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Então ela tenta esconder sua dor
E afastar suas inseguranças
Porque modelos não choram
Com a maquiagem feita, mas...
Há uma esperança
te esperando na escuridão
Você deveria saber que é
linda do seu jeito
E que você não tem que mudar nada
o mundo que deveria mudar de ideia
Não há cicatrizes na sua beleza
Nós somos estrelas e somos lindas
— Alessia Cara - Scars To Your Beautiful
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Mais um dia trabalhando no salão de beleza da minha mãe. Acho que tenho um bom palpite pra ela ter me aceitado aqui.
Ninguém nesse lugar se interessa por maquiagem.
É como aquelas cidades abandonadas nos filmes antigos. Nesse salão, toda vez que indico alguma chance de fazer maquiagem, a pessoa se ofende e vai embora. Minha mãe está bastante satisfeita com tudo e vai tentar a todo custo me convencer.
― Seus dias de princesa estão acabando, Every. Aproveite enquanto ainda dá tempo de entrar na faculdade de medicina. ― Mariah me diz, sorrindo de canto.
― Não vai me convencer, mãe. ― Respondi. Tentei ao máximo não mostrar o quanto aquilo me machucava. O quando era doloroso que ela não me apoiasse.
― Esse salão é uma maldição em minha vida, não vejo a hora de me aposentar e vende-lo. Teremos dinheiro suficiente pra pagar sua faculdade. ― Ela continuou falando, ignorando minha reclamação.
― Mas eu...
― Apenas assim você vai ser alguma coisa na vida. Ter um emprego de verdade e um sonho normal. Ser médica é perfeito, já fico imaginando a cara da Sammy. ― Minha mãe não parava. Ela arrumava o resto dos produtos enfileirados, fazendo os planos.
― E se eu não quiser? ― Rebati, falando alto o suficiente pra ser ouvida.
Mariah se virou, me encarando e sem mais um sorriso no rosto.
― Minhas escolhas são melhores pra você. Esse sonho estúpido de ser maquiadora logo vai passar e tomará juízo. Ser médica é o seu propósito. ― Ela insistiu.
― Não, mãe. Ser médica é o seu sonho, seu antigo propósito e sua escolha. Se eu não quiser nada disso, vou continuar sendo uma pessoa normal. ― Expliquei, tentando contornar a situação. Minha mãe estrala a língua, me provocando.
― Esses pensamentos absurdos estão te fazendo mal. É possível ver isso em seu corpo. Precisa emagrecer, já avisei, essas dobras na sua barriga estão quase pulando pra fora da roupa. Vista algo mais folgado enquanto não perde peso. ― Ela muda de assunto, cutucando outra insegurança minha.
― Meu peso está normal pra qualquer jovem da minha idade. Não estou interessada em me encaixar em padrão nenhum só porque a senhora quer. ― Devolvi a resposta.
― Pelo menos pare de usar esse batom ridículo. Deixa sua boca enorme. ― Ela continua, de qualquer jeito tentando me fazer ficar pior.
― Lamento informar, mas isso se chama genética. Eu não me criei sozinha. ― Declarei, acabando de guardar tudo e querendo sair o mais rápido que podia.
― Você puxou a família do seu pai, continue assim e se vai se tornar pior que eles. ― Ela informa, como se eu tivesse perguntado alguma coisa.
― Tchau, mãe. ― Ainda consigo dizer, ignorando a ardência nos meus olhos.
Eu não vou chorar por causa dela de novo. Não mais.
Saio do salão e sigo até meu apartamento, a algumas quadras dali. Já são quase seis da noite e não posso ter o privilégio de ir ao bar, já que ainda tenho que terminar meu curso de maquiagem e quero ficar sozinha hoje. O dia foi cansativo demais.
Aceno pra o porteiro e entro no meu pequeno apartamento, ainda precisando de reforma. As paredes estão pintadas de um cinza claro, a decoração é rústica e a primeira coisa que aparece é uma foto minha com meu pai, sorrindo.
Depois que meus pais se divorciaram e meu pai foi morar fora do estado, eu me sinto solitária. Ele passava muitas tardes assistindo séries comigo e me ajudado até a pintar minhas unhas. Foi ele que me deu o meu batom da sorte.
O batom...
O dia foi uma porcaria infinita, e pra isso acontecer só tem uma explicação. Eu remexo em minha bolsa, virando-a de cabeça pra baixo e deixando tudo cair no sofá. Meu batom desapareceu. Não está mais em lugar algum.
Fiquei ali parada no meio da minha sala, com as mãos na cintura. Posso pensar em todos os lugares que passei hoje e as chances de encontrar é zero. Não abri minha bolsa em momento algum durante o trabalho ou quando estava na rua.
É impossível que ele tenha saltado pra fora da bolsa magicamente.
