08. Alinhamentos cósmicos, iCarly e Ziggy Stardust.
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É engraçado como as coisas tomam um rumo particularmente interessante no meio da nossa conversa quando ainda estou distraída demais pensando em como o encontro com Taehyung havia sido infinitamente melhor do que eu poderia imaginar e Trine está sentada bem ali, na minha frente, reclamando sobre as suas notas na droga do site da faculdade.
Pela cara de Hoseok, provavelmente estou sorrindo como uma idiota, mas a verdade é que não consigo me desvencilhar daquele pensamento, nem parar de pensar sobre a maneira como Kim segurou minha mão quando as luzes se apagaram, em uma das sessões da exposição, quando estávamos vendo um alinhamento cósmico raro feito com tintas de todas as cores.
Suas mãos eram bonitas, grandes e macias, em algum momento imaginei como seria beijar a ponta dos seus dedos ou descobrir se eles também tinham um cheiro gostoso de calêndula como Taehyung inteiro parecia ter. Algo nele me lembrava minha chegada a Busan, o jardim de vovó em Rhiannon e a mesma sensação de um efeito confortável e gostoso de lar.
Na volta pra casa, vesti sua jaqueta e me senti uma cidadã do seu mundo, como se naquele momento ele fosse o universo inteiro e eu apenas uma estrela minúscula perdida nele. Taehyung entendia de arte, cinema e música, gostava de esportes e ainda assim, mantinha notas excelentes, não era tão vaidoso e fútil como descreviam, era risonho e divertido. Um tipo raro de garoto que provavelmente foi feito sob encomenda, um único e particularmente especial no mundo.
Senti vontade de beijá-lo tantas vezes que parecia maluquice quando lembrava daquilo, estava meio bêbada talvez, tinha tomado duas cervejas e meia para me livrar do sentimento estranho de culpa que perdeu força depois de algumas horas.
Beijá-lo seria errado, eu sabia disso. Mas puta merda, como eu queria.
Caminhamos no silêncio da rua principal da faculdade enquanto ele cantarolava Chet Baker, como um tipo de sonho que ainda não tinha me dado conta se era ou não verdadeiro, que ainda não tinha tomado forma na minha realidade, uma cena refeita na minha cabeça tantas vezes que parecia maluquice imaginar que ele havia me notado naquela realidade. Taehyung havia dito o meu nome. Me chamado para sair. Se em algum multiverso eu fosse sua namorada, queria pedir que fosse neste em que estou agora, observando Trine e Hoseok brigando com um computador da biblioteca na base do soco enquanto eu continuava pensando sobre as melhores horas do meu ano até agora.
— Você tá com gases, Nonô? — É a voz de Hoseok que me puxa pra fora das lembranças da daquela noite, da maneira mais extrema e truculenta possível. — Tá com cara de quem tá com gases! Quer que eu te compre uma água com gás?
Nem mesmo suas piadas inocentes conseguem tirar o meu bom humor, nem mesmo as reclamações de Trine, nem mesmo Jungkook e sua facilidade de me levar de 0 à 100 em minutos me deixaria fora daquele estado de euforia gratuita.
— Você não tá vendo que ela tá sob o efeito Kim — Trine diz, antes de bater com força contra o teclado do computador da biblioteca, olhando ao redor pra checar se algum dos monitores pé-no-saco não estão por ali.
— Pra mim só parecem gases mesmo! — Hoseok diz, deslizando um pouco na cadeira azul ao lado de Trine.
— Mas então, já que você conseguiu sua grande chance, o acordo com o Tsunderezão vai acabar? — Hobi pergunta, baixando um pouco o tom de voz.
— Não, meus pais o convidaram pra Condecoração do River, acredita? — começo — E ele disse que iria, tô realmente de saco cheio disso, mas ainda bem que você vai. Acho que seria estranho se não fosse. — Trine balança a cabeça, fazendo sua franjinha chacoalhar.
— Esse garoto vai acabar se apaixonando por você, escuta o que tô dizendo — ela diz, antes de bater o punho com força contra o computador, outra vez. Computador 0 x Trine 1.
— Que? Não! Para de viajar, Christine! Você e o Hoseok estão obcecados com isso, eu hein?! — rebato — e fique sabendo que ele não deu a mínima pro meu encontro com o Kim, ele realmente não tá nem aí... — Aquele assunto de alguma forma, silenciosamente, era um grande incômodo.
Talvez porque depois do nosso beijo, as coisas tenham ido de um nível a outro tão rápido que não soube processar direito, mas a verdade era que esperava qualquer reação de Jungkook, até mesmo uma congratulação forçada, mas não indiferença. Indiferença era pior que qualquer outra coisa. Qualquer uma delas.
Já fazia mais de uma semana que ele não enviava seus "bom dias" costumeiros, nem me perguntava quais eram os meus planos para a manhã, ou qualquer outra coisa típica e boba que diariamente fazia, cumprindo seu papel de não-namorado.
Tinha sentido falta, mesmo que de uma forma estranha.
Havia notado sua ausência e lamentado em segredo, porque não daria aquele gostinho. Talvez ele estivesse pensando que depois de tudo, era necessário algum tipo de espaço, de distância natural que nos protegeria de qualquer atitude impensada outra vez. Não que eu estivesse pensando sobre a possibilidade daquilo acontecer de novo. Não. Nope. Nyet. Aniyo.
— O jeito que ele te olha, eu não sei não. — Hobi diz, trocando olhares com Trine.
— Naquele dia na biblioteca, vocês tavam quase se lambendo no meio dos livros de Sociologia — ele continua.
— Não teve nada disso, Hobi! Puro exagero! E vamo parar com essa conversa, por favor? Eu não me sinto confortável com isso.
— Ok! — Os dois respondem quase simultaneamente e continuam sibilando coisas um pro outro.
— Posso ver as boquinhas de vocês mexendo, sabia?
A verdade era que ainda não tinha me curado completamente de tudo que havíamos feito, parecia que cada vez que a mera menção do aconteceu na festa vinha à tona, uma espécie de gatilho era automaticamente acionado, causando aquela sensação de pura ansiedade que se alastrava pelo meu estômago.
Beijar Jungkook havia sido excepcionalmente bom, mas aquela parecia uma lembrança perigosa demais para revisitar constantemente, tentava evitá-la a todo custo. Atribuía aquilo ao período sabático de beijos em que fui forçada a ficar nos últimos anos, ignorando o garoto do Halloween há dois anos e o beijo com gosto de joelho que havia dado em Hoseok uma vez, em um jogo estúpido com Trine, em uma noite de tédio no dormitório.
A coisa mais broxante que havia feito naqueles vinte e dois anos. Até agora.
Ainda imaginava no que tudo aquilo teria acabado se não tivesse pedido a Jungkook que fosse embora para seu dormitório.
Será que teria tido coragem de ir até o fim?
De qualquer maneira, precisava focar na festa de Halloween que aconteceria naquela quinta-feira, ajudar Jungkook a encontrar um terno para a condecoração de River no fim de semana e manter meu juízo a salvo no meio daquela quantidade fodida de coisas a serem feitas em um tempo curto e maluco, mas naquele momento eu só quero esquecer um pouquinho o mundo e pensar em Taehyung sorrindo bonito pra mim do outro lado de uma luz azulada na exposição do seu amigo, nas suas mãos macias e grandes e nos seus braços bonitos que poderiam me envolver caso ele quisesse. Caberia dentro do universo dele quantas vezes fosse possível. Um infinito delas, se pudesse.
Eu era mesmo uma completa idiota por ele.
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Ainda estou debruçada na quantidade ridícula de páginas daquele artigo sobre o Controle de Informação Midiática dentro do Jornalismo em uma quinta-feira à tarde, apenas algumas horas antes de uma festa de Halloween, quando Trine invade o quarto fazendo tanto barulho que é impossível não notá-la.
— Você viu minha maleta de tintas faciais? — Ela está de pé por cima da sua própria cama, jogando pra trás todo tipo de bagunça empilhada na prateleira.
— Eu tenho certeza que as vi por aqui. — Está usando um vestidinho de verão com estampas de caveirinhas mexicanas e está com o cabelo amarrado como um nó no alto da cabeça, alguns sinais que só evidenciavam uma coisa: certamente tá aprontando alguma.
— Acho que a última vez que você usou essas tintas foi pra fazer um rostinho de palhaço no Hobi enquanto ele dormia, não? — eu começo. — Lembro que tinha algumas na segunda gaveta do armário.
Trine salta da cama e se ajoelha ao lado do pequeno armário, comemorando quando encontra as tintas bem ali e deixando um beijinho no meu rosto antes de correr pra porta outra vez, e só então noto que ela está sem sapatos, correndo por aí como uma maluca descalça.
— Ei, o que você tá fazendo? — pergunto, pouco tempo antes dela cruzar a porta segurando suas tintas com uma única mão.
— Mais tarde você vai saber! — Ela sorri, colocando os potes de tinta por dentro do sutiã.
Talvez seja aquela atitude tão ridiculamente óbvia que me faça pensar em uma série de teorias que não fazem sentido, começando no fato de que se tratava Trine e se tinha algo que ela realmente sabia, era surpreender.
Se estivesse em uma comédia romântica, Trine seria definitivamente a amiga maluquinha, desbocada e feliz que sempre tem uma maneira sutil e leve de enxergar a vida, sempre apoiando a protagonista. Na vida real, Trine era tudo isso, adicionando mais algumas características bem peculiares sobre ela e sua facilidade de entender o universo. Era particularmente apaixonada por ele.
Talvez no filme da sua vida eu fosse a figurante que aparece no canto da tela, no meio de uma conversa importa ou de uma cena que antecede o beijo, lá nos fundos, ao tempo de ninguém notar, talvez notem sim, porque seria capaz de tropeçar e cair, me tornando viral em algum site de vídeos da internet.
Bom, a vida não era justa e tinha, definitivamente, certeza de que a família Greene tinha um pé-no-circo, isso poderia justificar a quantidade de bostas e comportamentos vergonhosos continuávamos e continuávamos reproduzindo de geração em geração. Obrigada mãe, pai.
Ok, pensar naquilo só fazia com que me sentisse culpada e estúpida em boa parte do tempo.
Jungkook continuava desaparecido, sem deixar nenhuma mensagem de texto, uma ligação ocasional ou um "olá" no fim das aulas, atitudes que havíamos estipulado como necessárias no meio de um acordo que aos poucos começava a ruir.
Ainda estava pensando sobre o beijo, o maldito beijo daquela festa e ponderava a possibilidade de não beber uma gota de álcool sequer na comemoração de hoje para não correr o risco de duplicar o meu problema, havia conseguido sair com Taehyung, mas ainda precisava me manter com Jungkook pelas próximas duas semanas para não parecer tão óbvia com todas as minhas pretensões com um namoro falso.
Ele sequer tinha me dito que tipo de fantasia iria usar, na semana passada havia confirmado que iríamos juntos, mas são 15h57 do exato dia da festa mais importante do ano letivo e não sei absolutamente nada sobre seu paradeiro. Não nos falamos há uma semana inteira.
Jungkook provavelmente apareceria com alguma fantasia cafona e previsível, não que eu estivesse muito longe daquilo, estava utilizando os recursos que tinha à mão e aparecendo de Wandinha Addams como um clássico de festas de Halloween, mas Jungkook definitivamente usaria qualquer coisa largada no armário com a desculpa de fantasia "cult" que ninguém iria entender. Ele já tinha mandando essa outro dia.
