07.



Dentro do Porsche, Iggy se jogou no banco do passageiro e bateu a porta com mais força do que o necessário. Depois cruzou os braços magros e fechou a cara, lançando um olhar assassino para um ponto invisível além do para-brisa. No lugar do motorista, Mackenzie reclinou o banco para trás e se deitou relaxado, sentindo o efeito da pílula começar a agir. O carro ficou quieto por um minuto inteiro, como se estivesse vazio.

— Hum, isso. Eu amo esse nosso tipo de conversa — de olhos fechados, Mackenzie zombou com uma voz teatral. — Meu maior fetiche é quando você consegue ficar calado.

— Vá se foder — Iggy xingou com raiva.

Mackenzie riu grogue e voltou a abrir os olhos avermelhados.

— Aí está o humor que eu conheço. Só não entendo porque não está curtindo a noite como todo mundo.

Iggy bufou.

— Você sabe muito bem o que é — ele finalmente olhou para Mackenzie, aborrecido.

Tsss... Eu acabei de ganhar de um dos ratos de P.J., me deixa aproveitar, pelo amor de Deus — Mac reclamou e passou as mãos atrás da cabeça.

— Sim. E deveria ter ganhado comigo! Que merda foi essa de me trocar pelo Kurt?! E ainda na frente de todo mundo. Vá para o inferno, A... — Iggy começou a esbravejar, mas se interrompeu antes que falasse alto o primeiro nome de Mackenzie.

Era uma das regras entre eles, manter a identidade de Mac preservada, por segurança. Por mais que estivessem sozinhos, alguém poderia escutar; e pior ainda se fosse um dos homens de P.J.

Mackenzie encarou o garoto loiro, com uma advertência em seu olhar. Iggy engoliu e se atirou de volta contra o banco, ainda contrariado.

— Eu pensei que você odiasse ser peso morto — Mac disse, depois de um tempo.

— Eu odeio. Mas eu odeio mais você querer colocar outro no meu lugar. Isso aqui... — Iggy cutucou forte o banco do carona com o indicador, apontando. — É o meu lugar!

Eles se entreolharam de forma profunda. Mackenzie podia ler no olhar de Iggy que não era só pelo dinheiro, ou só pelo ciúme. Era, principalmente, medo. De ser trocado, substituído, dispensado. Sempre esteve claro em cada dose de esforço extra do garoto em se mostrar o melhor em tudo o que fazia, para garantir que ninguém nunca pudesse tomar seu papel. Mac conhecia melhor do que ninguém a doentia natureza insegura de Iggy, mascarada e encoberta por múltiplas camadas de raiva por cima.

Só havia uma forma de fazer Iggy mudar de ideia e parar de pensar besteiras.

Mackenzie arrastou o assento do motorista para trás, criando espaço entre o banco e o volante. Então deu dois tapinhas em seu colo, de pernas abertas.

— Tenho uma ideia melhor de um lugar para você — Mac corrigiu.

Iggy mirou entre suas pernas. No instante seguinte, passou sobre a alavanca do câmbio e montou no colo de Mackenzie, as coxas dobradas cercando o quadril dele. A cabeça loira se inclinava contra o teto escuro.

— Eu ainda estou irritado. — Iggy não aliviou no mau humor. — Não pense que você vai me distrair, está ouvind-

Como se para calá-lo, Mac empurrou o quadril para cima, se esfregando contra ele. Funcionou em parte, por fazer Iggy engasgar na última palavra com um arfar de deleite. Mas Iggy revidou, agarrando com força o volume no zíper da calça de Mackenzie, apertando de forma punitiva.

— Au! Porra! — Mac se contorceu em dor e excitação.

Iggy se abaixou mais para falar com o rosto bem perto do dele, as pontas dos narizes se tocando.

— Essa historinha com o Kurt... eu já vi acontecer antes. Foi assim que Nash chegou e tomou você de todos nós. — A linha de sua boca curvada para baixo deixava claro seu ressentimento. — Eu lembro muito bem de você escolhendo ele para andar por aí, como se não tivesse a gente. Como se não tivesse a mim. E olha como isso acabou: ele nos tirou você. Não estou afim de deixar isso repetir.

Mackenzie sentiu que precisaria de ao menos mais duas pílulas para afastar a dor de cabeça daquele assunto.

— Eu disse para confiar nas minhas escolhas, não disse? — Mac rebateu.

— É difícil quando você faz desse jeito. Você diz saber o que está fazendo, mas não conta nada. Odeio ser deixado de fora dos seus planos.

Arrastando os dedos entre os fios loiros, Mac agarrou o cabelo de Iggy e deu um puxão firme, expondo seu pescoço, respirando as palavras quentes na ponta de seu queixo.

