Justificativa
A teoria de Armindo foi interrompida pela entrada de dois frades na biblioteca. Não eram muito conhecidos nem se destacavam entre os outros, mas aquela intromissão estava atrapalhando a investigação.
— Por Deus, teremos que retornar à noite? Vai ser a terceira vez que eu e Armindo vamos abandonar nossas celas e nos arriscar no meio da madrugada. — Sussurrou Francisco ao grupo.
— Acho que temos outra coisa com a qual nos preocupar. — Respondeu Júlio, suavemente.
Os olhares que os visitantes da biblioteca estavam dando para os três eram olhares de suspeita, de condenação. De fato, na euforia da resolução do caso, se esqueceram de que estavam fazendo tudo isso em segredo dos muitos outros frades que viviam ali.
Dois rivais acirrados estavam unidos a uma figura recém-chegada e muito controversa. Ora, se isso não era suspeito, o que mais seria? Tinham se esquecido do resto do convento.
Como se dois frades não fossem o suficiente, um terceiro adentrou a biblioteca, também com um olhar estranho.
— O Frade Superior deseja vê-los.
O medo atingiu-lhes repentinamente. Teriam sido descobertos? Tinham feito algo de errado? De qualquer maneira, não poderiam ter as investigações atrapalhadas, não após terem chegado tão perto de resolver esse mistério.
— Certo, estaremos indo até ele.
Os três trocaram alguns olhares de medo antes de saírem da biblioteca e se dirigiram até a cela de Guilhermo.
Enquanto andavam, o mundo estava olhando para eles. Podia ser apenas impressão, mas todos pareciam estar encarando-os com raiva, suspeita, indignação. Os três pareciam estar sendo julgados e sentenciados por algum crime. De fato, foi uma caminhada difícil.
Depois do que pareceu uma eternidade, eles finalmente chegaram a Guilhermo.
— Dominus Vobiscum.
— Et cum spiritu tuo.
Todos se sentaram e o Frade Superior começou a falar:
— Devo dizer que toda a comoção após a morte de António não está sendo benéfica a este convento. O caso parece encerrado, foi obra de Satanás. Não há razão para mantermos nossas mentes apegadas à recordação desse episódio horrendo.
Eles não entenderam o que Guilhermo queria dizer. Este percebeu, e com um certo pesar, disse:
— Júlio, você precisa ir embora.
Os três congelaram. Júlio era fundamental para a resolução do caso. Se fosse mandado embora, toda a investigação que tinham realizado iria por água abaixo, e estariam presos à hipótese correta, porém incompleta de Guilhermo. Além disso, o segredo obscuro por trás da possessão de Fernão devia ser descoberto.
— A investigação já foi feita, já descobrimos o que era e intensificaremos nossas orações para não precisarmos alertar a Santa Sé. Não há motivos para você continuar aqui.
Novamente, silêncio. Os três estavam pensando em alguma alternativa para a situação, algo que prolongasse a estadia de Júlio até pelo menos o dia seguinte.
— Descobri o que era, sim. — Respondeu o professor prontamente. — Mas ainda posso fazer mais por esse convento. Este lugar…
— Creio que já tenha feito o bastante, professor Magalhães. Os frades daqui não estão gostando de sua presença estendida. É uma pena, mas preciso que vá embora.
Júlio se sentiu ofendido, com raiva. Quem aquele velho balofo pensava que era para impor tanta autoridade sobre ele?
"Ira é pecado capital", pensou o exorcista, tentando se controlar. De sua ira, porém, veio um plano engenhoso naquele momento.
— É uma pena mesmo, frade Guilhermo. — Disse com um controle inesperado. — Creio que eu, como exorcista, deveria tentar pelo menos uma bênção ao lugar para espantar os demônios, mas já que insistes, eu terei que deixar este convento à mercê das ações de Satanás, sem conseguir fazer nada. Pobres de nós, irmão! Pobres de nós…
Guilhermo entendeu na hora o que Júlio estava tentando fazer, mas não podia argumentar contra fatos.
— Amanhã. — Vociferou o Frade Superior, furioso. — Amanhã você vai embora daqui, sem mais desculpas.
Magalhães deu um sorriso de canto de boca.
— Muito agradecido, irmão Guilhermo.
Os três saíram dali enquanto o Frade Superior os encarava com raiva.
Voltaram à cela de Armindo para discutir os detalhes da volta à biblioteca.
— Teremos que usar a mesma tática que usamos da outra vez que saímos no meio da noite. — Começou Júlio.
— Só existe um problema: a biblioteca permanece trancada durante a noite. — Observou Armindo.
— Quem disse que isso é um problema? — Respondeu Magalhães. — Antes de me interessar por teologia e assuntos espirituais, eu era um ladrãozinho barato, um delinquente. Abandonei essa vida, mas não me esquecerei nunca de como arrombar cadeados.
Os outros dois ficaram chocados com tal descoberta, mas não foi um choque ruim. Para a situação, foi até cômico imaginar a figura tão séria do professor arrombando cadeados na juventude.
— Chegando lá, vamos ter que confiar na teoria de Armindo. Espero que você esteja correto, pois se não estiver, teremos feito tudo isso para nada.
Armindo e Francisco concordaram.
Agora restava esperar pela madrugada. Júlio abençoou o local todo e conduziu uma procissão que levou algumas horas. Tinham esperança de que isso impedisse que Fernão fosse possuído e aparecesse para frustrar os planos de resolução do caso.
A noite havia chegado, e as horas passavam. Para Armindo, o tempo parecia estar preso, parado. Foi repassando o caso todo em sua mente enquanto esperava por um assovio que não chegava.
Após um longo e agonizante período de espera, ouviu-se um assovio agudo que rasgou o ar.
Era hora de colocar um ponto final naquela história.
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