Hoseok usaria a fantasia de agente secreto como ele vinha planejando há meses, ficaria incrivelmente bonito naquele terno, não sei do seu estado depois das primeiras quatro cervejas sendo sorvidas em menos de uma hora, nem do efeito daquele dia sobre ele, mas estava animado, mesmo depois do desastre da última festa e das desculpas de Seulgi, aparecendo na semana seguinte com aquele outro rapaz, Julien Shin, do curso de Administração.
Trine sempre trabalhava com um conceito quando se tratava de Halloween, nunca apenas uma fantasia como o restante dos mortais da Kyung-Hee.
No segundo ano, tinha se fantasiado de Princesa Leia, com direito a coques-rosquinha e um Yoongi de Han Solo, mas prometeu que nunca mais usaria uma fantasia que outra pessoa pudesse estar usando igual quando encontrou cerca de três outras Princesas Leias na mesma festa, desde então, não sabia exatamente o que esperar, ano passado ela havia se fantasiado de Empusa, a deusa do submundo, mas ninguém entendeu exatamente do que se tratava (claramente uma afronta ao costume estúpido dos jogadores nessa época do ano).
A festa de Halloween era o evento mais aguardado do mês por ser a grande festa que fechava o campeonato de baseball universitário e para variar, os garotos do time sempre tinham muitos patrocinadores dispostos a pagar bebidas para as jovens estrelas do esporte.
Falando neles, os garotos do time principal da KYU sempre usavam as togas dos deuses do Olimpo, como um panteão grego, os doze deuses se apresentavam e Taehyung sempre era Apolo, perpetuando algum tipo de tradição que todos valorizavam e respeitavam como a ordem natural das coisas.
Ah, Taehyung!
Ainda estava me acostumando com tudo que tinha ocorrido naquelas semanas, como um trem descarrilhado de acontecimentos que eu não tive tempo o suficiente para absorver: como um encontro, um beijo, uma distância estranha e incertezas.
Não tinha contado para Trine e Hoseok sobre o pensamento em que tinha ficado presa no início do encontro com Kim e que também tive medo que as coisas mudassem entre Jungkook e eu. Talvez tirar o peso da minha consciência aliviasse um pouco as tonalidades que a culpa jogava em minhas costas. Me sentia mal por ter arrastado Jungkook para o meio da minha própria confusão, me sentiria ainda pior se contasse para Hoseok e Trine como me sentia confusa, mas teria que lidar sozinha com aquela atração estranha e potencialmente forte que vinha sentindo por ele nos últimos dias.
Mesmo que não tivesse nada de acusatório, parecia que havia traído algum tipo de princípio que criei em minha própria cabeça. E somente nela. Uma espécie de regra implícita no meio dos termos que cabia ser fiel aos meus sentimentos e somente a eles.
Jungkook era uma exceção à regra, porque se obedecesse o que sentia naquele momento, estaria na porta do seu dormitório pedindo explicações para um sumiço repentino e aceitando suas desculpas com um ou dois beijos como aquele da última vez. Maldito seja quem inventou os piercings na língua. Maldito seja quem criou Jeon Jungkook, Tama, ou seja lá como ele goste de ser chamado. Duplamente maldito seja quem juntou as duas coisas. Maldito, maldito, maldito.
Droga!
Tem quase 30 minutos que tô relendo o mesmo parágrafo e não entendo absolutamente nada do que tem ali, nenhuma palavrinha sequer, nenhum dos blá, blá, blá segundo o filósofo blá, blá, blá. Quem eu queria enganar? Estava só fugindo da porra da culpa, das lembranças de Taehyung e da imagem de Jungkook sobrepondo tudo e todos com aquela bendita boca bonita derramando-se em doçuras pra mim. Continuava presa nos devaneios dos meus dedos contornando sua tatuagem, no modo como sua mão deslizava pela minha cintura, causando arrepios que retornavam como velhos conhecidos a cada vez que me lembrava de suas habilidades táteis.
Seria uma noite longa e difícil; e eu teria que lidar com o fato: não poderia fugir e me esconder no dormitório, talvez até pudesse, mas aquela não era uma opção que combinava comigo.
Beber estava (quase) fora de cogitação, as coisas não iriam sair como planejado, quer dizer, absolutamente nada até aquele momento havia saído como o planejado, e eu me mantinha ali com um tipo de coragem irracional que ainda alimentava minha vontade de continuar sustentando com todas as minhas forças aquele plano, como se em troca do encontro tão sonhado, a dose de culpa de uma situação que não era real seria toda minha, porque Jungkook, em absolutamente nenhum momento, foi meu namorado de verdade.
Deito para o lado oposto da cama e chuto as apostilas para longe, se não pudesse resolver os meus problemas agora, iria ao menos dormir.
Era a dica do dia: fugir das suas responsabilidades e problemas tirando uma soneca.
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Acordo com Trine gritando dentro do dormitório ao som de alguma música Pop chiclete, ainda não assimilei as coisas completamente e só atiro meu travesseiro contra ela, que está pintando as unhas de algum tom de vermelho escuro brilhante sentada na ponta da própria cama.
— Cala a boca! — grito e ela desvia do travesseiro com um sorriso preso nos lábios.
— Boa noite, Eleanor Rose. — ela disse, com seu sarcasmo habitual — Você não vai se aprontar? Já são 19h21.
— Puta merda. — Checo as notificações no meu celular outra vez. Duas mensagens de Hoseok, nenhuma de Jungkook.
— Eu o vi hoje, no dorm masculino — Trine diz, puxando as cutículas entre os dentes. — Até parei pra dar um oi.
— Do que tá falando? — tento conter o entusiasmo sobre aquilo, deixar menos óbvio. Há. Como se realmente pudesse.
— Do Jungkook, é claro!
— E ele perguntou sobre mim ou...? — O olhar de Christine me encontra outra vez, suas sobrancelhas estão arqueadas com aquela expressão de quase surpresa.
Droga! Sei exatamente o que ela está pensando.
— É que você sabe, ele ainda é meu namorado, digo, meu não-namorado, ainda temos um acordo, entende? Ele deveria ao menos me manter informada antes de se enfiar num buraco e sumir.
—Okay. — Trine começa, segurando uma risada — Sim, ele perguntou por você e falou que iria a festa hoje também. — Tento parecer indiferente, mas de alguma forma, fico feliz que ele não esteja chateado. Estive preocupada a semana inteira com o fato dele estar chateado comigo.
Injustificável de muitas maneiras.
Talvez, em determinado momento, tivesse começado a enxergar Jungkook como um amigo no meio de nossas conversas bobas enquanto estávamos trabalhando no refeitório, quando percebi que ele era quase inofensivo, com sua dificuldade em rir das minhas piadas propositalmente, de me oferecer um mínimo sorriso educado mesmo com meu esforço para fazê-lo rir, e sua mania de dizer frases com duplo sentido sempre que alguém estava por perto, só para me deixar com aquela expressão chocada que parecia diverti-lo, não era do tipo que se intimidava fácil, ao contrário de mim, que tremia sempre que ele invadia o meu limite seguro. Mas gostava disso sobre ele, e de alguma forma, me pegava pensando: quão fundo atingi o fundo do poço pra me sentir atraída pela prepotência de alguém?
Jungkook era do tipo que não olhava pra trás quando se despedia, imaginava que seria do tipo de cara que não prometia amor, que é difícil de ler nas entrelinhas de uma atitude e que gosta de manter um mistério sobre si mesmo e sobre sua vida. A tatuagem, a cultura maori, a história sobre Kim e Jieun; coisas que jamais imaginaria se ele não tivesse aberto, sutilmente, uma fresta na porta dos seus segredos quando me deixou ficar e ter um vislumbre de quem ele era.
Talvez ele já soubesse tudo sobre mim com sua habilidade de me ler tão facilmente, mas no fundo, quanto mais conhecia sobre Jungkook, menos eu sabia.
— Eleanor, posso te perguntar algo? — Trine questiona, fechando o esmalte e colocando sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama — O que você tá sentindo pelo Jungkook, de verdade? — ela começa. — Não venha com suas desculpas bem articuladas porque tá ficando bem óbvio, eu tô sendo sincera. — É quase um soco no estômago, se mentisse ela saberia, se falasse a verdade, ela diria todo tipo de coisa que não quero ouvir. Parecia que estava sendo pega no flagra, no meio de um ato ilícito e íntimo demais.
— Esse assunto outra vez?! Isso já tá chato. — Caminho em direção ao banheiro, prendendo o cabelo e continuando abrindo e fechando o armário da pia e fingindo que estou ocupada demais para não ter que encará-la outra vez — Já te disse, gosto do Kim. — Ela permanece em silêncio, mas sei que está apenas pensando nas palavras certas para usar. Conhecia suas pausas dramáticas antes de momentos cruciais e aquele era exatamente um deles.
— Só entenda uma coisa, Eleanor, não ligo se não quiser me contar e você sabe, não sou esse tipo de amiga, mas mentir pra si mesma é meio injusto, sabia? — Droga, droga, droga! — Você sabe o que acho sobre essa história de se envolver com um garoto, quando na verdade você quer ficar com outro, mas pensa bem, você quer mesmo ficar com o Kim?! — Respiro fundo outra vez, antes de voltar até onde ela está.
— Por que você tá fazendo tanto drama por conta de um beijo, Trine? Foi só isso. Não tá acontecendo nada. — digo e meu tom de voz parece alterado, mais do que pretendo, uma culpa gigantesca está gritando na minha cara agora e é necessário sobrepor o tom agudo e teatral com que ela me acusa.
— Não é sobre o beijo, Nô! Tô falando sobre as suas vontades e sobre você negar o quer em função de coisas que você não tem certeza, entende? Só quero dizer que se quiser ficar com o Jungkook, não se sinta culpada por isso, nem ache que fez algo de errado. Você é uma mulher livre, está só perdendo tempo achando que não é. — Ela está falando com tanta calma e precisão que me sinto diante de uma plateia entusiasmada e atenta julgando meus pecados, não parece intimidada com o que disse, muito menos parece ter se importado com o meu pensamento de alguns minutos atrás e tenho medo do que estou deixando transparecer sem que perceba. Porque é exatamente aquilo que estou fazendo. Não falo mais nada, não tenho o que dizer, parece que sou tão fácil de ser compreendida e deixo minhas emoções tão explícitas que mesmo se tentasse esconder, Trine ou Hoseok em algum momento saberiam.
— Faz um teste... — ela começa, agora de pé, com as mãos apertando meus ombros. — Beija o Jungkook de novo e descobre o que você sente. A regra de 3, lembra?
— Regra de 3? Isso não se aplica só aos cálculos?
— Nah! Se aplica a qualquer coisa na vida... — Ela me puxa para sentar de novo, na ponta da cama, enquanto fala atentamente. — Não, pra tudo não, seria estranho pensar que é necessário, sei lá, quebrar um braço três vezes pra ter certeza que dói, mas enfim. — Minha atenção está toda voltada para ela tendo um devaneio sobre os próprios argumentos, enquanto estou tão nervosa com a ideia de beijar Jungkook de novo que sinto meus joelhos fracos.
