15. Vilão


Um ano e meio antes do acordo.

JUNGKOOK


— Vai demorar hoje, Gookie? — As mãos pequenas de Jieun envolveram minha cintura, as pontas dos dedos lutando para se encontrar do outro lado. Adorava o modo como ela escolhia as cores de suas unhas sempre intercalando entre amarelo, lilás, rosa e azul para cada uma.

Era engraçado como ela sempre parecia ainda menor usando minhas camisetas, quando acordava assim, despenteada e alerta e corria para fechar as janelas que Taehyung acabou abrindo pela manhã, antes de sair. Pela hora, ele já estava no treino e ela, outra vez, acabou dormindo aqui depois de revisar matérias com ele até muito tarde.

E eu estava de pé, ao lado da cama, assistindo sua movimentação quando seus braços se encontraram na frente do meu corpo e sua cabeça repousou em minhas costas.

— Tenho duas turmas hoje, mas vou fazer de tudo pra chegar mais cedo... — falei e ela sorriu, fazendo o tecido da minha camiseta tremer. — O que quer fazer hoje? Ir ao cinema ou jantar fora?

— Totalmente ir ao cinema e jantar fora. — ela respondeu, dando a volta por baixo de meu cotovelo e se erguendo por cima dos meus pés para me dar um beijo.

— Vamos assistir Stars Wars, certo? — perguntei e ela concordou com a cabeça.

— Você é linda, sabia disso?

— Uhum. — ela falou, ainda de olhos fechados.

— Deveríamos chamar o Taehyung pra vir com a gente — comecei — ele anda tão distante esses dias, isso me preocupa... — Jieun caminhou até a cama, em silêncio.

— Ele te disse algo? — perguntei e ela negou. Os dois costumavam passar um bom tempo juntos, focados no estudo. Jieun sempre foi uma excelente mentora.

— Acho que se esqueceu completamente do Trio. — Nós nos chamávamos assim desde o ensino médio, o trio. Taehyung, Jieun e eu, inseparáveis. Tínhamos marcado nossos nomes em uma árvore ao lado da escola, nosso lugar favorito no mundo. Unindo nossas vidas em Busan. Taehyung foi o primeiro e único amigo que tive por tanto tempo até Jieun surgir, como uma aparição, naquela escola. Nos aproximando quase que instantaneamente.

Jieun estava no ensino médio e parecia tão madura com seus brincos de estrelas e seus anéis místicos, enquanto eu ainda estava me desapegando dos brinquedos e perdendo o interesse em desenhos animados e videogames, tentando entender direito como funcionava a vida; me peguei encantado demais por ela: uma menina que, aos meus olhos, era um pouco mais mulher que as outras. Com seu cabelo negro infinito e longo que me fazia ter vontade de venerá-la como um tipo de divindade.

E nunca soube o que Jieun viu em mim, não sei o que ela encontrou de especial em meu coração, mas me sentia invencível quando ela me amava.

Ela foi a primeira em tudo: meu primeiro amor, meu primeiro beijo, minha primeira vez, ocupava um posto que era único e dela, de garota que havia me ajudado a ser o homem que era agora.

Mesmo odiando quando eu a chamava de noona, dizia que entregaria sua idade, embora a fenda de tempo que nos separava não passasse de dois anos. Pra mim, ela era Jie.

Minha Jie.

— Eu vou passar no clube de esportes antes de ir ao dorm e o convido — ela falou — Mas se ele não quiser, é melhor não insistir. Talvez ele só esteja cansado e temos que respeitar isso.

— Talvez ele esteja gostando de alguém... — comentei e Jieun desviou o olhar para as revistas em quadrinhos enfileiradas no armário.

Calcei minhas meias enquanto ela trançava o cabelo. Adorava o modo como ela deixava trancinhas finas espalhadas por entre os fios. Já tinha me acostumado com seu cabelo escuro e liso escorrendo por cima de meu travesseiro, as trancinhas com seus penduricalhos bonitinhos e o seu cheiro familiar de amêndoas doces, como uma descrição do prefácio de um romance famoso, nos meus lençóis.