— Confie em mim — ele ordenou, não pediu. Então alcançou a garganta à sua frente e sugou bem acima da veia que pulsava acelerada, deixando uma marca que resistiria pela semana inteira. — Qual é? Nem parece que essa é a primeira vez em um mês que podemos ficar assim, sozinhos. Pensei que estivesse sentindo falta.

Os olhos de Iggy mudaram na mesma hora, escurecendo. Ele respondeu apertando as pernas, afundando o quadril. Mac reagiu com uma risada dopada e trouxe a cabeça de Iggy de volta, para um beijo profundo. Carnal acima do afetivo. Iggy logo tratou de arrancar a camisa de Mac e arremessá-la feito um inconveniente para o banco de trás. Então arranhou a pele tatuada das costas até o peito, retribuindo a marca de territorialidade deixada em seu pescoço com vergões vermelhos, quase sangrentos. Mac deu um tapa no bolso traseiro dele por isso, mas só fez Iggy morder e puxar seu lábio no meio do beijo.

O modo como a excitação mal resistia dentro do limite apertados das calças, como Mackenzie estava preso sob o peso do outro corpo, e como Iggy já se inclinava para a gaveta do porta-luvas para desenterrar lubrificante e preservativos, indicava como aquilo teria de acontecer ali. Bem ali.

Mac olhou para a festa lá fora, certo de que os vidros não eram tão escuros assim para impedir que os outros pudessem assistir. Iggy puxou o rosto dele de volta, sorrindo, porque era exatamente isso o que queria: a exposição. Não havia nada mais do que desejasse além de que vissem para quem Mackenzie tinha voltado, no fim das contas. Na melhor das hipóteses, Nash teria uma visão disso também, ele pensou, tão luxurioso quanto desafiador.

Iggy escorregou com as costas pelo volante, os braços abertos sobre o painel, quando Mac puxou o cós da calça dele para se desfazer dela, violentamente. O tecido preso no meio do caminho foi o suficiente para fazê-lo respirar de boca aberta, buscando por mais atrito contra as duas mãos que exploravam por dentro de sua roupa íntima, no caminho para baixo da virilha.

Retribuindo, Iggy abriu o zíper de Mackenzie, testando o clima com o que encontrou firme ali, e se debruçou por cima dele de novo, procurando os lábios com os seus.

Deitados no banco inclinado, eles deram as mãos e entrelaçaram os dedos. Uma faísca brilhou nos olhos de Mackenzie quando ele parou um momento para admirar o rosto de Iggy.

— Caralho, você é tão bonito — Mac sussurrou com o hálito quente, como se tivesse acabado de ter feito uma descoberta.

Um calor floresceu no peito de Iggy. Ele encarou os olhos de pálpebras pesadas de Mackenzie, encontrando pupilas dilatadas e uma parte vermelha onde deveria ser branco.

— Por que você só me diz essas coisas quando está chapado? — Murmurou de volta, tentando não soar ferido.

— Estou consciente o bastante para dizer que pare de tomar aquelas malditas pílulas de remédio. Não é como se você precisasse delas.

— Olha quem fala — Iggy rebateu, contendo a irritação ao se lembrar de Jerome dedurando ter encontrado escondido no quarto suas cápsulas de dieta contrabandeadas, causando a última briga. — Quer mesmo discutir isso agora?

Mackenzie provou ter prioridades maiores, esfregando suas frentes juntas.

O carro se preencheu de gemidos fortes e sons molhados. Os vidros terminaram embaçados pela transpiração e pelo vapor da respiração ofegante. Lá fora, quem passava fingia ignorar o Porsche balançando ritmicamente sobre os eixos.


Preso no coração pulsante a acelerado da festa, Kurt ainda tentava não ficar tonto com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Mas seguir atrás de Jerome e acompanhar seu ritmo era uma tarefa difícil para quem não estava acostumado. Jerry era o que poderia ser definido como borboleta social, flutuando de um lugar a outro, polinizando cada um com sua energia e entusiasmo, absorvendo atenção e simpatia a cada parada antes de seguir em frente. E, enquanto perambulava por entre dezenas de apostadores de mãos dadas com Darko, ele se mostrava empenhado em introduzir Kurt a todo mundo, como se fosse algo importante a ser feito.