— A regra de 3 funciona assim, você precisa viver uma experiência pelo menos três vezes para ter certeza se você quer ou não, ficar com o Jungkook te deixou confusa? Fica de novo. Tira a prova de que você realmente não quer aquilo, melhor do que ficar na dúvida. — Será que a Trine estava ouvindo o que está dizendo?
— Christine, isso não faz o menor sentido! Vou beijá-lo de novo só pra ter certeza que não quero?! Qual a lógica disso?
— Claro que faz sentido! Quando testar, vai saber do que tô falando e não deveria ficar com medo se está tão certa de que não quer. — e continua, tão convicta do que fala que quase compro a sua ideia.
— É que... beijar o Jungkook é muito...
— Muito...gostoso?
— As coisas ficam intensas tão rápido que é difícil parar. — Quando digo isso, Trine ergue as sobrancelhas com aquele sorriso sacana que parece surgir nas ocasiões mais impróprias.
— Quer dizer que o Tsunderezão sabe fazer o negócio, né? — E lá vamos nós, de novo.
— Não, não foi isso que eu disse, eu só...
— Ok, ok. Sem entrar em mais detalhes. Só me diz, qual a sua fantasia pra festa de hoje?
— Wandinha Addams.
— Eleanor, por favor, metade do campus vai estar de Wandinha Addams, não vou te deixar passar despercebida por essa festa vestida como uma criança gótica. — ela rebate. — E acredite, você vai me agradecer amanhã!
— O problema é que eu não tenho outra fantasia!
— Vou pensar em algo pra você, agora anda, vai tomar banho! — É o ultimato de Trine e caminho de volta para o banheiro, respirando aliviada pela primeira vez em alguns minutos, pelo menos aquele assunto tinha acabado.
Por enquanto.
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De Wandinha Addams à Agente Secreta, é nisso que me transformo quando Trine consegue de última hora uma fantasia para mim. Estou usando um calça social escura, uma camisa branca com botões frontais, embora nenhum deles esteja realmente abotoado e o top que estou usando fique completamente à mostra.
— Não está muito... sensual? — digo e ela revira os olhos.
— Esse é o ponto, olha só pra você?! Sério, te dava uns beijos agora se deixasse — Trine diz, depois de me avaliar da cabeça aos pés. E acabo sorrindo.
— Já tentamos isso uma vez, e não foi assim tão legal.
— Licor de gengibre nunca mais!
— Às vezes no meio da aula, fico lembrando da cara do Hoseok naquela noite. — ela comenta e nós duas rimos, revivendo aquele momento constrangedor, quando nós três ainda éramos calouros e ficamos bêbados com licor de gengibre no dormitório, uma experiência peculiar e embaraçosa demais, no meio de um jogo ridículo que encontramos na internet e a ideia maluca de nos beijarmos.
— Beijar o Hobi foi a pior ideia que tive desde a tentativa de esconder minha tatuagem dos meus pais usando calças de moletom no Verão — Trine fala, enquanto finaliza os últimos detalhes na minha fantasia.
— Ainda falta alguma coisa. — Me analisa uma segunda vez. — Acho que tenho uma gravata por aqui...
— Uma gravata?
— É, você é uma agente secreta, um agente sempre tem gravatas bonitas.
Trine volta com uma gravata escura e faz um nó frouxo antes de colocá-la no meu pescoço.
— Essa gravata é do papai, então por favor, não a perca. Trouxe de recordação. — diz, antes de se sentar em frente a sua penteadeira para terminar os ajustes de sua fantasia. Naquele ano, seria Mata-Hari, a agente russa infiltrada, provavelmente todos nós seguiríamos a linha de agentes secretos na última festa do campeonato, parecia um marco para o trio, mas o que estou pensando de verdade é em Jungkook. E não teve um minuto sequer naquela noite em que não pensei nele, na quantidade de mensagens que não foram visualizadas e de ligações que não foram atendidas, até aquela noite. O odiava por isso, sempre se comportando como um garotinho mimado que se irrita quando as coisas não saíam como planejado.
Se tudo desse errado, pelo menos a cerveja era gratuita.
Trine está prendendo seus arranjos brilhantes de cabelo quando Hoseok me liga, avisando que está em frente as catracas nos esperando, como sempre, e meu coração quase rompe o peito, porque a frase que mais temia parecer se formar lentamente com o tom de sua voz: "O Tsunderezão também tá aqui."
Aquele silêncio estranho depois de um momento de tensão, a sensação meio desnorteadora de que poderíamos ter fugido um do outro em todos aqueles dias, mas agora, não tinha mais lugar algum para ir, que não conseguiria ignorar os últimos dias como se eles não tivessem existido.
— Nonô? Tá aí? — É a voz de Hoseok que me traz de volta.
— Já estamos descendo, ok? — Desligo tão rápido que mal tenho tempo de ouvir sua despedida.
Estou hiperventilando, a ansiedade ganhando força no centro do meu corpo, algum tipo de sentimento que conheço tão bem e que não faz sentido no meio daquela situação.
— Podemos ir? — Trine pergunta, quando fica de pé para se olhar no espelho longo do armário.
— Sim!
Do dormitório até as catracas, são cerca de cinco minutos, mas aqueles parecem os mais longos e cruéis que já experimentei em toda minha vida. Por um momento penso na possibilidade de voltar para o quarto e garantir que ninguém saiba da minha existência, enquanto Trine fala alguma coisa que não consigo prestar atenção agora, mas parece divertido demais pela sua expressão, então me obrigo a sorrir para que ela não perceba e agradeço quando ela utiliza os últimos minutos dentro do elevador para dar uma última olhada na própria aparência.
Quando as portas se abrem e consigo ver a movimentação dos alunos pela Área Comum, sei que estou fodida, completa e totalmente fodida e que não tem escapatória ali. A atenção dos alunos se volta para nós, Trine está com um arranjo de cabelo brilhante demais para passar despercebido e eu estou usando óculos escuros graças à fantasia, ao menos se começasse a chorar de desespero, ninguém notaria.
— O Yoongi tá ali! — Trine diz, apontando para ele encostado contra a catraca, rindo de alguma coisa com Hoseok que só então nota nossa presença.
— Ohhhhh! — ele grita, do outro lado do espaço onde os alunos caminham, mas não vejo Jungkook até chegar um pouco mais perto das portas de vidro e preciso respirar fundo pelo menos duas vezes quando nossos olhares se encontram.
Jungkook tem um raio vermelho cortando o rosto como Ziggy Stardust, é a primeira vez que o vejo com calças tão justas, contornando os músculos bonitos de suas coxas e evidenciando o resultado de todas aquelas horas de treino intenso, a camisa preta de botões, sutilmente abertos, parecia ter sido feita perfeitamente para abrigar os seus ombros largos demais, havia comprovado minha teoria em um daqueles dias de trabalho no refeitório, quando no fim do expediente brinquei que queria reproduzir a cena de um drama famoso e Jungkook me carregou nas costas até o dormitório como se eu fosse uma mochila.
Preciso olhar duas vezes para confirmar que a ponta de uma tatuagem — até então desconhecida — surgia na base de seu pescoço, contornando a clavícula. O que era aquilo? Alguma piada de mau gosto do universo? Alguma pegadinha de um programa dominical com câmeras escondidas? Algum tipo de ritual de tortura para garotas indecisas? Eu queria mandar alguém se foder. Alguém era responsável por aquele desastre da natureza, por aquela mistura que havia gerado Jungkook e o feito tão bonito daquele jeito.
— Vocês estão tão lindas! — Hoseok diz, antes de me dar um beijinho no rosto e seguir até Trine. — Não encosta muito que passei glitter na barriga! — ela diz, assim que os braços de Hoseok estão pronto para envolvê-la. Cumprimento Yoongi rapidamente, observando seu encanto com a própria namorada, como se fosse uma surpresa vê-la ser tão bonita. Duvidava que fosse.
Mas meu foco parece estar fixo em Jungkook. Total e completamente voltado para ele, e caminho em sua direção a passos tão lentos que não tenho certeza se estou avançado.
— Você sumiu. — digo, antes mesmo que ele tenha tempo de ignorar as coisas como costuma fazer.
— É, você também. — ele responde e tenho vontade de socá-lo. Então era pra isso que Trine tinha usado as tintas faciais? Era mesmo uma traidora.— Você me ignorou por uma semana inteira, Jungkook... — Meu tom de voz é baixo porque não quero que ninguém mais escute aquela conversa. Ele parece não se importar, continua parado ali, com os braços cruzados agindo como se não fosse com ele.
— Você parecia muito bem e eu não queria atrapalhar o seu momento. — Ele realmente ia inverter os lados daquela situação? Jungkook era realmente um filho da mãe bonito pra caralho. Mero detalhe.
— Isso tudo fazia parte do acordo, lembra? — pergunto e ele desvia o olhar até algum ponto distante demais de onde estamos, seus brincos balançam um pouco e um deles está completamente exposto agora. Odiava a maneira como até aqueles detalhes de Jungkook conseguiam ser tão bonitos. — A questão é que você simplesmente sumiu! Eu fiquei... — Não consigo terminar a frase, não consigo ter certeza se deveria dizer aquilo, não quando ele está na minha frente, não quando as coisas parecem tão frias e quando me sinto tão estranha.
— ...com saudade? — ele pergunta, com seu tom sarcástico e seu sorriso cretino e a parede gelada que parecia nos separar, desmorona.
— Preocupada! Eu fiquei preocupada com você. — Quando a palavra toma forma na minha boca, o sorriso que ele parecia manter pateticamente no rosto desaparece automaticamente. —Somos amigos, não somos? — pergunto, mas sua expressão não muda, ainda parece surpreso, silenciado.
— Claro que somos amigos. — E o silêncio outra vez nos atinge. Em meia hora havia sentido todo tipo de emoção como uma montanha russa, começando e terminando com Jungkook como o grande causador de tudo, o motivador central de uma semana maluca, será que aquilo tudo parecia uma brincadeira pra ele?
— Você tá bem bonita, sabia? — Jungkook comenta, com o mesmo tom de antes e finjo que não é comigo, que não me importo, que não era o tipo de comentário que imaginei ouvir. Finjo. E sou péssima nisso.
Caminho alguns passos à frente, mas continuo ouvindo suas pegadas por cima das folhas secas no gramado do campus, seu cheiro também me alcança com uma facilidade absurda, trazido pela brisa gelada, mas ele permanece ali, naquela pequena distância, em completo silêncio.
Estou ouvindo a risada de Hoseok com Trine e Yoongi e olho para trás algumas vezes, porque sei que eles estão falando sobre nós, provavelmente apostando quanto tempo aquele protesto duraria, porque tinha certeza que os dois já não confiavam tanto assim no que vinha sentindo nos últimos dias, a maneira pouco sutil que vinha lidando com tudo achando que estava sabendo lidar com a situação só evidencia o quanto consigo ser patética até quando não é necessário. Quando estamos perto do clube de esportes, Jungkook se aproxima pela primeira vez naquela noite, encaixando perfeitamente o braço ao redor de minha cintura.