Tocá-la me deixava no Céu, sempre foi assim.

— Tá bom, só espero que ele esteja bem. — falei e ela sentou ao meu lado na cama enquanto eu checava as horas no relógio de pulso — Vou sair agora antes que me atrase mais ainda, toma cuidado na hora de ir pro dormitório, ok? Olha se o Jun-su ainda tá por aí antes de cair fora, por mais que ele faça vista grossa, não quero que você se prejudique.

— Ok. — ela concordou, me dando um beijinho no rosto. — Boa aula, Gookie.

Olhei para Jieun uma última vez, estirada sobre os lençóis de minha cama, folheando uma revista em quadrinhos, enquanto o Sol invadia as fendas da persiana e tocava seu rosto. Algumas horas depois daquela cena, que em outro momento só me faria sentir amor, me lembraria para sempre, como um constante aviso, de que ela nunca, em momento algum, foi minha.

Tudo sobre aquele dia tinha um potencial destrutivo para dar errado; um atraso no metrô, duas aulas perdidas no trabalho, um celular esquecido sobre a mesa de cabeceira, um incômodo profundo no peito.

É engraçado como a porra do destino te indica tudo, todos os detalhes minuciosos em avisos gritantes que você nunca quer tomar como verdade, você nunca quer ver a verdade até se deparar com ela, nua e crua, gritando diante de seus olhos: você perdeu. Você sabe que perdeu.

Parecia que tudo me guiava de volta para casa.

Abri a porta do dormitório e retirei os sapatos, o tênis de treino de Taehyung ainda estava largado na mesma posição, assim como os chinelos cor-de-rosa minúsculos de Jieun também estavam ali.

Reconstituo o lugar como o cenário de um crime: as luzes apagadas, uma música tocando, minha camiseta largada ao lado da porta do banheiro junto a roupa íntima de Jieun, a voz dela, doce, ecoando por cima das letras de uma canção tocando baixo, o cheiro de suor e sexo. As informações juntas apontavam para o resultado que tentei negar a todo custo.

Me aproximei da cama até entender que se tratava de Jie, enlaçada em Taehyung, por baixo do corpo dele, os calcanhares ao redor de seu quadril, as unhas coloridas e as pontas de seus dedos delicados, fincados na pele do meu melhor amigo. Acendi as luzes para espantar o pesadelo. Só poderia se tratar de um. Tinha que ser.

Os olhos de Taehyung me encontraram com tanto espanto que em algum momento pensei que seu rosto iniciaria um processo de dissolução. As expressões de prazer de Jieun morreram no susto, sua voz gritando no fundo de minha mente, no despertar do meu pesadelo lúcido e só queria silenciá-la dentro de mim. Só queria a porra do silêncio outra vez.

Minha primeira reação foi escapar, sair do quarto, caminhar porta afora, mesmo que sem rumo, sem saber para onde ir. Nenhum lugar parecia certo.

Taehyung me alcançou no caminho, ainda vestindo as peças de roupa, pedindo para que tivesse um pouco de calma. Tinha que existir uma explicação para aquilo tudo, queria que existisse uma realidade alternativa que não envolvesse o óbvio, que eu só estivesse delirando.

— Jungkook, me escuta, eu juro que posso te explicar tudo, toda a verdade! Só me escuta. — ele falou, me segurando pelos ombros. Sentia o cheiro de Jieun nele. As marcas dos beijos ao redor do pescoço. Beijos que pensei que eram só para mim.

Meu estômago estava revirado.

— Por que logo ela, Taehyung? Por que logo ela? De todas as garotas que existem no mundo, por quê justamente a Jieun?! — Nem conseguia enxergar seu rosto com clareza, as lágrimas turvando completamente minha visão.

