XI. O FUNERAL
Ainda estava escuro quando Peter saiu para dar uma caminhada. Não o fazia todos os dias, afinal, o frio da manhã nunca foi convidativo, porém era um dos poucos momentos que podia passear com sua cachorra, Sly, por entre os campos verdejantes e a lagoa de Lee’s Summit.
Se já era esquisito encontrar uma pessoa caminhando quando o sol ainda estava nascendo na cidade, era ainda mais anormal ver um homem alto e viril como o detetive passeando com uma maltês toda pomposa. Sky era pequenininha e antes pertencia a Olivia Bane, quando ela possuía tempo para se dedicar ao pet. Apesar da agenda corrida, nada na vida de Peter se comparava aos horários mirabolantes que a cirurgiã se impunha no trabalho. Faziam quatro anos que o detetive e a cadela dividiam a casa no subúrbio da cidade e desde então se tornaram melhores amigos. Sly era sua companheira, a quem ele dedicava afeto o suficiente para tentar aplacar a dor da saudade de ter a filha tão longe.
A voz de John Mayer tocou em seu fone de ouvido e Peter sorriu ao ouvir sua música favorita tocar tão cedo de manhã. O sol nascia e ele parou para beber um pouco de água para admirar aquele dia que se iniciara. O detetive havia dormido apenas quatro horas na última noite, mas o cansaço ainda não havia o derrubado. Ia ser um bom dia, ele constatou. Bane agachou-se e dividiu sua água com Sly enquanto acariciava o pelo branco de seu pet.
Então, seu celular tocou, atrapalhando um dos versos de Gravity, quando John Mayer pedia para deixá-lo onde a luz estivesse. Ele atendeu pouco prestando atenção com o nome que apareceu no celular; estava aleatório demais para se preocupar àquela jora da manhã.
— Detetive Bane, bom dia. Aqui é Cassandra Harriet da delegacia.
— Bom dia, Cassandra. Como vai? — disse Bane afável. — Precisa de alguma coisa?
— Detetive, creio que não tenho boas notícias — explicou Cassandra com sua voz aveludada, tentando ao máximo não despertar a ira de um superior. — Esta noite houve um vazamento no banheiro do primeiro andar do prédio e acabou destruindo o teto do seu escritório. Felizmente os policiais do turno noturno conseguiram salvar todos os documentos que estavam lá, mas não há com o senhor voltar para seu escritório. Sinto muito.
— Oh! — exclamou Peter coçando a cabeça — Eu posso lidar com isso, não se preocupe. Mais alguma coisa, Cassandra?
Peter pode escutar a mulher se remexer na cadeira e coçar a garganta de forma desconfortável antes de lhe dizer:
— O detetive Lawrence está pedindo para que o encontre em um cemitério de Kansas City para acompanhar o enterro dos Stuarts — disse ela. — Ele pede para que seja o mais rápido possível, para que não chegue atrasado.
— Mandarei o endereço por mensagem. — A voz do detetive Richard ecoou no outro lado da linha, fazendo a secretária repetir a informação mecanicamente.
Bane segurou um resmungo inconformado com o exibicionismo de seu colega. Por que incomodar Cassandra com uma coisa que apenas dois SMSs poderiam resolver?
Chamou Sly para seus braços e voltou para o carro. Despediu-se da calmaria com um pesar de saber que o resto do dia seria como atravessar uma grande avenida de sunga a sete graus abaixo de zero.
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O cemitério histórico de Kansas City estava mais cheio do que o costume naquela manhã ensolarada. Repleto de jornalistas, o local parecia mais uma premiere do último filme da Angelina Jolie do que um enterro. Ao chegar na porta, Peter pode vislumbrar seu parceiro narrando fatos que não respondiam nada para perguntas impertinentes dos repórteres. Ser discreto não era uma das qualidades do detetive Lawrence.
No entanto, toda a atenção voltada a Richard se tornou nefasta assim que a herdeira saiu do carro escoltada por dois seguranças e seu noivo. Vestida a caráter, Isabelle andava de cabeça baixa enquanto Elliot segurava-a pela cintura, a protegendo dos abutres à procura de um furo de reportagem.
A multidão gritava seu nome em diversos tons para chamar-lhe atenção, fazendo-a olhar para os lados perdida como um coelho que acabara de perceber que não poderia fugir do caçador. Peter pensou que ela iria entrar em colapso; as câmeras, os gritos e o empurra-empurra apenas ressaltaram a sensação de sufoco, fazendo-a andar para frente com passos largos, quase em uma corrida pela sua própria vida.
Então, no meio daqueles rostos desconhecidos, ela viu Peter. Parou subitamente e abriu a boca para regular sua respiração. Durou alguns segundos ininterruptos até que Elliot a guia-se para dentro onde os jornalistas não tinham autorização para transitar.