— Ainda somos um não-casal, lembra?! — ele diz, recordando ocorrido na festa passada, naquele mesmo lugar, cercado das mesmas pessoas que ainda acreditavam naquele boato e que automaticamente mantinham os olhos em nós. Ou melhor, em Jungkook com aquelas malditas calças justas contornando o corpo, no raio vermelho cortando o seu rosto de uma maneira tão sensual que me parece errado imaginá-lo apenas com aquilo (e nada mais), a droga de uma tatuagem nova que não tinha tido tempo e muito menos intenção de olhá-la com mais cuidado, mas sabia que estava bem ali assombrando minha curiosidade.
Por mais que as coisas estivessem inexplicavelmente estranhas, não me sinto desconfortável com sua aproximação repentina, até mesmo no meio do meu caos, é agradável quando é ele que está por perto, estranhamente seguro.
Seu olhar encontra o meu por um segundo, passeia pelo meu rosto na tentativa de decifrar alguma coisa, permanecem fixos nos meus lábios e eu desvio no mesmo instante. Ele sabe. Ele sabe tanto quanto eu sei que aquele é o grande problema entre nós. Uma estranha e consistente vontade um do outro que não deveria existir, aquele calor que me deixa tonta e parece me chacoalhar inteira quando penso em nós dois. Estava acostumada aos sorrisos raros de Jungkook, com suas expressões sérias e indiferentes demais, na sua distância, como uma parede invisível, não com aquela intensidade silenciosa que surgia entre a gente sem nenhum esforço. Perigosamente, sem que sequer tentássemos.
Preciso parar de voltar até o mesmo caminho. Faço uma nota mental.
A equipe do clube de esportes nunca falha na decoração; é a primeira coisa que penso quando entro no clube e me sinto no meio do Olimpo, os garotos do time principal são sempre os últimos a chegar, mas eu sabia que as cadeiras bonitas ao redor da mesa enfeitada com frutas e tecidos dourados eram para eles, uma outra forma de se exibir gratuitamente e é claro, a maneira mais atraente e particularmente errada de observar Taehyung, vestido naquela toga curta demais.
Alguns casais já estão no meio de algo mais ali mesmo; ao redor da mesa, pelos cantos escuros do clube ou pelas escadas, mas a maioria está focada nas bebidas gratuitas ou dançando como se o mundo fosse acabar no fim da noite.
Mal tenho tempo de assimilar direito as coisas e já vejo Hoseok avançando até os fundos da sede do clube, depois de encontrar os baldes de cerveja e agarrar duas garrafas como se fossem ouro. Deus o ajude!
— Você pode me soltar agora... — digo para Jungkook, que ainda está com o braço ao meu redor — Se você quiser. — Ele sorri, mas sua mão continua ali com os dedos levemente pressionados em minha cintura, me olhando como se pudesse ler minha mente, e levo menos que meio segundo pra me desvencilhar dele, do pensamento que ameaça voltar e caminhar até onde Hoseok está.
— Eu quero uma cerveja!
— Achei que não ia beber hoje, Nonô!
— Achou errado! — Tomo a garrafa de sua mão e bebo um gole longo enquanto assisto Jungkook caminhar até onde estou.
— Já sei que vai ser uma noite bem longa! — Hoseok comenta, olhando para nós dois.
Sabia que Jungkook estava me provocando, agindo como se não tivesse sumido por dias, como se eu fosse ceder a qualquer coisa só por conta daquela bundinha bonita dele dentro de seus jeans justinhos. Há. Pode sonhar!
— Você tá chateada comigo, não é? — ele questiona, pegando a garrafa de cerveja que acabei de apoiar contra a mesa e tomando um gole. — Se tava tentando deixar isso óbvio, conseguiu.
— Só acho que você é um babaca — digo, tomando a garrafa de sua mão. — Ou melhor, eu tenho certeza! — E continua fingindo que essa conversa não é sobre nós.
— Você não especificou nada no acordo sobre sumiços repentinos. — comenta e voltamos ao ponto zero, como no início de tudo, quando só conseguia pensar em como suportaria passar um outro dia ao lado de Jungkook, e é exatamente aquele sentimento que tenho agora. Jungkook ainda era o mesmo Jungkook. Prepotente e arrogante como no primeiro dia. Nada havia realmente mudado.
— Que tipo de namorado você seria se sumisse de repente e sem aviso, uh? — rebato e ele toma outro gole da minha cerveja, ainda sem permissão.
— Você é a namorada que pode sair pra um encontro com outra pessoa, mas eu não posso me afastar, é isso?
— São situações diferentes, Jeon. — começo — Se você não quer continuar com isso, é só dizer! Não precisa sumir...ou agir assim. — Estou encarando seus olhos e falando naquele tom sério demais, enquanto seus olhos estão fixos em algum ponto do meu rosto longe demais do meu olhar. Eu era uma piada pra ele, não é?
— Meu avô estava aqui, precisei vê-lo. — ele responde, antes de sugar os próprios lábios. —Compromissos familiares são mais importantes do que brincar de ser um namoradinho. —O tom é de sarcasmo novamente, naquela versão desinibida que dava as caras quando o álcool começava a agir no seu corpo, talvez fosse só uma desculpa para falar o que pensa sem se sentir comprometido, Jungkook não fazia o tipo que escondia sua opinião, mas parecia um costume nosso, culpabilizar o álcool e fugir das consequências na manhã seguinte.
— Você poderia ao menos ter me contado, sei lá, ter deixado um aviso — digo, e passeio os meus olhos pela movimentação de pessoas com fantasias cafonas e indecifráveis debaixo das luzes coloridas do clube.
— Desculpe! — diz, com o olhar tão fixo em mim que chega a ser incômodo, mas sei que é um pedido sincero e aquele sentimento que conhecia tão bem, toma força na boca do meu estômago.
— Só interpretei errado o que tava rolando entre a gente. — rebate, tomando um gole ainda maior da cerveja. Meu corpo sente a força das suas palavras, porque em algum momento imaginei que Jungkook não estava dando a mínima para o que fizemos, mas aquilo só fazia sentido na minha cabeça.
— De qualquer maneira só faltam duas semanas pra o fim do acordo, não é? — pergunto e Jungkook confirma. — Não vamos mais causar problemas um ao outro ou confusões desnecessárias.
Por alguma razão, o clima não parece ruim entre nós agora, até conseguimos estabelecer uma conversa decente e sem farpas trocadas. Jungkook parecia leve, não irritado, nem chateado ou entediado, como sua típica feição natural. Até tinha rido de uma piada ruim que havia contado, até tinha me dado abertura para falar sobre si mesmo, sobre o encontro com seu avô, sobre sua irmã mais nova, Jihye, que estava no ensino médio, sobre sua família em Busan e sobre os projetos acadêmicos: os roteiros que escrevia no tempo livre e o desejo de trabalhar com cinema.
Até parecemos interessados na companhia um do outro, não preciso fingir que não o odeio, talvez eu verdadeiramente não consiga sentir aquele tipo de sentimento por ele, pelo menos não naquele momento em que ele sorri tão bonito pra mim, com o rosto parcialmente escondido pelo raio cortando o rosto.
Hoseok havia sumido há uns minutos, mas não demoro muito para encontrá-lo com os óculos sustentando o cabelo para longe do rosto e as mãos envolvendo a nuca de alguma garota fantasiada de Hermione Granger em algum canto escuro do clube.
— É impressão minha ou essa festa tá meio chata? — Jungkook comenta, e é exatamente o que estou pensando, quando o destino muda completamente os meus planos com a chegada triunfal do time de baseball: a música para, a iluminação muda completamente e eles se preparam para entrar.
— Que porra é essa? — Jungkook comenta. — Caralho, isso é brega em tantos níveis que deve causar algum tipo de efeito colateral, sei lá. — continua, tomando um gole de sua segunda cerveja quando os garotos do time entram entoando algum tipo de grito de guerra, que soa como High School Musical na maior parte do tempo. Não me importo tanto com isso quando vejo Kim usando uma láurea dourada nos cabelos e a toga que exibia boa parte do seu corpo bonito pra caralho. Porque ele inteiro era bonito pra caralho.
Puta que pariu.
Os outros garotos se esforçam, dão o seu melhor para chamar atenção e ter alguma notoriedade ali, mas o lugar inteiro parece que vibra pelo Capitão.
Trine estava certa quando dizia que o efeito Kim acontecia com quase todos dentro do campus, porque ele existia e mais do que nunca, com aquelas dezenas de pares de olhos voltados para ele, só tenho absoluta certeza de que o magnetismo natural de Taehyung é poderoso.
Nossos olhares se encontram naquele infinito de distância, quando ele toma o seu posto na mesa decorada e me lança um "oi" que provavelmente vai parar o meu coração a qualquer momento. Não consigo conter o meu sorriso estúpido, a euforia que aquela simples atitude me causa, muito menos os olhares que acompanham o olhar de Taehyung até mim.
Merda! Merda! Merda!
Precisava ser mais discreta sobre minhas emoções, menos impulsiva em público, menos óbvia, mas não consigo parar de sorrir, não depois daquilo. Não consigo não me sentir animada. Jungkook está tão irritado que seu olhar me assusta. Provavelmente os problemas entre ele e Kim eram maiores do que eu poderia imaginar com meus achismos infundados e baseados em boatos, diziam por aí tantas coisas más a respeito de Jeon e que na realidade não passavam de rumores inventados, talvez eu estivesse bêbada demais para raciocinar sobre aquilo, mas a verdade é que fico presa em uma pontinha de felicidade por Taehyung ter me notado outra vez depois do encontro, em algum momento cheguei a pensar que não passaria daquilo.
—Tá tudo bem? — pergunto a Jungkook, que está entornando uma cerveja tão rápido que tenho o impulso de segurá-la, mas ele mesmo a desprende da boca, soltando a borda da garrafa com um estalo suave e deixando um pouco da bebida escorrer pelo próprio queixo outra vez.
—Sim! —É tudo que ele responde e voltamos a estaca zero dos silêncios desconfortáveis que duram algumas eternidades.
Ficamos ali, parados no meio de um clima pesado, ouvindo alguns cochichos aqui e ali e tentando ignorar a situação desconfortável que se tornou depois da chegada de Kim. E falando no diabo, não o vejo mais. Não o encontro distribuindo beleza entre as pessoas na pista da dança, nem na mesa ocupada pelos outros "deuses" (e Jimin) do time, ele simplesmente desapareceu de minhas vistas.
— Essa festa já deu pra mim, acho que vou embora. — Jungkook diz, finalizando a cerveja que estava tomando e apoiando a garrafa vazia contra o balcão. — Você vai ficar? — ele pergunta, parece impaciente demais para esperar a minha resposta que se arrasta junto com a minha busca por Taehyung no meio das pessoas, queria vê-lo outra vez, só mais uma, antes de ir. Não ficaria aqui sozinha. Não atrapalharia Hoseok e a garota animada sentada em seu colo no sofá desbotado do clube de esportes, nem iria preocupar Trine e sua diversão com Yoongi, pelo menos poderia deitar em paz e dormir, estava feliz de ter sido a primeira a ser notada, de alguma forma sentia que tinha valido à pena: toda aquela situação conflitante no fundo tinha me dado algo em troca.
— Vou ao banheiro antes, você me espera?