— Porque ela era a única que eu queria.

Os lapsos de memórias voltam, mesmo que nunca lembre com tanta exatidão dos borrões que aquele dia se tornaram depois daquilo.

O primeiro soco fez sua cabeça tombar para trás e então voltar, seguido de outro, que o fez deslizar no chão do corredor, tentando amparar meus braços com uma das mãos, sua tentativa de defesa que deixou uma marca permanente em meu rosto. Teria Taehyung e o símbolo de sua traição marcado em mim por toda a vida.

Desferi mais socos nele do que minha capacidade física me permitia, até ouvir a voz de Jieun gritando ao longe. Um desvio momentâneo e outro soco, dessa vez, no meu olho esquerdo.

Outro soco e Taehyung não se moveu, o sangue na minha mão e o rosto assustado de Jung-su, pedindo ajuda a um veterano para me tirar dali foram tudo que consegui identificar.

— O que você fez, Jungkook? O que você fez, uh?

Lembro das escadas e de como corri até elas, tão cego pelos meus próprios sentimentos que poderia cair e afundar em meu próprio abismo, vasculhando meu inferno particular e preso a ele.

Vomitei assim que cruzei o gramado, parecia que estava colocando as entranhas para fora. Um parasita não identificado em meu corpo.

Rastejando de joelhos até ter forças para correr outra vez para longe.

Tudo aquilo que me fez ficar enojado. Parecia que os sinais, agora, faziam mais sentido do que nunca: as embalagens de preservativos que continuavam surgindo inexplicavelmente na lixeira do dorm, a distância sem resposta de Taehyung, o modo como os dois se comunicavam mesmo em silêncio. Me peguei pensando sobre a possibilidade daquilo ter acontecido infinitas outras vezes até mesmo enquanto eu estava ali, adormecido e seguro e os dois viravam madrugadas estudando. Eu era um otário. Eu era mesmo a porra de um otário.

Sai perdido pelo campus, atravessando as ruas de Hoegi-dong, ao lado das lojas de conveniência, descalço e com os pés fodidos pelo asfalto morno.

— Ei, você precisa de ajuda? Garoto, ei! — Uma senhora me puxou pela camiseta, me forçando a dar um passo atrás e cair de joelhos na calçada.

A quantidade de pessoas ao meu redor, me perguntando coisas que não era capaz de responder, crescia gradativamente à medida que erguia o rosto na tentativa de dizer algo. Até uma feição familiar surgir no meio delas.

— Sunbaenim?! O que aconteceu? — a garota começou — Você é o Jungkook-Sunbae, não é? — Lembrava dela muito bem, Heejin era uma caloura, tinha sido mentor dela nos primeiros meses de curso.

Fiz que sim com a cabeça.

— Minha nossa. — ela sussurrou — Tudo bem, tudo bem, ele está comigo. Vou levá-lo de volta para a faculdade.

Lembro de sua mão agarrada à minha na enfermaria do Campus, vozes de um ambiente seguro, uma seringa azul injetada na veia e acordei doze horas depois, com alguns pontos na bochecha e a feição preocupada de mamãe ao conversar com o chefe do departamento do curso alguns passos à frente da cama. Continuei de olhos fechados, evitando ser pego.

— Seu filho terá sorte se alguma outra faculdade aceitá-lo, ele agrediu gravemente um aluno, um aluno só não, um atleta do alto escalão da universidade. É inevitável que a Corte assuma a responsabilidade a partir daqui.

— O senhor ao menos sabe o que aconteceu? Meu filho passou por uma situação emocional difícil de lidar, isso deveria ser levado em consideração. Esse atleta que o senhor citou também infringiu as regras de convivência.