— O que foi isso? — indagou Lawrence com a testa franzida.
Não era um total idiota, afinal.
— Nada — disse Peter andando sem direcionar o olhar.
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A primeira coisa que Richard Lawrence constatou no funeral dos Stuarts era que os ricos, até mesmo em suas mortes, esbanjavam em luxo. Contudo, apesar de usar caixões banhados a ouro e serem enterrados em lugares de honraria, por dentro seus corpos apodreciam como qualquer outro.
Havia pequenos murmúrios desrespeitosos, choros descontrolados e um reverendo que tentava levantar alguma esperança, apesar de que, diante de uma tragédia como esta, a palavra parecia ter perdido o significado.
Já Peter, o detetive criança que lhe acompanhava, estava muito mais preocupado em encarar sem cerimônia os parentes dos mortos, em especial a herdeira, a qual mantinha-se em posição de mosca morta por todo tempo. Pessoas aproximavam-se dela com tapinhas, lhe diziam palavras vazias de bom ânimo e ela respondia com igual animação — isso quando seu noivo não respondia por ela. Lawrence desconfiava de todo aquele circo, achando que diante de tais circunstâncias era tudo muito orquestrado.
Peter deveria estar prestando atenção naqueles que receberam intimação ainda na manhã daquele dia e que logo mais apareceriam na delegacia para dar seu depoimento. Deveria fincar seus olhos no que acontecia entre as rodas de conversas daqueles que passavam sob o caixão fechado, ignorando rudemente o reverendo que falava sobre a justiça de Deus. Peter deveria muita coisa, todavia seu dever não ganhou atenção o suficiente para que desviasse do comportamento dos Stuarts que estavam vivos.
Para Bane, Isabelle estava em choque ainda para poder estar ali tão perto dos corpos sem vida de sua família. E Elliot parecia o único que entendera isso ao pedir que não se aproximasse mais da noiva e respeitassem seu luto.
Elliot Russel poderia passar uma imagem de homem de gelo, mas sua carcaça fria não foi suficiente para que Peter não observa-se os olhos vermelhos e a coriza de quem desejava chorar, mas não podia diante de tanta pressão; os óculos escuros foram apenas um charme para esconder o ser humano que Russel era. Foi o que mais interessou o detetive, afinal, eram os Stuarts algo mais do que sogros para o homem?
Assim que o reverendo pediu para que prosseguisse a cerimônia, já que a rouquidão não o deixava falar por mais nenhum segundo, que o homem de gelo derreteu-se ao encarar o caixão lacrado de seu antigo chefe ser coberto pela terra. Enquanto a filha mais nova de Chad Stuart fitava a cena de forma aturdida, algumas lágrimas molharam o rosto inexpressivo de seu noivo. Dificilmente diria que ele estava chorando diante da forma que trincava seu maxilar. Era o aprendiz que não havia aprendido com seu mestre a dizer adeus.
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Isabelle encarava o espelho do banheiro do salão dos Stuarts há longos minutos desde que lavara a face. O rosto ainda estava molhado e ela pode encarar as sardas de seu nariz e as manchas escuras de seu queixo, quando tinha um péssimo hábito de mexer em suas espinhas. Naquele dia não usava maquiagem. Ela sentia-se adormecida em um pesadelo infinito onde não podia se esconder nas cobertas de seu irmão à noite.
Ela estava sozinha.
Sozinha.
Pulo de susto, assustada com o som externo da voz que soou no banheiro. Ou seria sua mente pregando-lhe peças?
Uma enxaqueca atingiu-lhe e ela sentiu como seus miolos saíssem da cabeça. Com as mãos tremendo de dor, abriu a bolsa que sempre carregava para pegar a cápsula de remédio. Então, encarou o desenho da cerquilha marcado na mão direita. E a mente, que estava em branco, lembrou-se da dor de ter a carne dilacerada enquanto escutava o som aterrorizador das palavras que a ameaçavam.
Não fale.
No entanto, apesar do aviso de sua mente, um grito estridente saiu de sua garganta.
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N/a:
Tarde, mas cheguei. Depois de um mês de férias, aparentemente esqueci de me organizar para tirar um tempo para revisar o capítulo e publicá-lo. My bad.
O que estão achando de Confidente? Tem alguma ideia de quem está envolvido com a morte dos Stuarts? E tem algo a pensar sobre a relação de Peter em toda essa historia?
Comentem! Sua opinião é super importante.
Quero avisar que a partir dessa semana as atualizações ocorreram a cada quinze dias. Então, o próximo capítulo só sairá da próxima segunda a oito.
Só isso. Até mais!
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