A verdade é que queria ficar um minuto sozinha e pensar com clareza no que faria em seguida, embora não tivesse a mínima ideia do que fazer, nem antes, nem agora, muito menos depois. Assim que encontro a porta azul do banheiro do clube, nos fundos da casa, naquela parte afastada demais do centro de toda movimentação e automaticamente o lugar propício para transar, giro o trinco com mais força, fazendo com que a porta abra com um rangido estranho e particularmente estridente, e é quando vejo Kim emaranhado em Sohye no meio de um processo que conhecia bem. As mãos de Taehyung estão puxando para cima o vestidinho azul que ela usa, as dela estão perdidas no meio cabelo bonito dele — o maldito cabelo lindo dele —, e é naquele momento que os dois notam minha presença.
Não sei exatamente o que dizer ou o que pensar ou o quão estúpida me sinto naquele momento. Me forço a piscar porque também não tenho certeza se consigo fazer isso naturalmente, não sei explicar o quanto dói, mas machuca tanto que me corta o ar. Chorar aqui seria humilhante, principalmente nesse meio tempo em que eles estão me olhando como se ainda estivessem me perguntando o que faço aqui: Taehyung com uma expressão surpresa e meio bêbada e Sohye ativamente focada em beijar seu pescoço.
Involuntariamente meu corpo parece perder um pouco as forças, talvez essa seja a sensação de apanhar da sua própria tolice, de ser atingida pela dimensão dela.
— Desculpe! — É o máximo que consigo formular antes de fechar a porta com toda força novamente e não fazer ideia de para onde estou caminhando em seguida. Tudo parece lento e meio embaralhado, uma completa desordem que não consigo assimilar, me sinto exposta, mesmo que não tenha sido eu que estivesse seminua dentro de um banheiro com alguém, mas me sinto cruelmente invadida. Tropeço em meus próprios pés me segurando em algum garoto fantasiado como aquele coelho macabro de Donnie Darko e caminho no rumo de onde a música vem, sem saber exatamente pra onde estou indo.
— Ei, tá tudo bem? — O rosto preocupado de Jungkook, vindo em minha direção só me machuca mais ainda. Eu pensei que seria diferente, mas não é, e aquele é o karma instantâneo como a lei natural do universo.
— Podemos ir embora? — pergunto e ele assente, envolvendo minha cintura outra vez e desviando do máximo de pessoas possível. Só quero desaparecer, só quero afundar na minha cama e não existir mais, me fundir com o meu colchão e não ser encontrada.
Idiota! Idiota! Idiota!
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— Vai me dizer o que aconteceu? — Jungkook pergunta pela segunda vez em menos de vinte minutos quando cruzamos as catracas para os dormitórios, permaneci em silêncio em todo trajeto do clube de esportes até aqui. Teria meu orgulho ferido se dissesse o motivo? Me sentiria um pouco mais patética se contasse para Jungkook que esperava que Taehyung magicamente tivesse se apaixonado por mim naquele encontro? Nenhuma das opções parece viável, então prefiro o silêncio, poupá-lo de algo que não era obrigado a lidar.
— Só preciso deitar, não foi nada. — digo, e ele continua ali, me impedindo de avançar na direção dos elevadores do dormitório feminino.
— Não vou te deixar ficar sozinha nesse estado, não sei o que aconteceu, mas você não tá legal. — rebate e não tenho forças para protestar contra. Na verdade pouco me importo se estou sozinha ou não, minha estupidez certamente me acompanharia durante os próximos dias. Solidão? Minha consciência não deixaria isso acontecer.
— Olha, eu vou ficar bem, ok? Não precisa se preocupar. — Não queria acabar envolvendo Jungkook ainda mais no meio dos meus problemas, conhecia aquele caminho e me sentiria ainda pior se o mantivesse tão perto.
— Não posso ignorar isso, Leanor. — ele começa, ainda com os braços cruzados, parado no meio do meu caminho. — Você pode dormir no meu dorm hoje, se quiser. — Minha expressão é tão surpresa que ele imediatamente se justifica — Não estou com segundas intenções, só não quero que fique sozinha... — Seu tom é tão educado e gentil que no meio daquela confusão interna, pondero a opção de acompanhá-lo. — Podemos, não sei, ver um filme?! — ele sugere, relaxando um pouco mais os ombros, encostando os braços contra o corrimão das escadas para o elevador. A tatuagem segue do seu pescoço até alguma parte que o tecido de sua camisa não me deixa ver, deduzo que o desenho provavelmente contorne o seu ombro e mas não quero manter meus olhos fixos naquele ponto, nem deixá-lo entender de maneira errada a minha curiosidade.
— Podemos ver iCarly? — pergunto e ele não segura a risada. — É, podemos ver iCarly se você quiser. — E aquele é o momento crucial da minha pior decisão dos últimos dias, meses e anos. São aqueles vinte segundos que levo pra esticar a mão para que ele a segure, com minha ingenuidade de um coração partido, nos direcionando para o elevador do dormitório masculino, e não me dou conta dos riscos que assumo quando aceito seu convite.
São quase uma e meia da manhã quando envio uma mensagem para Trine avisando que ficaria com Jungkook naquela noite, enfatizando que não se tratava daquilo que ela provavelmente pensaria, porque era exatamente aquilo que ela pensaria.
Aquela é a primeira vez que entro no dorm de Jungkook sem ser dominada pela raiva, invadindo no meio da tarde sem um convite e por alguma razão me sinto ansiosa.
— Desculpe se não estiver muito arrumado, não esperava receber ninguém— ele diz, assim que cruzamos as portas do elevador até o corredor do seu andar, com as luzes apagadas e em completo silêncio. O campeonato havia oficialmente chegado ao fim e os monitores tinham eternizado seus dias de glória nos poucos casais que haviam conseguido "capturar" como uma espécie de Pokémons raros e colecionáveis. Já não era mais necessário campanas, muito menos os turnos trocados entre Junmyeon e Jun-su. Era cada um por si, sem ninguém para tomar a responsabilidade.
— Tudo bem, não se preocupa com isso. — Só consigo ouvir o som das suas botas pesadas contra o piso, silenciando o barulho dos meus passos e respiro fundo quando paramos em frente a porta do seu quarto e o vejo digitar a senha no dispositivo acoplado à porta.
Inconscientemente mordo meu próprio lábio, me perguntando outra vez se aquela era mesmo uma boa ideia. Talvez nenhuma das decisões daquela noite tivessem sido boas, mas estava cansada de tentar controlar tudo, de segurar o peso das responsabilidades e das situações que eu não tinha controle dentro do meu pack de culpa. Não faria isso agora. Não pensaria tanto. Apenas aproveitaria a companhia de Jungkook, assistiria os malditos episódios de iCarly e dormiria em paz. Evitaria pensar em Taehyung, ou pelo menos, o manteria distante naquele momento, me sentiria menos idiota se conseguisse fazer isso.
— Pode entrar! — Jeon diz, dando espaço para que eu caminhe para dentro, me desvencilhando dos meus sapatos no primeiro minuto.
O quarto inteiro tem seu cheiro, o mesmo perfume gostoso que sempre me envolve quando ele se aproxima e também parece com o tipo de personalidade que Jungkook tem.
Os posters de filmes cults colado às paredes, algumas action-figures do Homem de Ferro na sua mesa de trabalho, uma série de apostilas grifadas e empilhadas perto dos livros e fotos do que imaginava que seria sua família. É tudo tão pessoal que me sinto desconfortável de invadir daquela maneira, são outros pedaços dele, alguns mais secretos e que ele não mostrava com tanta facilidade.
— Você quer tomar alguma coisa? Tenho água, refrigerante, hmmm, leite fermentado, achocolatado — ele pergunta, abrindo o pequeno frigobar ao lado da cama. Ele tinha a porra de um frigobar no quarto? Só Jungkook mesmo. Não estava com muita vontade de tomar nada, meu estômago se revirava, provavelmente daria um nó e a última coisa que estou pensando naquele momento é em leite fermentado.
— Tenho snacks também! Quer algum? Se quiser qualquer coisa, fica à vontade. — ele continua, tão gentil comigo que me odeio por um segundo. Jungkook se importa. Realmente se importa. Naquele meio tempo que tenho tanto pra explicar e ouvir, queria poder dizer o motivo da culpa, deixar claro que tinha medo de sentir demais e misturar as coisas, mas não quero falar nisso quando estamos sozinhos no meio de suas coisas, depois de uma noite fodida como aquela estava sendo.
— Se importa se eu tomar um banho rápido? Preciso mesmo tirar essa coisa da minha cara. — ele diz enquanto caminha em direção ao armário, buscando uma camisa e uma calça de moletom no meio das gavetas.
— Não, tudo bem, eu vou ficar aqui vendo seus desenhos, eu posso? — pergunto e ele assente, quando puxo a cadeira de sua mesa de trabalho e o imagino ali, debruçado durante horas trabalhando em cada detalhe dos seus desenhos.
— Cuidado com o que vai ver aí, hein? — ele comenta, antes de entrar no banheiro, sorrindo bonito pra mim.
Seus trabalhos estão divididos em pastas nomeadas por partes do corpo: mãos, olhos, bocas, silhuetas. Imaginava o quanto ele deveria ser observador para manter registros de partes favoritas do corpo de alguém, tudo parecia minuciosamente detalhado, em uma delas, uma série de garotas seminuas desenhadas em posições sensuais demais, Jungkook sempre focava em alguma parte específica do corpo, o traço sempre parecia mais delicado e bonito ali, na curva da cintura, ao redor do quadril, imaginava se aquelas modelos tinham o conhecido de outras maneiras além da profissional, outra estupidez que não era da minha conta.
Em uma delas, uma garota com tatuagens na cintura, ele havia desenhado aquela mesma menina mais de uma vez, de maneiras diferentes, mas sempre evidenciando suas tatuagens. A data marcava alguns meses atrás, cerca de três ou quatro, pouco antes de nos conhecermos.
Quem era ela?
Nas pastas empilhadas na mesa, uma delas está gravada com o nome de Jieun. "Desenhos antigos: Lee Jieun/Abril-2016.", minha curiosidade quase me pega desprevenida, a pasta é a única colorida no meio da sequência monocromática preta, não deveria invadir a privacidade de Jungkook daquela forma, não quando tenho plena consciência de que ele não me falou sobre Jieun porque não estava confortável com o assunto. Ok, ele não me proibiu de olhar os desenhos, mas será que imaginava que fuçaria naquela pasta especificamente?
Estou presa no impasse de abrir ou não a pasta, mas ouço o barulho da ducha sendo desligada e enfio-a de volta na pilha fingindo que nunca havia pego. Seria melhor assim.
— Você é muito talentoso! — digo, assim que a porta se abre e o vejo outra vez, agora vestido em uma camisa de alguma banda de Rock Progressivo e usando calças de moletom.
Seu cabelo está úmido demais e puxado para trás, deixando a mostra suas sobrancelhas bonitas. Como eu gostava delas! Por Deus, gostava muito delas.
— O que tá vendo? — ele pergunta, se aproximando enquanto esfrega a toalha contra o nuca — Nossa, esses desenhos são terríveis! — Consigo sentir o cheiro suave de seu sabonete, o perfume gostoso do seu shampoo, o cheiro natural de banho e roupa limpa que Jungkook tinha constantemente.
— Eu achei todos muito bons. — comento, apoiando os pés contra sua cadeira giratória.