Kurt se viu sendo apresentado para tantas pessoas quanto carros. Em cada um, ele era convidado a parar e apreciar as customizações feitas por baixo dos capôs levantados por seus donos, em exibições orgulhosas. E, quando mostrava que conhecia o suficiente do assunto, tecendo comentários sobre cada máquina, ele recebia cartões de visita com codinomes e telefones particulares, seguidos de pedidos interessados para que entrasse em contato. Mas os cartões nunca duravam na sua mão, sempre descartados de lado por Jerome, que repetia a todos com a mesma educação treinada:

— Desculpa, ele não trabalha por fora. Ele é do Mac.

Pareceu uma noite interminável de socialização, até que Cole encerrou uma de suas infinitas negociações ao telefone e se juntou a eles, pedindo por uma bebida e algum divertimento para que pudesse relaxar. Foi assim que resolveram descansar e foram parar reunidos ao redor do Dodge Challenger laranja de Darko. Eles sentaram por cima do capô para beber e jogar cartas, numa aposta amistosa que valeria a chave do carro um do outro, por duas semanas.

Com uma garrafa de cerveja quente e ainda cheia na mão, Kurt se mantinha de fora da aposta. Primeiro, porque não tinha nem coragem de colocar o velho e danificado Taurus como lance. Segundo, porque estava distraído demais; não assistindo ao jogo, mas sim seguindo Nash com olhares de canto, à distância.

Ele cruzava entre a multidão sozinho, sua firmeza e moderação em contraste extremo com a selvageria e insanidade que acontecia ao redor. Ao contrário de Jerome, Nash caminhava entre os corredores de apostadores sem dar muita abertura, as mãos nos bolsos e a postura vigilante, como se estivesse rondando. Seu rosto se mantinha escondido pela sombra de um boné escuro, deixando apenas a linha forte de sua mandíbula destacada contra a luz, misterioso e intimidante. Mas Kurt percebia os olhares discretos que, como o dele, seguiam a cada vez que Nash passava; homens tentando não demonstrar que estavam dando uma olhada. Era mais do que curiosidade. Eles estavam examinando.

Kurt sabia o que era aquilo. Ele vinha pensando em como Nash e o Mustang compartilhavam daquela mesma atração que inspirava idolatria. Do tipo que leva todo cara a parar quando se depara com ele na rua, admirando a forma e a potência, seja por inveja ou ambição. Do mesmo tipo que faz todos secretamente fantasiarem sobre o tipo de rosnado que ele seria capaz de provocar quando entra na quinta marcha, debaixo deles.

Eram poucos os que tinham confiança de se aproximar de Nash para iniciar uma conversa, trocando toques de mãos e ombros tão casuais, sorrindo e recebendo o sorriso dele de volta, como se o conhecessem melhor. Kurt se pegou incomodado, até perceber que era algum tipo de ciúme pela facilidade que aqueles poucos tinham em agir despreocupados ao redor de Nash. Ele mesmo estava ali há horas, planejando o jeito certo de chegar perto, e nenhum parecia bom, o deixando mais ansioso.

Em algum momento, Nash terminou uma de suas conversas e decidiu ficar um momento sozinho, encostado na porta do Mustang estacionado há alguns metros. Kurt ponderou se deveria fazer sua tentativa, ainda indeciso se incomodaria. Até que, num impulso, acabou deixando a garrafa em qualquer canto e foi até o Shelby, se aproximando sorrateiro, como quem não queria nada.

— Não vi você mais cedo — Kurt comentou descontraído, as mãos nervosas dentro dos bolsos. — Estava apostando em algum lugar?

Nash, que digitava algo no teclado do celular, se virou para ele, desarmando a postura rígida. Ele dispensou o telefone, que desapareceu dentro do bolso, e dobrou um braço por cima do teto do Shelby. De perto dava para ver que seus olhos, na mesma cor da jaqueta verde militar, seguiram a aproximação de Kurt.

— Não, eu- — ele começou, mas parou, repensando. — Apostas não são o meu lance. Mac me mantem aqui por outros motivos.

Kurt abaixou a cabeça, concordando, para esconder como a resposta vaga e sugestiva o deixava sem graça e um pouco... frustrado. Então se fingiu de distraído com o som de pneus derrapando numa exibição próxima, onde uma multidão barulhenta se reunia em meio a uma nuvem de poeira. Ele não esperava que Nash fosse insistir em uma conversa, buscando assunto. Mas foi o que acabou acontecendo.

— Como foi correr no Porsche?

Kurt virou de volta, o canto de sua boca querendo puxar um meio sorriso. Então ele viu, pensou. Tinha algo prazeroso sobre o pensamento de Nash observando à distância, como se Kurt não estivesse observando sozinho, todo esse tempo.

— Não melhor do que foi no Shelby — respondeu no automático, só para se arrepender logo depois. — Quero dizer... porque eu não estava no controle, sabe como é...

