PARTE I


São Luís, Maranhão.

02 de janeiro de 2010.


Taís sustentava o surto criativo por dois dias seguidos.

Sedenta de palavras, esfaimada de histórias, possuída pelo instinto desordenado que a obrigava a produzir numa velocidade capaz de fazer a máquina de costura automática de sua mãe comer poeira. Horas e horas ininterruptas de concentração, o suor descendo pela testa à medida que suas obras se constelavam nos arquivos do PC, desrespeitando os limites das leis trabalhistas e explorando de si mesma toda a dedicação possível numa cruel escravidão, limitando-se a beliscar alguns biscoitos e tomar fortes vitaminas naturais que a mãe lhe oferecia a cada meia hora, para "sustentar o saco vazio".

Até que:

— Oi, amor!

Ela afastou o celular do ouvido, estranhando tanto a doçura do Júlio quanto o tom grave de sua voz.

— Oi, eu...

— Você se alojou na casa de sua mãe, não mandou notícias, nunca está on-line e só agora consegui pegar seu celular ligado — ele resmungou.

— Peraí... Você passa o mês todo fora, e sou eu quem deve explicações?

— Mas eu disse que voltaria depois da virada do ano, não disse?

— Hein?

Taís se virou para o calendário na tela do notebook na inútil tentativa de se lembrar da data atual, mas logo ficou distraída com a página aberta do editor de textos.

— Ei, me desculpa! — ela murmurou. — É que estou "naqueles dias".

Discerniu um pigarro esquisito do outro lado da linha.

— O que isso tem a ver? — indagou ele. — Que eu saiba, não é contagioso.

— Não entendeu o que eu falei? Estou tendo um surto de criatividade!

Houve um intervalo breve, interrompido pelo Júlio:

— E você já tomou algum remédio para isso?

— Tá me acusando de doping?

Ele soltou uma gargalhada que a fez corar da cabeça aos pés.

— Amor, eu já tinha esquecido esse seu talento de entender errado as minhas piadas. Ah, desculpa! Quer dizer... esquece!

Taís desligou. O marido tinha uma voz estranha. Aliás, ele andava todo estranho ultimamente. Porém, arrependeu-se da brutalidade no tratamento com ele e, quando ia retornar a ligação, o celular tocou outra vez.

— O que é que você tem, Júlio? — inquiriu.

— Nada, está tudo bem.

— Não está, não!

— Eu juro! Acho que também estou tendo um surto criativo. Mas quanto àquele assunto, você precisa entender que se casou com um homem imperfeito e que nem sempre acertarei em tudo. Se eu pudesse, voltaria no tempo para consertar meus erros, mas você sabe que isso não é possível. Pelo menos ainda não.

***

Continue pelo Kindle e descubra o mistério por trás desse comportamento estranho do Júlio. 

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Obrigada a todos, e até a próxima! 

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