11. DE VAMPIRO E LOBO
Ambelle
"Você não está feliz?" Mama sorriu confusa para mim.
A encarei por alguns segundos, pensando cuidadosamente na minha resposta. A verdade é que eu já não sabia de mais nada, tudo o que eu sempre quis de repente me pareceu um fardo, e tal coisa me deixaria presa a alguém que eu não queria.
"Hãn..." comecei, mas tudo o que consegui foi ficar abrindo e fechando a boca como um peixe fora d'água.
Descubra o que quer falar e fale de uma só vez!, minha consciência impaciente não foi de grande utilidade.
"O que foi Ambelle?" Mama me puxou, fazendo nós duas nos acomodarmos nas almofadas felpudas largadas no chão da tenda. "Você não está parecendo... você, ultimamente."
Uma risada sufocada saiu de mim, isso era ridículo, mas era verdade. Não sei como ou quando aconteceu, mas tudo se complicou de uma hora para outra e eu estava completamente à deriva num mar turbulento de confusão.
Não sabia quando tinha me perdido, mas tinha acontecido.
"Eu não sei." Disse com sinceridade. "Só estou confusa."
"Confusa com o que?" Ela incentivou. "E isso é tão importante que tira seu foco do casamento?"
Depois das palavras de Freyja eu queria ficar sozinha, mas mães têm um time estranho. Elas sempre aparecem para que sua vontade nunca se concretize.
Você vive agarrada às saias de sua mama, - o pensamento tomou minha mente. Richard tinha mesmo razão.
"Não sei se Richard é mesmo o que eu quero." Falei.
Ela riu.
"Você mal o conhece, eu sei que agora pode não parecer a melhor opção, o clã dele tem um ritmo diferente do nosso, vai ser difícil adaptar-se. Mas quando estiver casada, vai esquecer tudo isso." Garantiu.
"Não acho que ele seja o que eu preciso." contei. Queria que ela visse além mas não podia esperar tanto. Ela só arrumou os fios caídos do meu cabelo.
"Você vai entender um dia que tudo na vida é uma questão de força de vontade."
"Espero que esteja certa." Eu disse por fim.
Não podia contrariar uma decisão dos meus pais. Nunca. Honre teu pai e tua mãe, isso nos era ensinado mesmo antes de nascermos, opor-se a uma decisão deles seria... vergonhoso.
"As mães sabem das coisas." Ela segurou meu queixo fazendo com que meus olhos encontrassem os seus.
Então ela sorriu antes de beijar a ponta do meu nariz.
📌
O sinal soou não muito longe de onde eu estava, mas não me importei, estava terminando as últimas tarefas do dia enquanto os raios laranjas e rosa no céu se tornavam azulados.
O pingente pesava entre meus seios cada vez que eu pensava na mulher do rio ou no que havia do outro lado da ravina.
Me senti presa mentalmente. Isso nunca aconteceu antes, eu nunca tive preocupação nenhuma, nada era um motivo para me deixar confusa ou pensante demais. Nunca levei nada a sério o suficiente para me importar.
Quando o céu escureceu ainda mais foi que notei os gritos, minha primeira reação foi ficar paralisada. O que estava acontecendo?
Largando as mantas recém dobradas dentro de um cesto caído corri até o local onde a fogueira já deveria está queimando. Tudo estava tomado pelo caos, homens entravam na floresta armados, outros berravam ordens, algumas das mulheres choravam e eu fiquei sem saber o que fazer.
"O que está acontecendo?" Perguntei para ninguém em especial. Senti meu braço ser agarrado, minha primeira reação foi me afastar mas o aperto se tornou mais firme.
"Você deve ficar quieta dentro da sua tenda." Richard falou, seu rosto estava contraído numa carranca, balancei a cabeça confusa.
"Por quê?"
"Porque sim Ambelle." Ele me guiou até a tenda, colocando a mão na base da minha coluna me deu um leve empurrão me fazendo andar para dentro.
Meu coração estava apertado, algo estava errado. E a preocupação disso me fez ignorar a completa grosseria de Richard.
Não sabia quanto tempo havia se passado até que as ordens berradas se tornassem apenas choros sussurrados, mas ainda assim sai da tenda e caminhei em busca das outras mulheres que ficaram. A tenda de Cloe e Namu era a única que parecia abrigar alguém, luz saia através das mantas que balançavam com o vento.
O sopro do vento até aquele instante morno de repente tornou-se gelado fazendo-me estremecer dos pés a cabeça. Meu pingente pela milésima vez em um pouquíssimo espaço de tempo queimando.
Entrei na tenda para encontrar todo o amontoado de mulheres lá ao redor de uma Cloe extremamente pálida.
MORTA. Não, é impossível. Não importa que ela esteja tão pálida quanto a areia de uma praia sob a luz da lua, não importa que ela pareça não respirar mais, não importa que a vida pareça ter a deixado completamente, não importa...
Não havia como completar minha linha de pensamentos graças ao barulho que silenciou tudo em sua cabeça. Ou o rugido que saiu da minha boca quando me lancei sobre o corpo miúdo largado sobre as almofadas.
Espinhos de horror e pesar pareciam rasgar meu corpo, quebrar meu coração. Não podia ser real.
"Oh Cloe," as lágrimas embaçaram minha visão, minha garganta parecia ter se fechado. Abracei o corpo que agora parecia tão frágil me balançando para frente e para trás sem nem ao menos notar. "O que fizeram com você?"