— Como você escolhe suas partes favoritas no corpo de alguém, tipo, pra desenhar? — pergunto, quando ele levanta um pouco o rosto, me olhando daquela posição cretina demais, de cima — Bom, geralmente eu observo o modelo por um tempo e escolho o que gosto, geralmente são as partes mais delicadas ou que considero mais bonitas. — ele diz, caminhando até a mesa de cabeceira com alguns produtos empilhados e escolhendo um deles para usar, um creme de cheirinho frutado que ele ele espalha no rosto. Ele parece à vontade com minha presença, não parece intimidado ou constrangido, aquele é seu espaço e ele não se incomoda que esteja nele.
— Beleza é relativa, não é? Então me baseio no meu próprio senso do que é bonito.
— E quem é a garota das tatuagens? — pergunto, esticando um dos desenhos para que ele veja, e ele caminha novamente até a mesa, olhando todos os designs dispostos — Você a desenhou várias vezes... — Ele observa os desenhos com cuidado, mas não me responde imediatamente. — É melhor guardarmos isso — Junta as folhas e as enfia na pasta outra vez, empilhando novamente junto com as outras. Não era tola. Tinha algo sobre aquela garota e eu sabia disso.
— Você quer uma camiseta? — ele pergunta, desviado completamente o assunto sem nenhuma sutileza. — É meio desconfortável dormir assim, não acha? — Não espera que eu responda, e caminha até o armário vasculhando entre as peças.
— Você prefere com mangas longas ou curtas?
— Longas. É meio frio à noite, não é?
— Não sinto tanto frio assim, mas talvez seja melhor você usar, não sou o melhor parâmetro para temperaturas, tô sempre quente. — ele responde com aquele sorriso bonito, entrega a peça e aponta para a porta do banheiro, como se eu não tivesse deduzido sozinha que era ali, estava meio desnorteado pela pergunta e havia deixado aquilo óbvio. Fugido como um cachorrinho assustado.
Me livro daquelas calças desconfortáveis quase imediatamente, assim que fecho a porta, em seguida, daquele sutiã justo demais, apertando meus seios para cima como uma dama da corte francesa no século XVI, agradecia pela camiseta de Jungkook ser longa o bastante para ficar acima dos meus joelhos, mas as mangas definitivamente tinham tecido em excesso, e puxei-as até a altura dos cotovelos como ele as usava, me encarando no espelho novamente.
Tem lenços umedecidos ali e me livro da maquiagem que Trine havia feito em mim, parecia que estava adivinhando, estou pintada como uma palhaça e pronta para a ocasião com direito a lábios vermelhos. Não queria nenhum resquício daquela festa no meu corpo, embora não pudesse fugir da lembrança do que tinha acontecido, pelo menos me livrar daquilo faria eu me sentir menos pior.
Me distraio vasculhando nas gavetas abaixo da pia de Jungkook: pastas de dente com sabor de menta ao invés de hortelã, barbeadores, lenços e um pacote generoso de camisinhas. G. Uh.
Me sinto como uma adolescente outra vez, descobrindo uma série de pertences proibidos de meu irmão mais velho no meio de suas gavetas e a empurro com tanta força de volta ao lugar que faço um barulho ridiculamente alto, mas Jungkook não se expressa lá fora e deduzo que não ouviu.
Seguro firme a pia, encarando meu rosto no espelho sem nenhum traço de maquiagem dessa vez, e é quase cruel a maneira como sou levada de volta até a noite do beijo, talvez porque saiba que estamos aqui, sozinhos outra vez e nada, absolutamente nada nos impede de fazer o que quisermos. Por alguma razão reviver aquela cena na minha cabeça me deixa quente. Insuportavelmente quente.
Precisava parar, precisava parar agora de pensar naquilo. Não faríamos nada além de assistir os malditos episódios de iCarly e dormir como costumava fazer com Hoseok, como passávamos nossas noites do pijama juntos durante as férias letivas. Comportamentos de dois adultos com muitas responsabilidades.
Tomo um susto quando escuto o barulho do secador do lado de fora e imagino que Jungkook esteja secando o próprio cabelo, pelo menos era o tempo que eu tomaria coragem para sair do banheiro vestida em sua camiseta e para conseguir encará-lo depois disso.
Droga! Por que eu tô nervosa? É só a droga de uma camiseta, a droga de uma noite qualquer com um amigo e nada, nada além disso. Continuava pensando demais sobre as coisas ao ponto de querer apenas me silenciar, mas a questão era conseguir fazer aquilo.
Quando abro a porta, trazendo a minha roupa junto comigo e caminhando até onde Jungkook está, tento não fazer contato visual, mas sinto seu olhar sobre mim que para, desvia e volta.
— Quer assistir agora? — pergunto, mantendo meus olhos fixos nas roupas que estou carregando, fingindo buscar algum lugar para soltá-las como se tudo fosse natural.
— Hum, sim! Preciso só pegar um cobertor extra pra colocar no chão. — ele diz, caminhando até a parte mais alta do seu armário e procurando uma manta grossa.
— Mas pra quê? — pergunto e Jungkook sorri, puxando o cabelo — agora quase seco — para trás.
— Você pode ficar na cama, vou dormir no chão... — ele diz, estendendo o cobertor ao lado do espaço livre do piso de madeira.
— Eu posso dormir no chão, a cama é sua! — rebato e ele continua insistindo.
— Prefiro que durma aí, ok? Não tem problema! — ele comenta e não o questiono outra vez. Naquele meio tempo que começamos a assistir a um episódio aleatório de iCarly, Jungkook está completamente concentrado no que está acontecendo, enquanto eu não paro de pensar em coisas completamente banais naquele minuto. Prometi que não pensaria em Taehyung, mas continuava voltando até aquele momento onde suas mãos deslizavam para dentro do vestido da garota, me levando até aquele sensação intensa de vergonha, como se tivesse me exposto completamente para alguém que não deveria. É a risada de Jungkook, deitado confortavelmente ali no chão que me puxa daquele pensamento.
— Qual seu personagem favorito? — ele pergunta, apoiando o braço por trás da cabeça, puxando a própria camiseta para cima, sem se dar conta, exibindo por baixo do tecido da cueca preta, a ponta da sua tatuagem.
— Acho que a Sam. Eu tenho um pouco de Sam. — Será que ele me pegou o avaliando daquela maneira cretina? Definitivamente o pior momento para ter os meus lapsos de lembranças daquela noite com Jungkook. Devaneando sobre o que poderia fazer com ele ali, outra, outra e outra vez.
— Definitivamente você tem um pouco de Sam.
Assistimos mais dois ou três episódios e resolvemos dormir, embora eu soubesse que não dormiria tão cedo, não poderia manter Jungkook acordado uma noite inteira por minha causa, já sabia que era um grande favor me fazer companhia, deixá-lo sem dormir seria cruel.
Pelo menos ficar ali, quietinha e encolhida no meio dos seus lençóis, evitaria qualquer arrependimento futuro e qualquer decisão tomada por conta de toda a euforia sexual que parecia me cutucar cada vez que ele estava perto. O tesão contido, como Trine vivia dizendo.
Estou me virando para lá e pra cá na cama há quase quarenta minutos, a única luz que vejo no quarto é a da luminária de cacto que ainda está ligada por cima da mesa de estudos de Jungkook, ele havia deixado acesa caso eu precisasse ir ao banheiro ou pegar algum lanche, tenho certeza que ele dormiu nos primeiros dez minutos depois que paramos de assistir os episódios de iCarly, devia estar cansado.
— Não consegue dormir? — ele pergunta, provavelmente porque a cama não para de balançar a cada vez que me reviro pra lá e pra cá.
— Desculpa, eu te acordei? — Além de tomar sua cama e seu tempo, ainda não o deixava dormir. Péssima escolha, Jungkook.
— Não, só não consigo relaxar. — diz e ficamos em silêncio, naquele meio tempo que cabe uma resposta. Estou ponderando se deveria dizer o que quero dizer, se não vou me arrepender depois, mas as palavras estão tomam forma sozinha. Como se algum ponto do meu corpo pudesse vocalizar meus desejos e vontades sem o meu consentimento.
— Deita aqui comigo. — As palavras se perdem no meio do silêncio, do vento frio batendo na janela e das persianas que tocam no vidro. Penso que ele vai ignorar o pedido e fingir que não existia só nós dois naquele quarto, que não era com ele, mas Jeon levanta e deita no espaço que abro para ele, encaixando as pernas dentro do edredom.
Estou de costas para ele, mas consigo sentir seu calor quase sufocante, como se sua pele estivesse constantemente quente.
— Qual parte minha você escolheria para desenhar? — pergunto, me virando em direção ao seu rosto bonito, com os fios de cabelo agora espalhados ao redor do travesseiro.
Jungkook avalia meu rosto milimetricamente, como se estivesse me vendo pela primeira vez e não me movo, não desvio, só o encaro de volta da mesma maneira. Na mesma intensidade que seus olhos escuros me entendem.
— A sua boca... — ele começa. — Você tem uma boca bonita. — Seu comentário faz com que eu me sinta estranha, como se a mesma quentura que a lembrança do nosso beijo me causava estivesse presente ali, entre nós dois. Merda! Materializo tudo de novo na minha cabeça: sua língua, sua boca gostosa, seus dedos. Talvez Jungkook não precisasse de tanto para me deixar de joelhos fracos, não tanto quanto imaginava que outra pessoa precisaria.
Não sei exatamente o que soa tão sensual naquela frase, no timbre macio de sua voz, sei que ele é quase ingênuo no seu comentário, talvez não completamente como eu imagino que tenha sido sua intenção, não era possível que não soubesse do poder que tinha.
— Só isso? — a pergunta sai como um sussurro, uma lufada de ar, porque me aproximo tanto de seu rosto que tenho certeza que ele pode me ouvir claramente naquele espaço pequeno que existe agora entre nós agora, mesmo daquele jeito, em um tom de voz tão baixo.
— Eu te acho linda... — ele continua, antes de umedecer os próprios lábios de uma maneira sutil. Observo a pinta bonita abaixo do seu lábio, quase escondida por ele, era a minha favorita — Te desenharia inteira. — O clima muda, o ar entre nós, o calor do meu corpo que em meio segundo de uma proximidade errada parece absorver o que vem dele como se Jungkook fosse um raio de sol penetrando em minha pele.
— Por onde começaria? — Estou brincando com fogo, eu sei disso, sei exatamente que fim aquela conversa teria, sei que não deveria instigá-lo daquela forma, mas não consigo parar e antes de tudo, não quero. Jungkook puxa minha mão, repousada entre o espaço minúsculo que separa nós dois e beija a ponta dos meus dedos. Talvez não estivesse sendo impulsiva sozinha.
— Por suas mãos... — Fecho os olhos porque a quentura de seus lábios aos poucos me fazem imaginar até onde aquela rota de beijos iria, se ele quisesse deixaria que sua boca me tocasse onde sentisse vontade. — E depois? — continuo, assumindo toda a responsabilidade do que faria em seguida. Eu havia começado aquele jogo, dado início a inquietação óbvia de Jungkook, atiçado suas vontades no meio das minhas e lidaria com as consequências disso.
— O seu pescoço... — Seus dedos deslizam naquele lugar, em seguida, sua boca, sugando um pouco mais de pele. Respiro tão fundo que posso romper o peito. Nenhum ar parece suficiente, como se nunca tivesse experimentado a sensação de respirar completamente em algum momento, era como inspirar oxigênio pela primeira vez.