— Senhora, essas são características de um surto psicótico, converse com o psiquiatra que está analisando seu filho. Pode se considerar sortuda se ele tiver a oportunidade de continuar aqui, muito provavelmente ele terá duas opções: ou fará um tratamento para que controlar o temperamento desajustado dele ou pode se preparar para um futuro como atendente de conveniência! — ele falou, antes de caminhar até a porta, girando a maçaneta — Quando ele acordar, peça que assine os documentos que a Corte Universitária solicitou e reze para continuar fazendo parte do corpo discente desta Universidade, neste momento, é tudo que pode ser feito. E passar bem, sra. Jeon!

A porta bateu de forma estrondosa, fazendo os vidros das janelas da enfermaria tremerem. Mamãe estava chorando, tinha o rosto escondido entre as mãos.

— Mãe? Ei...

— Eu vim o mais rápido que pude, docinho. Como está se sentindo? — ela perguntou, esfregando o dorso da mão contra o nariz, caminhando até a ponta da cama para tocar meus cabelos. Não precisei dizer mais nada. Em menos de vinte e quatro horas, tinha perdido tudo: Jieun, Taehyung e uma parte de tudo que  sempre acreditei que fosse verdade.

Só consegui chorar.


🔱


Abri os olhos e encarei o teto do quarto até ele começar, lentamente, a perder o sentido.

Meu corpo dava sinais de exaustão pelas duas noites seguidas de insônia, o mesmo processo de revirar de um lado para o outro sem conseguir dormir por mais de uma hora, acordando sempre assustado e alerta. A fenda da porta do dorm ainda estava entulhada de bilhetes maldosos e preservativos enfiados nas laterais com avisos pouco amigáveis, a mentalidade dos caras da Kyung Hee ainda era essa: agir feito um bando de babacas paus-no-cu, sem nada melhor para se preocupar e eu continuava com a sensação paranóica de vigilância, como se sentisse que alguém invadiria o lugar com algum intuito bizarro.

Quando voltei para cá, noite passada, afastei os papéis picotados e os pacotes de camisinhas acumulados na soleira, largando os sapatos no caminho e me enfiando nas cobertas.

Ainda tinha o cheiro de Eleanor impregnado ao tecido de minhas roupas, o gosto dela na boca, as palavras fixadas em loop no fundo de minha mente. Gostaria de voltar atrás e dar o que ela tanto desejava: a chance de nunca ter me conhecido. Sua frase surtiu o efeito necessário, teve ênfase. Não foi da boca pra fora. Mas só queria que ela soubesse que não tive o intuito de ter trazido nenhum dos meus danos para a vida dela. Não queria ter causado tudo que causei. Nunca quis.

Choi estava certo quando disse o que disse, de alguma forma, trouxe luz para as correntes que arrastava comigo para onde fosse: eu sempre acabava ferrando quem se aproximava demais. Foi assim com Jieun, foi assim com Taehyung, foi assim com Kang e agora, com Eleanor.

Eu era nocivo. Acho que essa é a palavra correta para mim. Completamente tóxico.

Os remédios que há mais de um ano não tinham utilidade, escondidos no fundo de uma gaveta no banheiro, pareceram mais tentadores do que nunca. Talvez silenciar os ruídos na minha cabeça, anestesiar meu coração e dormir por algumas horas, só para esquecer os últimos dias, me fizesse algum bem, mas estou deitado aqui há tanto tempo que não sinto vontade de me mover, muito menos abandonar a cama, mesmo que já tenha passado das sete da manhã e tudo que tenha feito no processo do passar das horas tenha sido analisar cautelosamente tudo que havia feito até aqui.

A resposta era clara. Tinha fodido com tudo e fodia com todo mundo. Toda vez.

Me afastar foi a única alternativa que encontrei para tentar amenizar todo o estrago que minha presença causou. Tudo que acabei trazendo de ruim para a vida dela, como um mau presságio. Sabia que continuar aqui, só deixaria tudo pior. Talvez Eleanor não entendesse isso agora ou talvez não entendesse nunca, mas fiz o melhor que pude para garantir que ela ficaria bem. Eu a amava muito para colocá-la nessa porra de barco furado que entrei.

