Seven
@VênusMartinez
Kade dirigiu o meu carro até uma casa que ficava um pouco afastada da cidade. O caminho todo fui em silêncio, deitei minha cabeça sobre a janela e senti as lágrimas descerem pelo meu rosto enquanto meus pensamentos rondavam minha cabeça a mais de 900 km/h . Me encolhi no banco, e tentei ao máximo não fazer Kade notar que eu estava chorando, mas tenho certeza que ele percebeu no primeiro soluço que dei.
[...]
Quando Kade estacionou o carro na frente da casa pude notar o quanto ela era enorme. Levantei um pouco a cabeça para a olhar, e tinha um jardim logo na entrada, sua cor mesclavam entre cinza e branco, e parecia uma casa antiga de campo. Estava de noite, e estava chovendo muito, fiquei em silêncio ainda dentro do carro apenas ouvindo o som da minha respiração e de Kade se misturarem em sincronia.
Eu só queria chorar, e saber que estava em uma casa no meio do nada com um estranho depois do que tinha acabado de acontecer só me destruía ainda mais. Meus olhos marejaram e eu engoli em seco tentando não chorar.
O silêncio do carro acabou quando meu celular começou a tocar. Kade ao me ver imóvel levou as mãos até o meu colo e me olhando como se pedisse permissão retirou o celular dali lendo o nome da minha mãe na tela.
__Por favor, não atenda. - Falei com a voz embargada pelo choro.
__Vênus, não é justo com eles. -Kade tentou me convencer, sua voz era calma.
__Não é justo comigo! - O olhei chorando me sentindo tudo, menos bem, menos feliz. Nada machucava mais do que o cansaço existencial. Quando você nem se reconhece mais, quando tudo parece desmoronar e não há para onde correr. Só quer encontrar a luz no fim do túnel, algo que te devolva a si mesmo. __É difícil passar por tudo sozinha.
__Você nunca esteve sozinha. -Kade falou ignorando o celular e o jogando no banco de trás, eu desviei meu olhar dele e encostei a cabeça na janela gelada e úmida.
__Eu nunca tive alguém por muito tempo, Kade. As pessoas sempre vão embora, somem. Elas me magoam e dizem que eu as magoei, elas cavam um buraco no meu peito e dizem que eu pedi por isso. -Olho para as minhas mãos trêmulas e puxando a manga do capuz enxugo as lágrimas dos meus olhos. __A minha vida inteira eu tentei ser a senhorita perfeita, tentei ser a minha melhor versão para agradar a todos, coloquei um sorriso que não era meu apenas para agradar as pessoas a minha volta. Tomei tanto cuidado para não destruir ninguém, mas no final eles me destruíram.
__É mais importante o que as pessoas acham, ou o que você sente?
__Eu só não quero mais me sentir tão mal. - Falei quase sem voz. __Há uma espécie de dor crônica dentro de mim que não passa nunca.
__Quanto mais você finge estar bem, mais você vai se destruindo por dentro. -Ele levou a sua mão até a minha e a segurou. Suas mãos eram geladas, grandes e eu não sabia como raciocinar direito com elas junto da minha. __Quando dói tanto que não se pode nem respirar, é assim que você sobrevive. Todos ao seu redor estão tão depressivos, e se sentindo solitários assim como você, eles apenas disfarçam melhor. Porque no fundo, Vênus, nunca estamos felizes.
Kade sorriu pra mim. O sorriso dele era como um tiro que eu fazia questão de levar, era como uma morfina, que por um instante paralisava toda dor, era como se eu estivesse me afogando e ele me salvasse.