— E depois? — pergunto, mesmo sabendo a sua resposta quando ele se encaminha para ela, avançando por cima de mim de uma maneira melhor que havia imaginado em algum ponto daquela semana, tentando lutar contra os meus próprios pensamentos.
Fico tonta quando Jungkook finalmente me beija, quase fora do ar, como se meu organismo estivesse se perguntando como eu poderia ter sobrevivido um dia que fosse sem aquela sensação, uma espécie de vício interrompido por uma abstinência.
Sua língua enrosca na minha, quente e desajeitada demais para que eu continue uma linha de pensamento sobre o certo e errado. Aquilo tudo parece saudade. Ele inteiro tem gosto de desejo interrompido, proibido. De tudo que é excitante demais no escuro.
Sua mão continuando subindo pela minha coxa e invadindo a camiseta — que é sua — deixando um aperto provocante em minha bunda, tão firme que em outra ocasião poderia considerar Jungkook rude, mas gostava de quando ele era assim, forte. Inflexível.
Fazia jus a sua personalidade falsamente arrogante, a sua prepotência fajuta que me deixava excitada, mesmo que eu nunca o deixasse saber disso. Nem antes, muito menos agora.
— Me toca mais, por favor... — sussurro contra sua orelha, quando suas mãos parecem conhecer a rota por dentro da minha roupa, apertando firme meu quadril e indo e vindo até a lateral da minha calcinha.
— Você tem certeza disso, Leanor? Não vai se arrepender depois? — Seus olhos estão fechados quando beijo seu pescoço, deslizando a língua exatamente naquele ponto que o faz apertar minha cintura com mais força e não penso duas vezes antes de mover sua mão até meu seio, pressionando seus dedos por baixo dos meus
— Você vai deixar eu me arrepender? — questiono, contornando de beijos sua orelha, roçando os dentes no espaço entre seus brincos de argola. Sua respiração é profunda, uma tentativa de manter o autocontrole, mas falhamos naquela missão, porque naquele meio segundo que sua mão está ali, apertando meu seio por conta própria e a minha está deslizando por cima de sua ereção, sei que começamos algo que não vai terminar bem. E honestamente, não dou a mínima.
— Então tira essa camiseta, vai. — ele sussurra contra minha orelha, os dentes irritantemente bonitos tocam de leve meu pescoço, e é quase uma ordem e eu a obedeço, puxando-a para fora do meu corpo enquanto me sento diante dele, com a mesma facilidade com que Jungkook se livra da que está vestindo e vejo a continuação da tatuagem nova que havia notado mais cedo, começando como um desenho bonito tomando forma no pescoço e descendo pelo seu braço, até o pulso. A proteção do guerreiro.
Quase involuntariamente minhas mãos tocam com as pontas dos dedos a figura pintada nele, destacada na sua pele bronzeada, seguindo a rota do antebraço até o ombro. Podia sentir o desenho nas minhas digitais, sabia que o decoraria com a mesma facilidade que desejo decorar sua maciez. Por que Jungkook é fodidamente macio. Uma mistura cretina que evidenciava a dualidade dentro dele: suave e ríspido.
Sua pele nua toca a minha e estremeço. Tudo nele queima, ferve, parece entrar em combustão. Ele é o próprio fogo, o inferno inteiro.
— Porra! — Jungkook segura meus cabelos com sua mão antes de puxá-lo para cima como um rabo de cavalo, mordendo com força meu pescoço. Definitivamente teria essas marcas pela manhã. Deixaríamos vestígios do que tínhamos feito. Uma rota que começa e termina. Recomeça e termina outra vez. Um caminho de mordidas, chupões, beijos e lambidas.
Eu odeio Jeon Jungkook.
Eu o odeio.
Eu odeio que esteja aqui e odeio que tenha entrado na minha vida. Odeio sua boca. Odeio suas mãos. Odeio seu gosto bom demais para ser esquecido. Odeio seu cheiro e esse cabelo bonito. Odeio que ele me faça querer derreter. E odeio o quanto o quero agora. Eu odeio.
Odeio.
É naquele singelo instante, quando sua língua escorrega pela minha clavícula, deixando que seu piercing deslize por entre meus seios, que sei que não há nada em que possa me segurar agora. Nenhuma linha de sanidade que me salve de Jungkook, de sua boca e do que quer que ele esteja prestes a me fazer sentir.
Seu olhar encontra o meu e aquele meio sorriso se forma no canto da sua boca, como os vilões dos filmes clichês. Ele é cruel e eu deveria temê-lo, sei disso. Mas quando sua boca envolve meu seio, não sou capaz de conter mais nenhum dos sons presos no fundo de minha garganta, a pequena peça de metal desliza contra o meu mamilo e minhas mãos apertam firme a nuca de Jungkook, mas seus olhos continuam fixos no meu rosto.
— Você gosta assim, uh? — Ele sussurra. — Diz pra mim.. — A ação se prolonga como um castigo que para e recomeça, finalizando sempre com um estalo de sua saliva se desprendendo de minha pele. Sua mão desliza para dentro de minha calcinha e só consigo pensar em uma quantidade absurda de palavrões para expressar o que sentia no momento. Nem as junções de todos eles, como um foceta, bocerra ou porralho conseguiam definir a intensidade do quanto aquilo acabava comigo.
— Tá tão molhada... — ele comenta, observando a própria ação de movimentar a mão contra mim, pra cima e pra baixo, parando apenas por um segundo, levando os dedos até a boca — e é gostosa pra caralho.
Ok, talvez um porralho fizesse sentido naquela situação.
Nossas bocas se encontram novamente, devoram uma a outra, parecem não cansar daquele caminho. Toco o cós de sua calça de moletom, sentindo os músculos de sua barriga e deslizando os dedos para dentro do tecido de sua cueca, tocando suavemente seus pelos.
Sua boca se desprende da minha com um gemido baixinho quando aperto de leve seu pau.
— Eu quero te sentir na minha boca... — sussurro contra seus lábios, rosados demais, maltratados de tantos beijos consecutivos, de mordidas imploradas no silêncio e de nós dois, incansáveis um do outro — Você tá tão quente, Jun.
— Porra, porra... — ele repete, mas pra si mesmo do que para mim, em um tom longo e manhoso, quase como um filhotinho. A dualidade que dominava e deixava dominá-lo oscilava dentro dele. E eu havia perdido as estribeiras completamente. Havia tacado o foda-se, pensado nas regras de Trine e esquecido, por uma noite, tudo que havia imposto como certo e errado. Talvez o peso do mundo caísse os meus ombros na manhã seguinte, mas naquele momento, não me preocupo com isso. Me preocupo apenas com homem que está diante de mim agora, implorando para ser tocado e o resto eu poderia deixar para depois.
Jungkook fica de pé sob sua cama improvisada no chão, enquanto puxa seu moletom para baixo, com os olhos fixos em mim, ali. Primeiro ele se livra sozinho da calça, em seguida, lentamente puxo sua cueca para baixo e Jungkook suspira, tão alto que posso ouvir um grunhido na sua garganta.
Sua tatuagem serpenteia pela pele, linda. Começa ali, na altura do quadril e desce pela sua coxa bonita em um conjunto de desenhos circulares e escuros, escorregando para a parte interna de sua perna, cobrindo a lateral de sua nádega direita.
— Ela é linda... — comento, tocando de leve o desenho e beijando o início da pintura maori.
Jeon arfa, desliza a mão sobre o próprio peito denunciando a ansiedade e gosto de vê-lo daquele jeito, querendo tanto algo que só eu posso oferecer. O seguro entre meus dedos, sem desviar o meu olhar do seu, não posso ver seus olhos quando ele move a cabeça, escondidos no meio de seu cabelo comprido, mas sua respiração é pesada o bastante pra denunciar o que ele sente.
— Posso pedir uma coisa?
— Hum? — ele responde, puxando os próprios cabelos para longe dos olhos.
— Me chama de gatinha hoje. — É a última coisa que digo, antes de colocá-lo em minha boca. Quente e firme.
Minha língua desliza, envolve e o solta em um ritmo particularmente lento, mas Jungkook pela primeira vez, desde que tudo havia começado, geme alto.
A cabeça jogada pra trás, as mãos abertas paradas no ar e os olhos fechados. Uma visão sensual e errada demais. Não, certa até demais. Pararia de achar que meus desejos eram errados só por não seguirem meu plano frustrado de vida perfeita.
Jungkook pulsa na minha boca, sua mão agora envolve meu cabelo afastando-o completamente do meu rosto, encarando todo meu trabalho;
— Caralho, gatinha. — Seus dedos apertam mais o meu cabelo. — Isso! Assim! — Seus músculos estavam tensos demais, tanto que ele estremece quando minha mão toca sua coxa, subindo em direção ao seu quadril. — Se você continuar assim, juro que não vou aguentar muito tempo... — Ele inspira, afastando o cabelo dos olhos e me deixando vê-lo dessa vez.
— Você quer que eu te chupe, uh? — ele sussurra, quando desprendo minha boca dele, antes de fazê-lo chegar ao fim. E nos beijamos outra vez. Uma infinidade de vezes.
Havia anulado tudo, dado voz ao pensamento secreto preso dentro do meu corpo, deixado que uma vontade interrompida falasse mais alto, gritasse em alto e bom som pra mim.
— Deita! — A palavra sai da boca de Jungkook e se perde dentro da minha, mas seu olhar é autoritário e altivo, incisivo e eu gosto disso.
Seu corpo cabe perfeitamente entre minhas pernas, enquanto ele mordisca meu queixo, trilhando um caminho de beijos que vai até as minhas pernas. Sua língua dança na pele de minha coxa, seus lábios se enroscam ali, enquanto seus olhos permanecem fixos nos meus. Ele nunca, nunca desvia. Os dedos de Jungkook se enroscam no cós de minha calcinha, puxando-a para baixo tão lentamente que preciso fechar os olhos por um segundo, me concentrar no que ele está fazendo, assimilar tudo com mais calma.
— Pede! Eu quero te ouvir pedir... — Estou agarrada aos seus lençóis, enquanto ele faz um caminho tortuoso com seus dedos em mim outra vez. — Por favor, Jungkook... — As palavras são só suspiros, soltas e quase incompreensíveis, mas Jungkook traceja uma linha de saliva — de cima à baixo — tocando exatamente naquele ponto onde sinto tudo.
— Puxa meu cabelo... — ele diz, com seu sorriso cretino demais. — Com força.
Minhas mãos soltam a base da cama, debilmente rastejam até o cabelo dele, emaranhando meus dedos no topo da cabeleira escura de Jeon.
A língua de Jungkook se movimenta, quente e molhada, mas é o maldito piercing o grande culpado pela sensação gostosa que me atravessa, enquanto ele está ali, de olhos fechados, me devorando inteira como se soubesse exatamente o que estou sentindo e só quero derreter pra ele. Da maneira que ele pedir.