Não dava para saber se Nash estava sorrindo por conta da resposta em si ou pela forma atrapalhada com que foi dita. No fim, Kurt não tinha interesse na razão, apenas no gesto que formava um arranjo interessante naquele rosto. Ele não percebeu que estava encarando demais, até Nash apontar com o queixo e dizer:

— O que aconteceu com o seu rosto?

Kurt disfarçou, tentando tapar alguns hematomas com a mão. Inútil. Seu pomo de adão subiu e desceu.

— Problemas de casa — ele respondeu baixo.

— Eles seguiram você até aqui? — Nash perguntou de um jeito que fez Kurt se questionar se ele, de fato, se importava.

— Eles sempre dão um jeito de seguir — Kurt riu com um ar trágico. — Dos meus pesadelos mesmo, eles nunca saem.

Por um minuto, Nash o contemplou, pensativo. Kurt continuou olhando para baixo, fingindo não perceber. O desabafo saiu mais emocional do que tinha planejado para ser. Ele se condenou por soar tão patético. Nash não respondeu nada, apenas lhe deu aquela longa olhada, o que o fez se sentir ainda pior.

Ele abriu a boca para pedir desculpa, mas a voz morreu em sua garganta quando sentiu a ponta dos dedos de Nash tocarem seu rosto, passando pelo hematoma circular ao redor de seu olho, até o corte na boca. O polegar dele terminou em seu lábio inferior, alisando devagar antes de soltar. Foi um gesto tão suave e macio para mãos tão fortes, que Kurt se assustou. Não era algo com que estava acostumado. Mas ainda assim, ele não se inclinou para trás nem se afastou.

— Você vai precisar de gelo em alguns desses, o mais cedo possível. Antisséptico também. E posso ser sincero? — Nash sugeriu, e Kurt sentiu a vergonha culposa desbotar aos poucos, dando lugar a outra emoção formigante. Ele acenou que sim para a última pergunta, no que Nash continuou: — Você devia ir agora. Para fora daqui. Antes que a festa atinja o alto da madrugada.

A dispensa foi como um balde de água fria. Kurt cambaleou para trás e esbarrou no retrovisor do Shelby.

— Valeu — foi a única coisa que conseguiu pensar em dizer.

— Me desculpa — ele ouviu Nash falar, mas não pela razão que imaginava. — Digo, por toda essa... bagunça. É por minha culpa que você veio parar aqui essa noite. Mac tem essa mania competitiva dele. Mas isso é um problema entre eu e ele. Você não tem nada a ver, só para que fique sabendo.

Kurt pensou de novo no dia anterior, enquanto assistia à discussão de Mac e Nash através do para-brisa do Shelby. Não lhe ocorreu antes que Nash se sentisse sequer remotamente culpado por nada daquilo. Nem que pretendesse... protegê-lo por isso.

— Eu... — Kurt não soube bem o que dizer.

— Precisa de alguém para te levar? — Nash tentou adivinhar. Então apontou para o Shelby com a cabeça. — A gente pode dar o fora daqui.

A firmeza nas palavras e nos olhos dele dizia muito sobre bastar que Kurt puxasse a porta do carro e entrar para que Nash os conduzisse para onde pedisse. Um sentimento inflou dentro dele, mas imediatamente murchou no momento em que Kurt olhou para a janela fechada do Shelby, onde seu reflexo cheio de marcas encarou de volta, o lembrando da realidade.

— Eu meio que... não tenho para onde ir — ele confessou miserável.

Pelo menos Nash não precisou nem exigiu por uma explicação. Mac com certeza o espremeria até que cuspisse mais. Mas Nash sabia melhor ler os sinais, recuando um passo para trás diante do silêncio.

— Então só dá um jeito de ficar quieto dentro da fábrica até amanhecer, tudo bem? — Nash apontou na direção onde a antiga construção de tijolos fazia sombra no meio da noite, distante. — No terceiro andar tem um único quarto ocupado. É o meu. Você pode ficar lá, que ninguém vai te incomodar. Eu garanto.

Kurt estava começando a se perguntar se era seu estado detonado que tinha feito Nash pensar nele em algo frágil que precisava ser preservado, ou se tinha algum outro motivo. Até uma terceira voz se meteu entre eles.

— É realmente uma pena ter que interromper — Jerome cantarolou sorridente. Seu dedo se enrolou ao redor do cordão do moletom de Kurt, brincando com ele. — Não me lembro da última vez que alguém conseguiu entreter Nash tanto assim. É uma experiência fascinante de assistir.

Claramente, ele estava zombando, mas Kurt espiou a reação de Nash só para garantir que ele não tinha se incomodado. Para seu alívio, Nash riu para o céu noturno, despreocupado.