Uma única lágrima solitária caiu ao me lembrar do bebê. Ela estava tão animada sobre isso, nós estávamos. Não fazia nem duas horas que eu a tinha visto sorrir e agora...
Braços quentes me envolveram mas ao invés de me tirar de lá a pessoa me abraçou. O cheiro familiar e reconfortante de Freyja só meu fez chorar mais.
"Talon a encontrou na floresta," a voz de Freyja nunca me pareceu tão frágil antes. Tão quebrada. "Ela ainda estava consciente quando ele a trouxe, ela disse... ela disse..."
"Que foi mordida." Mistik foi quem completou. "Por um vampiro. Mesmo se não tivesse perdido muito sangue o veneno..."
"Ela não deveria ter ficado sozinha. " a voz de Freyja não carregava só tristeza e luto, estava cheia de culpa, mesmo que nada disso fosse culpa dela.
O sol já havia nascido a muito tempo quando os primeiros homens voltaram. Eles pareciam estar esgotados e também decepcionados, aos poucos as mulheres foram saindo da tenda até só restar nos três.
Cloe, Freyja e eu.
"Você precisa ir dormir." Freyja murmurou.
"Você também," apontei. Ela riu sem humor, mas logo se aproximou de mim sentando-se ao meu lado, nos apoiamos uma na outra e ficamos ali, sem falar mais nada.
O som de passos me fez erguer os olhos por um breve instante encontrando os olhos cansados e desolados de Namu, Talon ao seu lado o cabelo estava bagunçado, cheio de pequenas folhas. Ele se concentrou totalmente em mim quando falou.
"Eu lamento." Suas palavras pareciam sinceras, porém o único efeito que tiveram em mim foi despertar toda a minha raiva que até ali estava oculta pelo pesar.
"Você deveria nos proteger!" Gritei, eu já estava de pé bem próxima a ele, um dedo apontado para seu peito o acusando.
Ele não negou, não se afastou, apenas olhou para os próprios pés. Parecia culpado, mas também magoado.
"Não foi para isso que nos trouxe para perto da sua tribo?" Perguntei seca. "Onde estava quando fizeram isso com ela?"
Ele me olhou mas não respondeu.
"Achou o culpado?" Perguntei, ele continuou calado. Balancei a cabeça de um lado para o outro, um bolo de sentimentos que eu não sabia identificar apertavam meu coração. "Você é inútil!"
Dei-lhe as costas, me arrependi do que eu disse assim que processei minhas palavras mas não pedi desculpas. Fechei os olhos respirando fundo, esperei que ele fosse embora imediatamente mas ao invés disso fui agarrada e quando abri os olhos estava ao lado de Freyja com Talon a nossa frente, seu corpo tremia incontrolável um rosnado rasgava seu peito.
A curiosidade me tomou me afastei um pouco para ver o que tinha gerado toda essa explosão feroz, um misto de horror e fascinação tomou conta de mim ao ver o homem parado do outro lado da tenda.
Sua pele branca, os olhos mais azuis que eu já tinha visto na minha vida nem ao menos pareciam reais, sua mão estava fechada em punho, mas ele não parecia estar prestes a atacar.
"Eu vim levá-la." Ele disse simplesmente apontando para Cloe.
Namu avançou e socou o rosto esculpido do visitante que momentos antes estava sendo caçado por todo o clã. Freyja estava imóvel, não se mexeu nem um centímetro.
"Você só pode está de brincadeira." Talon riu sem humor avançando um passo também. "Eu vou matá-lo."
O vampiro riu, o soco de Namu não fez sequer cambalear.
"E o que vão fazer quando ela acordar? Matá-la também? Ou vão matar um dos seus para alimentá-la e deixá-la mansa?!" O vampiro ergueu a sobrancelha com ironia e divertimento.
"Isso com certeza não é da sua conta." Disse Namu mas apesar da fúria e do luto, ouvir acordar fez esperança brilhar em seus olhos.
O vampiro olhou o homem derrotado com simpatia. "Posso vê o quanto a ama. Lamento a sua perda. Os jovens vampiros do meu pai são imaturos e imprevisíveis."
Ainda assim Talon rosnou.
"Me diga animal, o que você faria se houvesse a mínima possibilidade de matarem sua companheira?" Ele perguntou com um sorriso afiado.
Talon deu um passo para o lado atrapalhando a minha visão. O vampiro riu.
"Eu apenas não resisti a tentação, acho que você pode entender o que digo. Se não houvesse aparecido ela nem ao menos estaria aqui."
O vampiro avançou pegando Cloe como se ela não tivesse peso algum, Talon se transformou.
"Deixe-o levá-la." Me surpreendi ao ouvir a voz de Namu.
Minha própria voz sussurrou um protesto e ao sentir os pelos de Talon entre meus dedos enquanto eu o parava, ou tentava pelo menos.
Freyja olhou para mim confusa e Namu um tanto raivosa.
"Cloe merece a melhor chance que puder ter." Aquela era a voz de um homem derrotado.
"Não quero sentir medo de Cloe se ela acordar com uma vampira." Expliquei para Freyja. "E se Cloe ainda for ela mesma, não quero vê seu sofrimento ao ser rejeitada pelos clãs. E principalmente não quero vê-la sendo morta por Talon."
"Hunf," O vampiro bufou com um discreto sorriso. "Pelo visto as fêmeas humanas são os seres mais inteligentes por aqui."
Namu não olhou para Cloe nos braços do vampiro e eu quando pisquei já não havia mais ninguém ali.
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