Com o meu afastamento da faculdade, aos poucos, os boatos morreriam sem ter alguém para alimentá-los. Sem nós dois juntos por aí não deixando as pessoas esquecerem.

Eu seria esse tipo de cara que tá pouco se fodendo para o que todo mundo pensa ou fala ao meu respeito, se fosse necessário. Tive que aprender a me impor para sobreviver por aqui. Mas Eleanor não tinha nenhuma culpa nisso tudo, nem sobre o que fiz antes, nem sobre o agora e não merecia essa porra de rótulo como um fantasma assombrando seu presente e futuro.

É um puta clichê de merda, eu sei, mas não tinha para onde correr quando sei que eu fui o motivador, com meus problemas, meus erros e minhas más escolhas. De alguma forma sentia que esse momento iria chegar. Que o Jungkook fodido de sempre voltaria para tomar o seu posto.

Verifico as notificações no celular que estava no modo silencioso, quando estico a mão para alcançá-lo na mesa de cabeceira, a quantidade de chamadas perdidas de Yoongi me assusta, são mais de dezessete e já imagino o pior, porque era a única certeza que tinha ultimamente.

Retorno a ligação e antes da segunda chamada, ele entende.

— Onde você tá?

— No dormitório.

— Tô indo aí!

— Não precisa, hyung. Eu quero ficar sozinho hoje.

— Não tô pedindo sua permissão, já tô chegando.

Sei que Yoongi temia que o que aconteceu antes, se repetisse. Quando os remédios pareceram minha única e definitiva saída e ponderei a possibilidade de tomá-los de uma única vez, em um punhado, porque nem mesmo o efeito de uma pílula azul, como promessa de felicidade descendo garganta adentro, pareceu resolver o meu problema.

Ele foi o único por perto naquela época conturbada, quando ninguém mais queria minha presença. O meu desespero era só para me encontrar de novo quando meus sentimentos estavam tão confusos, fazer com que as vozes gritando dentro da minha cabeça pelo menos, em algum momento, fossem silenciadas e me deixassem pensar outra vez. Analisar alguma alternativa menos dolorosa.

Me sentia traído, mas também me sentia culpado. De alguma forma, sempre imaginei que tudo que aconteceu foi resultado das minhas escolhas de merda, da minha falta de experiência, de tudo que não consegui ser para Jieun.

A carta dela, com um pedido de desculpas que justificava tudo que havia feito com a ideia de que eu acabava deixando-a muito solta na relação e Taehyung, como um grande filho da puta que era, sempre estava ali quando necessário. Isso me fez rever tudo, reafirmou minha convicção de inutilidade, me fez absorver a perspectiva dela, da faculdade, dos pais de Kim e entender que talvez eu realmente fosse o único responsável pela série de acontecimentos que se desencadearam depois daquilo.

Existiam muitas lacunas que queria preencher a todo custo com respostas que nunca tive, de perguntas que nunca quis fazer a Jie com medo das respostas, na nossa última conversa ou em sua tentativa de um retorno, naquele dia, quando Eleanor nos flagrou no meio de um beijo inesperado.

Me pergunto, o que Jieun esperava com aquilo?! Que um beijo pudesse resolver todas as pendências e colocar cada parte quebrada em seu devido lugar?! Que me faria esquecer a porra do momento que entrei naquele quarto enquanto ela e Taehyung fodiam sem se preocupar com mais nada?! Ou que a faculdade inteira esqueceria as ideias de merda que todos sempre têm sobre mim?!

Um beijo. A carta. A ideia de uma reconciliação. Nada disso resolveria porra nenhuma pra mim. Mas ao contrário de Jieun, Taehyung não quis se explicar. Não com a verdade incontestável de que ele tava comendo minha namorada em outras ocasiões também, provavelmente enquanto eu dormia, bem ali, na cama ao lado. Mas com suas desculpas fodidas de "não foi minha intenção". O caralho!