— É mesmo? Me mande suas observações anotadas que eu vou gostar de ler — Nash ironizou. Dava para ver em seu sorriso mordido que ele apreciava o carisma de Jerry, só não dava o braço a torcer.

— Eu com certeza vou adorar. Mas em outro momento. — Jerome brincou de primeira, porém mudou o tom para algo mais sério na segunda parte. Escorado nas costas de Kurt, o queixo apoiado no ombro dele, completou de olho em Nash: — O resto dos homens de P.J. estão saindo agora. Mac pediu para que você fizesse seu trabalho.

A ênfase educada colocada em "pediu" denunciava como era um eufemismo elaborado por Jerome. Mackenzie não tinha costume de pedir que fizessem algo para ele. Fosse como fosse, Nash não parecia inclinado a protestar. Seu único sinal de resistência foi um suspiro pesado que soltou para o alto. Ele enfiou as mãos para dentro dos bolsos da jaqueta militar e trocou outro daqueles olhares particulares com Kurt.

— Não esqueça do que eu disse — ele murmurou por fim.

Com o rosto de novo fechado por trás da sombra do boné, Nash deu a volta pelo Shelby para chegar ao lado do motorista, e Kurt seguiu sem se mover. Seus caminhos se separaram, mas seus olhares não, se entreolhando por cima do teto do carro, como se houvesse algo acontecendo que ninguém estava dizendo. Naquele momento, Kurt decidiu que iria ter gostado de ir com ele. Porém, alguma coisa naqueles olhos parecia se desculpar agora por retirar a oferta feita há pouco, parecendo mais uma questão de não poder mais do que de ter perdido a vontade. Trabalho, Kurt pensou nas palavras de Jerome citando a ordem de Mackenzie.

O instante se dissolveu com o bater da porta e o arranque do Mustang, que abriu caminho pela multidão alvoroçada gritando palavras de incentivo, mas que desapareceu com seu ronco potente para longe sem levantar nenhum desafio, deixando o público lamentoso para trás.

— Agora, quanto ao senhor... você vem comigo — a voz de Jerry soou bem de perto. Kurt virou a cabeça para encontrar o rosto cheio de piercings ainda apoiado em seu ombro. Desacompanhados de um sorriso, seus acessórios pareciam mais nocivos, como meros mecanismos de busca pela dor. — Mac pediu por você.

De novo aquele "pediu" suavizado.

Darko e Cole já esperavam por eles, sentados juntos dentro do Dodge laranja. Os dois compartilhavam o espaço pessoal com cabeças inclinadas de perto, apoiadas uma na outra, enquanto assistiam algo na tela do celular de Cole. No lugar de trocar posições com Cole para se colocar ao lado de Darko, Jerome puxou a própria chave e trouxe Kurt sozinho com ele para o Toyota Supra azul estacionado logo atrás.

Darko e Cole esperaram que eles se ajeitassem para acelerar na frente, numa velocidade amena que Jerry pudesse acompanhar sem dificuldade.

O trajeto os levou à Toca, a qual resistia distante da festa eufórica. Kurt não imaginara que a antiga fábrica poderia parecer tão diferente à noite. Não havia luz para cintilar em suas numerosas vidraças, nem a febre do deserto para ondular sua imagem por trás das ondas de calor, como em um sonho. À noite, ela era um vulto monstruoso esperando no escuro, que amedrontaria qualquer curioso a desviar para outro caminho, pelo receio incerto do que encontrariam dentro. No instante em que estacionaram em sua sombra fria, Kurt se sentiu um pouco daquela forma, arrepiado com o pensamento de não saber o que esperar.

Ele atravessou os galpões vazios e apagados ao lado de Jerome pela ilusão de conforto, enquanto Darko e Cole continuavam liderando o caminho. Mas, no momento em que subiram as escadas de concreto para o segundo andar, onde ele nunca tinha estado – muito menos convidado a estar –, não havia segurança que ninguém pudesse lhe dar para vencer o brilho do suor se formando em sua nuca.

Ali em cima, o andar era feito um mezanino com vista para o andar debaixo, com dois corredores dobrados que se encontravam em um quadrado, guardando portas fechadas por trás de corrimões pintados de escuro. Não foi em nenhum dos cômodos privados que eles entraram, mas sim num vão aberto logo em frente à escada, onde Kurt descobriu funcionar uma escada externa de incêndio. Era a única parte iluminada graças às luzes de emergência avermelhadas indicadoras de saída.

