Clube Dos Esquecidos


A sinuosa rua parecia não ter fim.

   À medida que seguiam caminho, a paisagem à volta ia mudando. Onde outrora haviam casas, encontravam-se agora árvores estranhas, com folhas de um misterioso tom cinzento que reluzia à luz do que parecia ser uma lua, grande, avermelhada e luminosa.

  Já estava quase a desistir de caminhar, quando, de repente,  Rose avistou, no cimo da colina, uma enorme mansão, com quatro torres imponentes e um fantástico jardim, repleto de lírios brancos, à sua frente.

  Por um breve momento, ela perdeu o fôlego, ao vislumbrar aquele edifício majestoso, mas apressou-se imediatamente a acompanhar o passo de Jack, que continuava a caminhar, agora talvez um pouco mais eufórico.

    A verdade é que tudo era novo e desconhecido para ela, incluindo o rapaz que decidira seguir à quase duas horas atrás, e embora estivesse morta (esta ideia ainda era demasiado estranha e penosa para refletir sobre), não sabia o que aconteceria dali para a frente.

- Jack! Ei!

- Sim? - disse o rapaz rapidamente,

- É para ali que me pretendes levar? —perguntou com incerteza, apontando para a mansão,

- Sim. É para ali que nós vamos.

E então, sem perder tempo, retomaram a caminhada.

  Quando chegaram ao suposto destino, depararam-se com um enorme muro de granito escuro, que ostentava um velho portão de ferro preto descascado.

- Bem vinda ao Clube dos Esquecidos, Rose!

  Os dois jovens atravessaram o maravilhoso jardim bem cuidado, subiram as pequenas escadas de madeira escura do alpendre e, então, Jackson O'Connor tocou à porta quatro vezes. Interessante, pensou Rose, que tentava, sem sucesso, parar de bater com o pé frenético no chão, tamanha era a sua ansiedade.

  Depois de aguardar cerca do que pareceram dez longos minutos, uma luz acendeu-se e uma mulher bastante velha, de pele negra enrugada e olhos calmos apareceu à porta. A primeira reação de Rose, face àquela constrangedora situação, foi esconder-se o máximo possível atrás de Jack, enquanto este cumprimentava amavelmente a senhora.

- Muito boa noite Jack! Como foi a viagem? Já é bastante tarde. Todos estão já a dormir. Oh! Ora essa! Bem vinda querida! Muito prazer! - disse enquanto agarrava a desconhecida pelas mãos, num aperto estranho mas amigável, - o meu nome é Seline Donavon. Sou uma das responsáveis pelo do Clube dos Esquecidos. Entrem! Entrem que está bastante frio, e o perigo espreita em cada esquina.

  Ao entrar na mansão, a senhora apressou-se a guiá-los até à cozinha, para que pudessem comer e beber alguma coisa.

  Rose observava e tentava memorizar tudo ao seu redor. O hall de entrada espaçoso mas aconchegante, com paredes de tijolos pequenos, onde se encontrava um pequeno armário com um espelho dourado embutido e uma jarra com flores pousada sobre ele parecia ter presenciado mais histórias que aquelas que se conseguem contar numa vida; o corredor, repleto de quadros de pessoas vestidas a rigor, com caras sérias e honradas, que carregava uma aura nostálgica e vibrante, e por fim a cozinha, uma enorme divisão, com uma  das paredes, onde se localizava a janela com vista para o jardim, ocupada com bancadas e armários de madeira escura e cobertura de mármore claro, um fogão e uma pia de lavar loiça; no centro, uma ilha onde cabiam, no mínimo, oito pessoas, e na parede oposta à da janela, estantes encontravam-se fixas à parede, suportando diversos tipos do que pareceram plantas aromáticas.

Havia também uma porta de correr de vidro, que guardava uma imensa sala de jantar, com uma mesa de madeira maciça gigante e uma lareira maravilhosa.

  Tudo era grande e belo!

  Seline mandou-os sentarem-se numa das cadeiras da ilha, enquanto preparava algo com aspeto de chocolate quente.

  Enquanto isso, Rose decidiu começar a tentar obter respostas ao turbilhão de perguntas que carregava desde que abrira os olhos.

-Desculpem estar a fazer esta pergunta, mas que lugar é este?

Ambos se entre-olharam e então Jack começou:

- Ora, como já dissemos anteriormente, nós estamos no Clube dos Esquecidos. Esquecidos porquê, perguntas tu? Esquecidos porque não existe ninguém vivo que se lembre, ou que exista para se lembrar de nós.- disse olhando para a menina com certa pena e entendimento- quando morremos, somos imediatamente transportados através do Portal das Almas, para um local chamado Divisória, onde são colocados e avaliados os nossos registos (memórias) de forma a que possamos ser inseridos na Lista do Renascimento e Protecção. E antes que perguntes, sim, é possível voltar à vida ou proteger vivos, desde que se cumpra com os parâmetros necessários para tal, o que nenhum de nós nesta mansão cumpre, mas eu já vou explicar porquê. Então, são avaliados os parâmetros, e consoante a maneira como morreste, aquilo que fizeste em vida, e sobretudo, se tens ou não alguém que se lembre e que, de alguma forma precise de ti, que te prenda à vida humana, podes, eventualmente, renascer após passares aqui, neste mundo, a mesma quantidade de anos que passaste na Terra, ou proteger aqueles que amas. Com isto, chegamos à conclusão de que os Esquecidos estão automaticamente fora da lista. Apenas os Relembrados podem constar na Lista.  Normalmente, quando é identificado um Esquecido, o que é raríssimo, ele é enviado para a corte, para ser julgado e para que lhe seja atribuído um destino final. Os Relembrados ou Recordatus, como são mais conhecidos, desprezam os Esquecidos, acreditando que não passam de almas insignificantes, sem ninguém para se importar com eles. Mal eles sabem que... Não importa agora. Tu tiveste imensa sorte, rapariga! Por eu ter chegado a tempo de te resgatar, antes que fosses condenada ao esquecimento perpétuo. E aqui estamos. O Clube dos Esquecidos é um abrigo, para todos os que conseguiram escapar aos Recordatus, com a esperança ardente da Renascença, da revolução!

  Um silêncio pensativo arrebatador instalou-se na divisão, enquanto cada um deles pensava nas palavras proferidas à instantes.

  Era bastante informação para que Rose pudesse processar naquele instante. Não havia ninguém vivo que a conhecesse o suficiente para que pudesse relembrá-la, a menos que Ethan estivesse vivo, o que permanecia uma incógnita, pois a última coisa de que se lembrava era de fechar os olhos, para nunca mais voltar a abri-los, pelo menos para a vida.

  Uma lágrima solitária desceu pelo seu rosto delicado. Era uma Esquecida.

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