Se ele ao menos tivesse sido sincero comigo sobre tudo, dito com todas as letras que estava interessado em Jieun, por mais que isso tivesse acabado comigo, ainda era a verdade. Só a verdade. Não a porra de uma desculpa fodida para tentar consertar as coisas.

Parece que todos esses arquivos anexados dentro da minha cabeça retornam a superfície acessível de dados e vasculho de um a um, reabrindo as velhas feridas. Me dando conta de que todo avanço que pensei ter feito para longe de todas essas merdas do passado, na verdade, nunca existiu.

Há tanto tempo não me sentia em paz.

Eleanor foi a única que me deu um pouco disso nesse tempo. Tudo nela parecia me anestesiar da vida, correr pelas minhas veias com uma doçura que nunca experimentei antes.

Seu cheiro, sua voz, seu beijo, o seu toque. Sentia que Eleanor me enxergava além do que todo mundo deduzia com alguns rumores filhos da puta e eu sabia que no fim das contas, doeria pra caralho se ela percebesse que existia algum tipo de verdade em tudo aquilo que diziam sobre mim.

Na história dela, eu acabaria sendo só um vilão. Nunca me encaixaria muito bem na descrição do seu mocinho, do tipo perfeito que ela merecia. Aquele era o papel que sempre me cabia: foder com as expectativas de alguém.

Espero que um dia me perdoe por tudo isso, Eleanor. Me perdoe por fazer isso com você, por mexer com sua cabeça, com seu coração, por ter chegado assim na sua vida, causando estragos.  Estarei longe o suficiente agora, você está segura. 

Minha visão está completamente turva de lágrimas de novo. Porra. Eu sou patético.

O bip na porta me obriga a sentar na cama e então, lá está Yoongi. Deixo uma lágrima escapar e limpo com o dorso da mão, respirando fundo outra vez.

Ele está usando sua camiseta do Pink Floyd e com um copo de café, que ele estende em minha direção e alcanço sem sequer olhá-lo.

— Você tá péssimo. — ele diz, sentando ao meu lado na cama.

— É, eu sei.

— Vem, vamo tomar nosso café em outro lugar... — Yoongi começa, pegando seu copo e um pacote marrom com a marca da cafeteria. — Trouxe rosquinhas pra não precisar comer a sua. — ele ri, passando a mão em meu cabelo. — Vamo, você precisa tomar um pouquinho de Sol com esse hyung aqui.

Sei que só estava fazendo seu papel de bom amigo para levantar o meu ânimo, mas nem mesmo seu esforço estava conseguindo me ajudar a sair do meu limbo de autopiedade.

— Não tô muito afim de sair, hyung.

— Não foi uma pergunta, anda, calça logo esses tênis e vem.

— Hyung, por favor.

— Jungkook, anda logo!

Olhei meu rosto no espelho ao lado do armário e assenti.

Ok.

Não adiantava lutar contra Yoongi, sabia que era uma batalha perdida.


🔱


O campo está vazio naquele horário, quando Yoongi e eu subimos alguns degraus até a parte gradeada e com cadeiras vazias.

Apoio os pés contra a parte superior do banco frontal e dou um gole do café, deixando que a quentura, aos poucos, acordasse o meu corpo. Estava frio pra cacete e ao longe, a neve que cobria uma parte do gramado estava sendo removida com ajuda de uma máquina.

— Então, você falou com a Eleanor sobre o que estava sentindo? — Yoongi pergunta, esticando as rosquinhas recheadas para mim. Não comia nada há mais de 16 horas e estava começando a ficar tonto. Mesmo que não estivesse com apetite, sabia que desmaiar aqui e fazer Yoongi me carregar escada abaixo não era uma boa ideia. Enfiei a mão na embalagem e escolhi um sabor na sorte

— É, meio que isso... — respondi, mordendo a rosquinha. — Nós terminamos.