Bloqueando a rota de fuga, Mackenzie estava parado ali, na porta aberta. Com um cigarro com cheiro de nicotina, apreciava a vista da festa ao longe, acesa por faróis feito o seu próprio pôr-do-sol particular e fabricado. Ele se virou assim que eles chegaram. A sombra formada contra a luz indireta tornava impossível ler o seu rosto.

Darko e Cole saíram da frente, dando espaço para Jerome conduzir Kurt pelas costas até Mac. Kurt soube que havia razão para preocupar quando eles pararam e Jerry pediu:

— Pega leve com ele e seja legal.

O cigarro deu licença para que os dentes de Mackenzie refletissem as luzes de emergência num sorriso suspeito.

— Você sabe que eu sempre sou — Mac retrucou.

Como se para provar seu ponto, Mackenzie apontou para uma única cadeira de ferro posicionada contra a parede, convidando Kurt a se sentar. Kurt sentiu dois tapinhas estimuladores de Jerome em seu ombro. Por mais que a incerteza tornasse tudo mais tenso, ele obedeceu enquanto as coisas estavam amistosas.

A cadeira rangeu contra o piso. No momento em que Kurt sentiu o encosto duro das barras de ferro nas costas, uma sexta presença ocupou o pequeno cômodo. Iggy pareceu ruivo sob as luzes vermelhas de emergência, trazendo um volume cilíndrico entre as mãos, difícil de distinguir à distância. Ele cruzou o espaço até Mackenzie com um olhar julgador sobre Kurt, sua boca em uma curva desdenhosa. Então entregou a Mac o objeto que tinha ido buscar: um cilindro de papelão com um pavio para ser aceso.

Parecia exatamente como uma dinamite caseira, para quem nunca tinha visto uma. Fabricação local, com direito a cheiro de pólvora fresca.

Mackenzie a pegou sem agradecer, e Iggy se afastou sem se incomodar para se juntar aos outros que assistiam a tudo, calados. Kurt tentou ler alguma dica do que estava acontecendo em suas expressões, mas Mac o interrompeu antes de ter um resultado.

— Então, Nash... bem próximos vocês dois. Tão rápido, hein? Ele costuma ser o mais difícil.

Kurt se assombrou pela ideia paranoica de estar sendo sempre observado sem perceber. Ele empurrou o sentimento diante de outro pensamento repentino. Com todo mundo ali, exceto Nash, só crescia a suspeita de que talvez – provavelmente nem tão talvez assim – a saída dele tenha sido planejada para colocar uma distância entre eles.

— Isso não- isso não é nada. Não vejo como pode significar qualquer coisa — Kurt tentou ser persuasivo, mas seu olhar ficava escapando para Iggy, o rapaz de braços cruzados que segurava uma risada maldosa de sua situação. Tinha sido ele a alimentar essas ideias na cabeça dos demais? Ele questionou Mackenzie: — Foi por isso que me chamou hoje?

— Talvez sim, talvez não — Mac se divertiu, tamborilando o explosivo na palma da mão, perigosamente perto demais do cigarro aceso.

— Por que estamos aqui? — Kurt finalmente tomou coragem de ir direto ao ponto.

Porque... se você está comigo, preciso que você pare com essa sua cara lamentável de assustado o tempo todo. Encare isso como o início da sua jornada em parar de sentir esse maldito medo.

Mackenzie estendeu a dinamite na direção dele, com a mesma cortesia que outra pessoa ofereceria um buquê de flores. Diante daquele olhar escuro, Kurt se viu obrigado a pegá-la. Sentindo o papelão quente, pareceu tão leve e inocente, que ele foi capaz de esquecer por um segundo do perigo que representava. Até que Mac agarrou por cima da mão dele, firme e apertado, o impedindo de largar se em algum momento escolhesse desistir.

— Isso aqui é um explosivo feito com a nossa melhor pólvora negra. É bastante estável, até você colocar uma faísca de fogo nele. Mas não faz nada até ter esse empurrãozinho. Então não se preocupe. Por enquanto, é apenas uma tediosa e estática massa de átomos, esperando para se transformar em gás expansivo e se libertar. Por enquanto, é só um potencial de ser. Uma promessa. Como você quando criança, com muita energia reprimida dentro de si. Em quem aquele carinha se transformou? Ou ele nunca recebe um empurrãozinho para explodir?

Kurt engoliu de olhos secos e sem resposta. Mac estalou um "tsc, tsc" com a ponta da língua entre os dentes, desaprovando seu temor.

— Alguém perto de explodir é capaz de tudo, incluindo cuspir segredos. Que tal testarmos isso? — Sem tempo para uma concordância, Mackenzie afundou o cigarro aceso na ponta do pavio, que começou a queimar em laranja. A imagem parecia um incêndio completo refletida nos olhos escuros de Mac. — Você tem 90 segundos para responder com a verdade até que o explosivo acenda e quem sabe para onde vai a sua mão.

