garota. E eu estava certa.

Embrenhei-me de volta pela floresta, atenta para ver se ouvia mais algum pedido de socorro. Ao me aproximar de uma grande árvore eu pude ver as sombras de duas pessoas, e conforme chegava mais perto, pude notar que era um casal e que o homem estava prendendo a garota contra a árvore, claramente contra a sua vontade.

A mulher usava uma fantasia de bruxinha, com um vestido bastante curto. O homem, vestia-se de vampiro, e era mais alto do que ela. Não pude deixar de pensar na falta de criatividade para as fantasias de ambos.

— Ficou se oferecendo, e agora não quer mais? — ele gritou para ela, enquanto tentava beijá-la a força.

Silenciosamente, cheguei perto o suficiente dos dois, que ainda não tinham notado a minha presença, apontei a arma para ele e disse:

— Deixa a moça em paz.

Ele parou e virou apenas a cabeça para e olhar, e quando viu a arma apontada em sua direção, ficou todo tenso e virou-se por completo para mim.

— Cal... calma aí, moça — gaguejou erguendo as mãos em sinal de rendição.

A garota me olhava com um misto de medo e agradecimento, mas ainda estava com as costas coladas na árvore e não se mexia.

— Você, pode ir — apontei com a cabeça para ela. — Se seguir por aquele lado — indiquei o caminho contrário ao que tinha feito —, em poucos minutos estará na rodovia. — Quanto a você — fitou o homem —, é melhor nem se mexer.

A garota não pensou duas vezes e saiu, seguindo o caminho que eu havia lhe indicado. Havia um posto de gasolina há 500 metros da saída da floresta, ela ficaria bem. Quanto ao nosso amiguinho ali...

— Você é um pedaço de merda, sabia? Não é porque a garota está com um vestido curto que ela quer que você tente fazer algo com ela.

— Mas ela...

— Calado! Eu não disse que você podia falar. — Sorri um sorriso diabólico. — Você agora vai morrer.

Apesar de eu ter impedido que ele fizesse algo contra a mulher, eu não sei se ele merecia morrer. Talvez ele só estivesse bêbado, e nem fosse uma pessoa tão ruim. Mas eu não conseguia apenas segurar a arma sem dispará-la. Ele estava bem na minha mira, e a vontade de matar, a vontade de tirar a vida dele apenas por tirar era tão grande...

Um barulho que eu não consegui identificar fez com que eu me desconcentrasse e neste momento o cara aproveitou e correu, indo pelo caminho que eu tinha feito para chegar até ali. Então, corri atrás dele.

Com a lanterna em uma mão e o revolver em outra, eu corria atrás dele. Ele tinha alguma vantagem de distância, mas parecia perdido, e isso o atrapalhava. Eu atirei uma vez e ele deu um pulo. Eu ri. Ele estava indo em direção a clareira, local onde eu estivera antes. Seria tão fácil matá-lo ali.

Mirei novamente a arma para atirar e foi aí que eu a senti ser puxada da minha mão com força, sendo atirada para o lado. O mesmo aconteceu com a lanterna. Eu parei abruptamente de correr, e foi quando o fantasma apareceu em minha frente. Era uma mulher, de cabelos negros e de corpo transparente de um modo que eu nunca havia visto antes.

Sim, eu já havia me deparado com fantasmas antes, e sim, eles eram reais. Aquele fantasma era real. Eu me abaixei inutilmente para recuperar minha arma, quando o fantasma tornou a jogá-la para o outro lado.

— Filha da mãe — esbravejei.

— Christie... — ela sussurrou meu nome, e aquilo causou arrepios por todo o meu corpo.

Sem sequer se mexer, aquela coisa transparente fez com que minha arma se erguesse e mirasse em minha direção. Eu sabia que ela ia atirar e mim, então, eu me virei e corri. Corri como se não houvesse amanhã, e não olhei para trás.

Nunca corri tanto em minha vida, e nem sabia por quanto tempo tinha corrido. Também não sabia onde exatamente eu estava, perdi a noção conforme corria, temendo pela minha própria vida.