Yoongi para por um instante e me olha, mesmo que não queira olhá-lo de volta. Acabaria chorando. Sentia que tudo me levaria a chorar descontroladamente.

Terminar era um eufemismo do caralho, sabia bem disso.

Tinha me fragmentado em milhões de pedaços pelos ares na última noite, e um deles havia atingido Eleanor, bem no coração.

— Como assim?! Você vai lá pra falar dos seus sentimentos e do nada, vocês terminam?!

— A questão é que decidi ir de uma vez para o Japão, — começo — Me afastar dela talvez seja melhor.

— Como é? Por que isso agora? — Sua postura muda completamente.

— Eu sou nocivo pra ela, hyung, sou tóxico para qualquer um... Só me dei conta disso tarde demais.

— Ah, não. Não me diga que você deixou aquele velho chupa-bola de atleta entrar na sua cabeça de novo. — Yoongi respirou fundo, largando a rosquinha pela metade de volta na embalagem. Mesmo que não tivesse dito nada, era dedutível pelo rumo da reunião que tive no dia anterior, que Choi estava envolvido nisso.

— Ele não está errado e mesmo se estivesse, nada muda o fato de que tudo isso só acabou acontecendo por minha causa. Só causei problemas pra todo mundo.

— Ah, pela cabeça do meu caralho, Jeon Jungkook! Você está se escutando? Você vai abrir mão da garota que você ama e que também te adora, em nome de algo que nem é culpa sua?! — Yoongi diz e paro por um segundo, apoiado o copo de café na cadeira ao lado.

— Relações precisam bem mais do que só amor para funcionar. Só amor não conserta as cagadas que fiz. Nem anulam o mal que trouxe pra ela. Não resetam os meus erros. Não é um jogo, hyung. Não dá pra voltar atrás.

— Você não é culpado pela porra do erro do Taehyung, nem pela merda do vídeo no fórum, nem pela Jieun ter sido uma traidora. Muito menos pelo efeito manada que isso tudo causou. Você foi vítima, Jungkook. Consegue entender isso. Vítima.

— Eu tenho culpa nisso também, sei lá, me sinto tóxico. Parece que todas essas coisas só me abriram os olhos sobre tudo que aconteceu antes, eu só... me sinto péssimo. — falei, coçando a nuca. Meu corpo inteiro estava dolorido, parecia ter forçado meus músculos ao máximo.

— E acha que se afastar vai resolver as coisas? Você acha que isso vai te fazer esquecer a Eleanor magicamente? Ou fazer com que ela simplesmente te esqueça?! Aqui ou lá, seu coração vai junto!

— Sei que não vai, mas entre ir ou ficar por perto, prefiro ir. Ficar aqui sem poder tê-la pra mim é um castigo, cruzar o corredor e não pode me aproximar, nem beijá-la de novo, ou sei lá, lidar com o fato de que ela em algum momento irá deduzir que só trouxe essas coisas ruins para perto. Eu morreria um pouquinho todo dia sabendo que só causei um mal desnecessário.

Yoongi continua em estado de negação. Balançando a cabeça de um lado para o outro como se quisesse me pegar pelos ombros e me chacoalhar.

— Ainda acho que essa não é a solução, você vai deixá-la sozinha aqui quando ela mais precisa de você. Desculpe, mas me parece um pensamento egoísta. — Yoongi rebate, tão irritado que não entendo qual é o ponto. Conhecia bem Yoongi para perceber que sua irritabilidade partia de um lugar que não permitia que ele se exaltasse, mas conseguia ler bem os sinais claros de sua presença.

— Não quero ser um cuzão narcisista se é isso que você tá insinuando, só quero vê-la bem, é a única coisa que quero. Acha que gosto disso? — digo e ele fica em silêncio, bebericando o café. — Acha que queria mesmo isso?

— Você não tá enxergando as coisas com clareza, eu entendo o seu lado, não existe alternativa fácil, mas você não está sendo totalmente honesto consigo mesmo, muito menos lógico. — O comentário me irrita ao ponto de me fazer levantar e me preparar para ir embora.