Ele não disse nada sobre a própria mão, segurando por cima, como se ele próprio fosse inatingível.

Kurt se sacudiu, tentando se soltar de forma desesperada com a visão do pavio queimando, mas foi inútil. Só fez a cadeira ranger, e as cinzas de cigarro caírem na pele do dorso da mão, ardendo. Mais cicatrizes para sua coleção.

— Mac, que porra?! — Seu sotaque da Georgia tinha assumido o controle àquela altura.

Mackenzie se agachou à frente dele, para olhar dentro de seus olhos. Sua tranquilidade controlada fazia parecer que não estava acontecendo nada.

— Comece pela parte em que você me disse que ninguém estava atrás de você, agora mudou de ideia e apareceu todo fodido depois de uma surra bem dada. Quem te bateu?

Kurt soltou uma risada histérica totalmente inesperada, até para si próprio.

— Bandidos aleatórios, é isso! Sabe, você poderia ter perguntado sem ameaçar arrancar a minha mão! — Cada palavra foi ganhando um pouco mais de intensidade.

Não foi o suficiente para ser convincente.

— Bandidos aleatórios — Mackenzie ecoou. — E o que eles queriam? O seu carrão aos pedaços?

— Não, eles... — Kurt se interrompeu, mas deixou sair: — Eles foram mandados. Ou sei lá!

— Então me deixa perguntar de novo: quem mandou te bater? Sem resposta vaga dessa vez. Ou podemos ficar aqui, até essa merda estourar.

Kurt apertou a dinamite quente por reflexo e encarou o pavio prestes a alcançar o primeiro terço queimado. Ele mastigou, ruminando as palavras, antes de ceder.

— Meu... meu pai, tá bom? Foi dele de quem eu fugi. Achei que estivesse livre, mas ele decidiu me caçar, é isso. — Parecia patético dizer em voz alta. Seria menos humilhante explodir.

Omitir era um risco, mas Kurt deixou de fora a parte sobre a recompensa de cinco mil anunciada por sua cabeça.

— Ótimo. O que nos leva à segunda questão — Mac parou para analisar o brilho do pavio descer mais um pouco, calculando seu tempo. — Aquela lata-velha que você chama de carro. Você disse que eram de parentes vivos. É desse filho da puta que você pegou?

Kurt só conseguiu acenar que sim, energético e desesperado, sentindo a borda dos olhos úmida. Se abrisse a boca, sabia que iria choramingar.

— Algo me diz que não foi tão emprestado assim, huh? — A mão de Mackenzie era fria como pedra contra a mão quente e suada de Kurt. — Você tem tanta merda a esconder, e, ainda assim, não é fichado. Eu me pergunto como essa conta não bate. Alguém limpa a barra por você?

— O quê? — Kurt tomou um novo susto. — Não!

— Eu não confio nessa resposta. — Mac apertou mais. — P.J. e seus ratos sabem que não são bem-vindos nas minhas corridas, dentro da minha casa. Eles não aparecem por aqui há um bom tempo, e eu estive me perguntando se estariam planejando algo na encolha. E então, na mesma noite em que trago você aqui, eles aparecem. Não sei você, mas não sou homem de acreditar em coincidências. Acredito em propósito.

Kurt paralisou.

— Não entendo o que quer dizer. Eu não tenho nada a ver com eles.

— Será? Você viu como eles são horríveis em correr. Mas o que forma a base do poder de P.J. não são corredores. São ladrões. E espiões.

— Você- você acha que estou de jogo duplo? Para eles? Esse não sou eu. — A respiração que Kurt deixou sair ondulou, trêmula. — Eu nunca faria isso.

— Pois me parece exatamente o seu tipo. Desesperado por dinheiro. Lealdade à venda. Qual o seu preço?

— Nenhum! Se eu tivesse um preço, eu teria me vendido para o primeiro cobrador do meu pai que me ofereceu um acordo para colocar uma bala na cabeça dele. Essa foi a melhor proposta da minha vida. Mas esse não sou eu — Kurt terminou respirando forte, ombros subindo e descendo. Se as contas estavam certas, ele só tinha 30 segundos para passar nessa droga de teste psicótico. — Eu não conheço nenhum desses caras, e eu me odiaria ainda mais se fosse relacionado a qualquer um deles. Por favor, por favor, acredita em mim, porque eu não tenho mais nada pelo o que lutar.

Foi a primeira coisa que fez Mackenzie mudar o ângulo da cabeça, olhando diferente.

— Se não tem mais nada pelo o que lutar, o que você tem a perder?