Eu raramente sentia medo. Eu era uma assassina e já tinha lidado com todo o tipo de gente. Eu já tinha lidado também com fantasmas e sempre bem prevenida. Naquele momento eu estava sem nada e, se eu não corresse, eu com certeza teria morrido, e eu tenho amor a minha vida.

Avistei uma cabana não muito longe e soube que estava em uma das extremidades da floresta. Fui até ela. Eu sempre deixava algumas armas escondidas ali, pois sabia que ninguém as acharia. Ninguém nunca ia até aquele canto da floresta.

Entrei na cabana completamente sem iluminação. Fechei a porta atrás de mim, estiquei os braços, contei 7 passos largos e toquei o armário de madeira que ficava na sala. Abri uma das gavetas e tateei em busca da lanterna que sabia que estava lá. Acendi-a e pensei em ir até a cozinha em busca de uma de minhas armas reservas. Aquela cabana era uma espécie de arsenal para mim, e eu escondia ali tudo o que não podia manter em casa e tudo o que poderia me ajudar a me livrar daquele fantasma.

Quando ia me encaminhar para a cozinha, avistei um enorme buraco na parede em que ficava o armário. Eu me aproximei para ver melhor, tentando imaginar como um buraco daquele tamanho poderia aparecer ali. Levei minha mão até a parede e ao chegar perto do buraco, eu fui sugada para dentro dele. E tudo aconteceu muito rápido.

Eu me senti flutuar e tudo ao meu redor estava escuro. Não tive tempo para raciocinar direito, pois, em seguida, eu simplesmente apareci em uma festa de Halloween na clareira da floresta.

Cara, aquilo só podia ser um sonho muito, muito bizarro.

A clareira estava toda decorada, com tochas acesas, abóboras iluminadas, fantasminhas e bruxinhas penduradas pelas árvores. Uma mesa com diversos cupcakes personalizados e bebidas coloridas se encontrava bem no meio na clareira, e povoando o local, inúmeras pessoas trajando as mais variadas fantasias. Olhei para mim mesma, e notei que estava fantasiada de policial. Quanta ironia, uma assassina vestida de policial!

Resolvi me enturmar para saber se conhecia alguém e tentar entender o que estava acontecendo. Ao chegar perto de um homem fantasiado de Coringa, notei que o conhecia. Fora um dos primeiros que eu havia tirado a vida. Um homem de meia idade, um picareta, que havia roubado milhões de uma empresa. Saí de perto dele, mas ao olhar para o lado, me deparei com uma mulher alta e super magra, vestida de enfermeira, a qual eu também havia tirado a vida.

Balancei a cabeça e dei um passo para trás ao ver que todas aquelas pessoas olhavam em minha direção. Estudei os rostos, um a um, e não tive dúvidas. Aquela era uma festa com as pessoas que eu tinha matado.

— Isso não está acontecendo — murmurei.

— Está sim, Christie.

Virei-me ao ouvir meu nome e deixei um grito de espanto morrer na garganta quando vi a mesma fantasma que encontrara mais cedo.

— Você tirou muitas vidas, e está na hora de pagar.

Todos os presentes na festa fizeram um círculo a minha volta, e olhavam-me com muita atenção.

— Como assim? — Perguntei com a voz falhando.

— Você tirou vidas, agora, está na hora de tirarmos alguma coisa de você.

No instante seguinte, todos avançaram para cima de mim, e começaram a tirar tudo o que eu possuía. Primeiro foram as roupas e depois os acessórios que eu nem sabia que estava usando.

— Nunca se esqueça, Christie: quando você tira alguma coisa de alguém, algo também é tirado de você. Feliz Halloween!

Em seguida os meus cabelos foram arrancados, e um a um, os membros do meu corpo. Os meus olhos foram os últimos, e apesar de eu não poder mais ver, eu sabia que não havia restado nada de mim, e o mais bizarro era que eu não sentia dor alguma, eu não sentia absolutamente nada.

Aquele era o castigo por eu ter tirado tantas vidas, por ter me achado no direito de matar todas aquelas pessoas, fosse por trabalho ou por diversão. E a verdade era que eu não me arrependia de nada daquilo.

Senti algo perfurando meu peito, e aquela foi a última vez que eu senti alguma coisa.

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