— Ok, você me trouxe aqui para terminar de pisar no meu pescoço?!

— Oh, calma aí, eu só tô sendo honesto com você como alguém que te ama muito e só quer te ver feliz. — Meus nervos estão à flor da pele, das duas uma, ou eu começaria a chorar ali mesmo ou iria embora antes que todo meu autocontrole fosse para a puta que pariu.

— Hyung, eu só... eu só quero que entenda o quão difícil é estar na minha pele. Nada disso foi simples pra mim. Não tô tentando livrar o meu cu enquanto a Eleanor lida com tudo. Não é isso!

— Eu sei! Mas por que você tem que abrir mão da sua felicidade em nome do que qualquer um acha? É a sua vida. Daqui a 40 anos ninguém mais vai lembrar quem você foi ou com quem você trepou ou deixou de trepar segundo um boato patético de fórum, mas você pode ter deixado alguém que te ama de verdade escapar para sempre, e o que isso vai te custar?

As palavras de Yoongi são como um soco no estômago. Uma joelhada nas bolas. Não tenho respostas e prefiro não tê-las, não sei se seria uma boa ideia agora.

— Ok, eu já vou — digo, caminhando até a escadaria. — Obrigado pelo café.

— Jungkook, espera! Ei, espera! Você tá chateado? — ele grita, enquanto caminho para a base que liga o corredor até a saída. — Você não pode ficar com raiva só porque te falei a verdade. Você gostando ou não, ela vai continuar existindo. Jungkook? Tá me ouvindo?

Meu nome se dissipa no ar quando cruzo as grades e caminho de volta até o prédio do dorm. A movimentação parece ter aumentado na última meia hora, os olhares e silêncios constrangedores que surgem quando apareço por perto já nem me causavam estranheza.

Aperto o botão do elevador e aguardo, enquanto dois garotos que riam de alguma piadinha interna ficam em total silêncio quando me aproximo.

As portas de metal escovado se abrem e dou um passo para dentro, mas nenhum dos dois me acompanha.

Que se fodam então!

Evito olhar meu reflexo mais do que o necessário no espelho do elevador. A ideia desde cedo parecia insuportável. Só queria tomar um banho, beber uma cerveja e deixar que o álcool me desligasse. Se é que até mesmo ele conseguiria me tombar na proporção necessária.

Quando chego ao meu andar, avisto um cara sentado perto da minha porta: reconheço primeiro o par de sapatos esportivos e em seguida, o símbolo do time de baseball em um uniforme com o 95 pintado em destaque no braço esquerdo. As costas coladas à porta do meu quarto, os joelhos dobrados e as mãos atadas ao redor deles.

Puta que pariu.

Aquele era um sinal de  que estava em um estado avançado de alucinação ou o quê? 

 Quando me aproximo um pouco mais para ver melhor, a dúvida evapora. 

É Taehyung que está ali. 

— Ei, tava te esperando... — ele começa. — Podemos conversar?





Feliz CCEGsário! 


Queria agradecer pelo carinho de vocês nesse último aniversário de CCEG, eu nem sei explicar o quanto foi especial e importante pra mim.  Obrigada, obrigada, obrigada, eu amo vocês DEMAIS. DEMAIS. DEMAIS.

Quero agradecer pela espera para o novo capítulo e caso vocês queiram comentar sobre, a tag de CCEG é #ClaCCEG lá no Twitter, se sintam a vontade para ir ou não, sem pressão! HAHA.

Peço desculpas por qualquer eventual errinho que passou despercebido, a autora "é a bichona mesmo" que escreve e revisa, então algumas coisas passam pelo meu olhar e nem percebo, por mais cuidado que eu tenha.

Ansioses para essa conversa entre Kim e Jungkook? 

Não esqueçam que eu amo vocês.

S.

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