A boca de Kurt curvou para baixo, miserável.

— Nada.

— Então por que ainda está com medo? Não diga "dor", porque dor é algo que você convive com ela, sei disso. Sinto que sei quem fez essas cicatrizes em você, e não foi o seu pai.

Ele estava certo, porque covardes como Anthony Young agrediam para não deixar evidências, nenhuma prova contra eles. E estava certo também porque, aquelas marcas de queimadura redondas de cigarro ao redor dos braços e dos pulsos, elas tinham sido provocadas por ele mesmo. Autoinfligidas, tentando se desligar da própria mente ao trocar uma dor pela outra. Mac deve ter notado como ele mal reagiu às cinzas que caíram, queimando sua pele, quando se mexeu demais. Anestesiado há tanto tempo.

Kurt estava se distanciando mentalmente, e Mac apertou sua mão para chamar atenção. Entre eles, o pavio queimou os últimos 10 segundos. Foi o tempo para que Mackenzie olhasse para dentro dele e dissesse com uma voz crua:

— Você é um nada. Você não tem nada. E é essa a sua vantagem. Use isso.

Na iminência da detonação, Mackenzie puxou Kurt com força para fora da cadeira e o arrastou até a porta emergencial escancarada, esticando o braço com o explosivo para fora, direcionando a explosão para o alto. Uma bomba mirada para o céu escuro.

Kurt espremeu os olhos para não ver, antecipando pelo momento em que seria só ossos, carne e sangue voando como fogos de artifício.

Então a explosão aconteceu. O som de pólvora estourando. A chama do fogo espirrando. Mas o resultado final foi apenas fumaça saindo do tubo. Um rastro vermelho aceso, subindo luminoso e sem limites.

Não era realmente uma bomba. Era um sinalizador.

— Isso — Mackenzie forçou Kurt a olhar e apontou para a trilha vermelha riscada no céu. — Isso é o quão ridículo o seu medo parece. Você quase chorou e se cagou inteiro por nada. Lembre sempre disso a partir daqui. Agora coloque um pouco de confiança nessa cara.

Com um tapinha no rosto dele, Mac o soltou.

Kurt libertou um suspiro tão pesado. O pânico desarmado e descendo por sua garganta poderia fazê-lo começar a rir de alívio. Mas ele ainda estava paralisado, enxergando o mundo através de uma camada turva que se acumulou em seus olhos, ardendo.

Na penumbra avermelhada das luzes de emergência, ele mal percebeu quando alguém se aproximou para tirar o resto do sinalizador usado de sua mão. Ou quando ganhou afagos no cabelo e abraços que o sacudiam de um lado para o outro. Ele quase se ressentiu por todos eles apenas terem ficado ali parados o tempo todo, assistindo à sua agonia sem intervir.

Mais tarde, ele descobriria que Mac fez aquilo com todos do bando, ao longo do tempo que estiveram com ele. Como um ritual de expelir a verdade e ver na fumaça do sinalizador o momento em que se comprometiam a enfrentar seus medos. Marcados pela primeira vez em que tinham alguém para lhes dizer: você consegue bater de volta.

Aos poucos, Kurt estava começando a entender o porquê todos eles colocavam Mackenzie no centro de seus mundos, entregando o comando de suas vidas. Todos eles tinham algo em comum, afinal. Um bando de rejeitados que nunca teve um modelo a seguir, mas que finalmente pareciam ter encontrado um.




Enfim chegamos ao final da primeira noite na Toca! Mas foi só o início e ainda virão outras, onde o Kurt vai se envolver cada vez mais 👀

Aproveitando o climinha como esse capítulo começou, hehe, eu queria fazer uma perguntinha pra vocês... o que acham de cenas hot/éroticas? Iriam gostar de ler cenas mais explícitas por aqui, ou preferem só focar na história como vem sendo?

Tem uma cena hot em particular que acontece depois do capítulo 10, que eu escrevi na 1ª edição do livro como um extra (não sei se alguém vai lembrar dele; era um threesome que postei no tumblr kk). Mas acabou que foi uma cena  importante para mostrar melhor a relação entre os meninos do bando, porque tem coisas que o Kurt às vezes não vê, e essas informações ficam restritas na narrativa quando estão seguindo a visão dele. Aí pensei em trazer essa cena como parte dos capítulos dessa vez, e não como extra. Mas preciso saber se vocês curtem ver a cena hot mais explícita e extensa, ou se é melhor eu abreviar, igual foi a cena do Mac com o Iggy nesse capítulo. Então me digam o que acham!

No mais, vejo vocês semana que vem!

PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO: 20/05 (sábado)




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