— Me diz como você gosta... — ele sussurra. — É gostoso quando faço assim? — A pergunta soa suja demais, acompanhada da ação seguinte, quando sua língua deslizando em mim, subindo e descendo em uma velocidade absurdamente lenta, e seus dedos apertam tanto minhas coxas que provavelmente estaria marcada por suas digitais dentro de algumas algumas horas. Puxo seu cabelo e ele suspira. Me olha como se estivesse o instigando naquela tarefa. — Você é gostoso. — Aquilo provoca o efeito esperado, sem que os olhos de Jungkook desviem dos meus e a intensidade do seu toque não me permite pensar com clareza. Não sei como estou resistindo tanto, a visão de Jungkook ali, seu toque, o cenário de nós dois emaranhados demais, meu corpo parece que luta bravamente para que aquilo não tenha fim, mesmo que esse seja o único final possível quando Jeon faz tudo ser tão bom daquele jeito.
Suado e molhado, como uma bagunça sexy, Jungkook engatinha até minha boca porque aquilo ainda não acabou. O cabelo despenteado, com fios para todos os lados, escondendo seus olhos. A luz esverdeada da sua luminária de cacto só o deixa mais bonito, me dá a certeza de que ele conseguia ser lindo de todos os ângulos e sob todas as luzes.
— Você quer? —ele pergunta, deslizando a mão pelo próprio pau, uma maneira nada sutil de dizer que ainda estava esperando por uma resposta. Beijo-o novamente, mordendo seu lábio daquela maneira que sei que ele gosta, envolvendo minhas mãos em sua nuca outra vez.
— Quero você... — respiro fundo — agora.
Me acomodo na sua cama outra vez como se ali fosse o meu lugar, como se fosse a deusa que dá as ordens e Jungkook fosse o guerreiro, obediente, fiel e forte. Deslizo as mãos por suas coxas como no sonho que tive, tocando sua tatuagem enquanto o observo se movimentando para a ação seguinte. A luz do poste lateral do prédio do dormitório entra pelas frestas de sua persiana, iluminando a correntinha pendurada ao redor do seu pescoço, uma medalhinha com um desenho bonitinho de uma tartaruga marinha. Era aquele maldito conjunto de Jungkook que me deixava sem forças. Bonito pra caralho. Poderia dizer com convicção que em todas as ocasiões possíveis. Ele era lindo.
— Se eu te machucar, promete que me diz? — ele pergunta, antes de posicionar o quadril entre minhas coxas, segurando minha perna ao redor dele.
— Uhum... — respondo, antes dele suavemente me penetrar. Soltando um suspiro no meio tempo que afasta os cabelos para trás. Continuo observando seu rosto, cada expressão nova que surge nele; os olhos fechados e as sobrancelhas franzidas. As suas sobrancelhas lindas.
Ele se movimenta e me olha, o lábio inferior sendo maltratado pelos próprios dentes, enquanto luto contra minhas próprias vontades para continuar de olhos abertos.
— Hmm, você é tão quente... — digo e ele me beija outra vez, intensificando a sensação gostosa dos seus movimentos. Minhas mãos dançam pelas suas costas fortes descem até o bumbum, apertando com força naquele lugar. E Jungkook sorri. Um sorriso perdido no meio de uma expressão de deleite.
— Me beija, uh. — cochicha, de olhos fechados e o toco outra vez, ouvindo seus gemidinhos no meio de um beijo que parece ferver.
Poderia detestá-lo, odiá-lo com todas as minhas forças, continuar dizendo com toda certeza que Jungkook era um idiota infantil demais, mas não poderia negar as coisas que ele fazia bem. E em uma lista que envolvia gostos musicais, sanduíches com molhos estranhos e cuidados excessivamente fofos, adicionaria aquele adjetivo positivo para o seu talento secreto. Sabia exatamente como usar seu corpo.
Estou vendo pontinhos inexistentes no teto branco do quarto, uma leve dormência na coxa e sei que estou perto. Tão, tão perto.
— Quer ficar por cima um pouquinho? — ele pergunta, diminuindo a velocidade e no meio de um beijo lento e quase vulgar, invertemos as posições por cima da cama.
Consigo ver o rosto de Jungkook com mais clareza agora, do alto, e cuidadosamente o encaixo outra vez dentro de mim. Me movimento tão devagar que Jeon se contorce nos lençóis, a língua para fora, tocando o lábio superior, como tinha percebido uma vez que se tratava de uma maneira — dele — se manter concentrado. Apertando com força meu quadril, quase ditando o ritmo que em eu que subia e descia nele. Gostava de ouvi-lo, Jungkook não gostava de conter o que sentia, nenhum som. De alguma forma me sentia poderosa, na minha posição natural de ser a causadora daquela euforia. Fazê-lo sentir bem daquele jeito me fazia sentir exatamente da mesma maneira.
— Isso... — ele suspira. — Faz ir bem fundo.
Seus dedos sobem, deslizam pelos meus seios, tocando meu pescoço em seguida, minha boca. Toco a ponta deles com a língua, chupando seu dedo indicador enquanto assisto a sua expressão sensual demais.
—Caralho... — Jungkook ergue o quadril um pouquinho, movimentando em um ritmo ainda mais forte, sua mão livre apertando firme minha bunda. — É gostoso quando te fodo assim, uh? — O beijo outra vez, tão intenso que não consigo mais pensar. Ele geme em minha boca e naquele momento, não tenho mais nenhum controle do meu próprio corpo. Sou atingida por uma onda de prazer absurda, ofegando tão alto que Jungkook precisa conter o barulho com a mão. Certeza que Suk, o garoto do quarto ao lado teria ouvido aquilo se estivesse lá, qualquer pessoa naquele corredor teria escutado. Rio sem parar. Uma crise de riso sem sentido que deixa Jungkook com uma expressão de dúvida, me olhando e gesticulando para que eu faça silêncio. Ele tá perto e eu posso deduzir pela maneira que tomba sua cabeça para trás quando mordo seu lábio com mais força, puxando para mim no momento que ele dita os movimentos mais e mais rápido.
— Puta que pariu, gatinha.
♆
— Trine, fecha a porra da janela. — As luzes invadem a persiana do quarto e não tenho noção de que horas são. Mataria Trine por deixar aquela droga aberta tão cedo enquanto ela fazia suas sessões de Yoga no meio do quarto, absorvendo luz do Sol ou sei lá o que.
— Christine, é sério! Fecha essa droga. — Assim que abro os olhos, tomo consciência de que aquele não é meu quarto, de que aqueles posters, as miniaturas colecionáveis do Homem de Ferro, os moletons pendurados ao lado do espelho não são meus. Muito menos de Trine.
Demoro alguns segundos para assimilar de que estou no quarto de Jungkook e as lembranças que parecem borrões tomam forma, claras demais na minha cabeça.
Caralho. Caralho. Caralho.
Estou vestida na camisa de Jungkook, não aquela que ele havia me emprestado para dormir quando cheguei aqui, mas a que ele estava usando. Aquela com alguma logo de banda de rock na frente, com seu cheirinho de banho ainda preso nela.
Havíamos nos beijado, eu lembro disso. Mais do que apenas beijado e também me lembro disso. Tava fodida. Literalmente. Fodida.
Ouço o bip da porta sendo destravada e reconheço o som dos seus passos.
— Ei, você acordou! — ele diz, sorridente e bonito demais, bonito pra caralho. Deus, porque tão bonito? — Trouxe café da manhã pra você. — Ele me entrega a bandeja bonitinha com uma porção de cereal de chocolate com leite e um suco de laranja.
Jeon caminha de um lado para o outro, arrumando a bagunça, guardando os lençóis da cama improvisada que provavelmente nunca foi usada e continuo parada, segurando a bandeja, com os olhos fixos nele.
— Ontem... — pigarreio. — nós transamos? — A pergunta era quase retórica observando a situação de minhas coxas, do pescoço marcado de Jungkook, do fato de estar usando apenas aquela camiseta e nada mais.
— Uhum. — Sua expressão é confusa. Talvez mais confusa do que a minha. Sua naturalidade é que me quebra, porque não existe um clima estranho e culpado, o acordo sequer foi citado em algum momento, e eu sei disso. Ele me trouxe café da manhã. A droga de uma café da manhã. — Mas usamos proteção, eu não go...
— Tá, tá, tá. Entendi. — o interrompo. Morreria se ele usasse aquela palavra com G.
— Aconteceu alguma coisa? — ele pergunta. — Eu fui rude com você ou algo assim? — A preocupação muda seu tom de voz, e continuo o detestando por ser tão fofo.
— Não, eu gostei quando você foi rude. — Porra! — Digo, você foi rude, mas não rude de um jeito que me machucou, entende? É só que... foi repentino, não acha? — Minha pergunta paira entre nós dois e seu olhar passeia pelo quarto, voltando até mim.
— Não, você acha? — É errado olhá-lo assim, com essa droga de carinha inocente e expressão preocupada demais.
— Não. Eu só me sinto confusa. — Nada novo, Jungkook. Terminei de assinar uma pena de morte, cavei minha própria cova. Tomo um gole do suco e o observo caminhar até onde estou, sentando-se ao meu lado. Agora poderia dizer que cada parte dele era familiar demais, que eu conhecia exatamente todas as formas que o seu corpo tinha, que havia encontrado, beijado e tocado outras pintinhas e descoberto suas partes mais sensíveis (e exatamente o que ele gostava que fossem feitos nelas.)
— Hum, acho melhor eu ir embora! — digo, colocando a bandeja por cima da mesa de cabeceira e ficando de pé imediatamente.
— Mas agora? Você nem terminou o seu café... — Não dificulte as coisas, Jungkook.
— Eu preciso... hmmm, a Trine ela me ligou, precisa que eu compre absorventes pra ela.
— Oh, você quer que eu te acompanhe até a conveniência?!
— Não, não! Pode ficar, certo? Aproveite seu dia livre, eu vou só me trocar.
Visto a fantasia que estava usando ontem e evito me encarar no espelho, odiaria me olhar depois de tudo que havia feito sem sentir culpa alguma. Até mesmo agora, não sentia nada, absolutamente nenhum sentimento duvidoso, e não existe nada mais preocupante do que isso. Alguma coisa estava errada. Alguma coisa estava MUITO errada.
Caminho para fora do banheiro e Jungkook está sentado na sua mesa, organizando novamente as pastas de desenhos. Está descalço, todo bonitinho usando aquelas bermudinhas de moletom e suas camisetas monocromáticas pretas. Faria tudo de novo agora. Naquela cadeira. Na mesa. No chão. Na cama.
Ele sorri pra mim, afastando para levantar e caminhar até onde estou.
— Ontem foi... espetacular. — ele comenta, envolvendo os braços ao redor da minha cintura. Não sei como reagir, não sei o que dizer agora. Gosto de ouvir aquilo. Mas não deveria.
— Não vejo a hora da gente... — Antes que ele termine a maldita frase que faz meu útero tremer, o interrompo.
— Obrigada por ter me deixado ficar aqui. — digo e ele afasta uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, segurando minha nuca e me beijando de novo. O efeito é o mesmo. Um silenciador de dúvidas e pensamentos. Um incitador de tesão contido. Porra.
Mas eu preciso mesmo parar. Me desvencilho dele, o deixando com os lábios entreabertos e os olhinhos fechados, aquela expressão errada de quem não estava pronto pra me largar agora.
— Melhor eu ir embora, quando você se aproxima eu fico... — E lá vem ele de novo.
— Fica aí. Fica quietinho aí. Eu já vou.
Caminho até a saída, segurando meus sapatos como um escudo, fechando a porta atrás de mim e ouvindo o bip da tranca automática.
Tava muito fodida.
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