Fecho os olhos e me forço lembrar de tudo, de ontem pra hoje.
De imediato, a imagem do cara desconhecido reaparece em minha mente. O gosto da sua boca, a maciez de seus lábios grossos, a sua covinha no queixo e principalmente o jeito que me olhou depois do beijo. Um diamante raro.
Todas aquelas emoções foram fortes, jamais sentidas por mim antes. Foi tão único, que fiquei louca. Mais do que já sou. Muito mais.
Louca ao ponto de sair correndo como uma covarde.
Decido que vou mandar uma mensagem pra Alex, perguntando se ele viu meu batom por lá. É o lugar mais obvio. Ele vai entender a importância e fazer algo pra encontrar, tenho certeza.
No momento em que meu celular conecta a internet, ele não para mais de vibrar e piscar. O grupo de maquiadoras da cidade está enlouquecido com alguma notícia, então começo a ler as mensagens pra entender o que está acontecendo.
"O vocalista Matthew McDavis e seu amigo, o baterista Benjamin Magalhães, membros da banda MBCD, foram vistos ontem à noite no Bar Lunes. Ainda não sabemos o motivo, mas os dois foram expulsos pelos seguranças do local."
Eu arregalo meus olhos e leio tudo de novo, tentando entender como raios dois membros de uma das bandas mais famosas do país foram parar no Bar Lunes. E o motivo que eles seriam expulsos sendo que todos idolatram os caras.
Vejo a foto logo abaixo na notícia, está meio borrada, mas é bem obvio que são eles. Principalmente quando estão entrando no táxi. Dou zoom, tentando olhar os rostos deles.
E então, deixo meu celular cair no chão.
Matthew McDavis. Ele é exatamente igual ao cara que beijei no bar.
Ou melhor, eles não são exatamente iguais. Eles são a mesma pessoa.
Eu beijei Matthew? Não, eu devo ter me enganado. Eu saberia se fosse Matthew.
Escuto as músicas, sei qual a sua voz, assisto aos clipes e o sigo no Instagram. É impossível que eu tenha passado aquela vergonha na frente dele. Existe alguma explicação pra tudo isso.
Ligo pra Alex, o único que pode contar toda verdade. Ele me viu conversando com o cara (o talvez Matthew). Ele estava no bar ontem, deve ter visto também os dois serem expulsos do bar. Mas Alex não atende nenhuma chamada.
Por fim, desisto de ligar e vou olhar a foto de novo.
Com certeza é Matthew na foto, ao seu lado está Benjamin, seu melhor amigo. Eles são jogados no chão, a próxima foto é deles discutindo e depois chamam um táxi que passou bem na hora. A imagem só fica boa quando eles estão entrando no carro e olham pra trás, sem perceber a câmera tirando fotos.
Como um golpe, me lembro do que ele disse. "Tenho uma opinião muito forte quando se trata de música. Não consigo controlar meu coração acelerado."
Oh meu Deus! É isso, é a prova.
Peguei o celular e coloquei o nome da primeira música da banda, no álbum de Labirinto. E lendo a letra, encontrei exatamente a mesma coisa.
"Não consigo controlar meu coração acelerado..."
Não era apenas um flerte, mas uma tentativa de saber se eu o reconheceria. Ele citou um trecho da própria música, e eu nem mesmo notei.
Finalmente, meu celular toca e o nome de Alex apareceu.
Atendi no primeiro toque.
― Precisamos conversar urgente! ― Eu falei primeiro.
― Se eu soubesse que o cara de ontem era Matthew, eu teria jogado água nele também. Sabe como estou feliz em ter chutado a música contemporânea pra fora do bar? Me sinto renovado. ― Ele começou a falar, praticamente respondendo minha primeira pergunta.
― Alex, o cara de quarta-feira que você viu conversando comigo, era parecido com o Matthew ou isso é impressão minha? ― Perguntei logo.
― Impressão sua, Evy. ― Alex diz, me fazendo suspirar de alívio e decepção. Então, ele continua. ― Estou brincando, maluca! O cara que você beijou quarta-feira era mesmo o Matthew McDavis.
― Como é?!
― Sim, e ele foi lá ontem procurar você. Queria seu nome e o número de celular, também quer entregar seu batom da sorte. Tentei pegar escondido, mas ele guardou no bolso da calça. Disse que só entrega pessoalmente. ― Alex explicou tudo.
Fiquei alguns segundos calada, processando a informação.
― Pelo meu blush mais sagrado, eu beijei o Matthew! ― Dei um grito e comecei a pular pelo apartamento, balançando meu quadril.
― O blush mais sagrado? De onde tirou isso? ― Alex questiona, certamente franzindo seu rosto.
― Espera aí, como vou olhar pra cara dele depois ter saído correndo igual uma louca? Ele deve achar que sou a maior estranha do mundo.
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