__Eu terminei com meu namorado a mais ou menos 1 ano... - Comecei e Kade me olhou como se soubesse onde eu iria chegar. __Justin era tudo o que eu sempre quis, no início. Mas depois ele se tornou abusivo. - Fiz uma pausa. __Ele me traiu com a minha melhor amiga. Na época eu estava sofrendo de distúrbios alimentares e de ansiedade, ele me dizia que, isso me tornava menos atraente. 2 meses depois que havíamos terminado eu fui a uma festa com alguns ex- colegas do colégio e ele estava lá. Ele implorou para mim voltar com ele, e me pediu desculpas por tudo. Ele tinha bebido demais, e então resolvi ir embora. - Algumas lágrimas desceram do meu rosto e Kade suspirou, sua respiração estava pesada, como se temesse o que eu dizia. __Ele me seguiu, e abusou de mim. Eu senti que ele arrancou a minha alma, eu fiquei destruída. Quando cheguei em casa meus pais o denunciaram e ele ficou apenas 1 mês na cadeia por "não haver provas o suficiente". Meus pais me colocaram em um grupo de apoio, disseram que eu iria ficar bem, mas Justin me matou naquele dia, é impossível ficar bem.
__Eu nunca mais vou deixar alguém encostar em você, Vênus. Eu vou estar sempre aqui, nunca vou te deixar sozinha. - Kade segurou minha mão mais forte.
__Tem muita coisa acontecendo dentro de mim, Kade. Eu não sei mais quem sou, as vezes sinto que eu poderia ter feito tudo diferente, que tudo poderia ter dado certo, e que o motivo de tudo ter dado errado era apenas eu.
__Eu não mudaria absolutamente nada em você, eu sentiria sua falta mesmo se não tivesse te conhecido. - Ele sussurrou, os olhos castanhos claros brilhando no escuro. Kade nem parecia real.
__Quem é você, Kade? -Falei me afastando do mesmo e encarando seu rosto.
__Sou alguém como você, uma pessoa normal e...
__Por favor me conte a verdade.- Supliquei. __Kade, eu me sinto triste, exausta, e com muita vontade de chorar o tempo todo. Não tenho vontade de acordar. Eu me sinto sozinha, e finalmente encontrei alguém, não como as outras pessoas, mas alguém que me salva de mim mesma porque sinto que estou morrendo e ninguém está dando a mínima! - Choro pela dor que está dentro de mim. __O que aconteceria se eu morresse hoje? Se eu tirasse a minha vida? As pessoas chorariam? Ficariam de luto? Me diriam coisas lindas que eu esperei escutar enquanto meu coração ainda batia? Eu nunca estive tão perto de desistir como estou agora. A sensação é de estar me afogando, pedindo ajuda, mas ninguém puxa a minha mão. Você me notou quando mais ninguém fez isso, então me diga quem você é, me diga se é uma espécie de super herói, ou algo do tipo. Me diz quem é você, Kade! Porque eu estou cansada de sempre mentirem pra mim.
Kade estava imóvel, sua respiração estava mais pesada do que o normal, ele apertou forte a minha mão e depois a largou. Seus olhos estavam brilhantes, as pupilas dilatadas.
__Eu sou um anjo, Vênus. A minha missão é te proteger, te manter viva. Cuidar de você, te manter a salvo, mesmo que seja de você mesma. -Ele falou tudo como se tirasse um peso de si mesmo.
Eu nunca tinha ouvido tantas baboseiras sem sentido. Eu poderia acreditar em qualquer coisa, mas não em algo daquele tipo. Não em algo tão infantil e irreal. Olhei Kade nos olhos sentindo meu estômago se revirar, abri um sorriso sarcástico e ri. Ri de tudo o que estava acontecendo na minha vida, ri de Justin, ri do monstro que tentou abusar de mim, ri do grupo de apoio, ri de Bob, ri de Kade.
__Você é um idiota que se aproveita da fraqueza dos outros. - Cuspi as palavras e destravei a porta do carro correndo para o meio da mata, a escuridão da noite embaçava minha visão junto com as lágrimas em meus olhos, os espinhos das árvores se agarravam sobre meu corpo a medida que neles esbarrava abrindo feridas que ardiam e sangravam.
Nada poderia ser mais forte que a dor dentro de mim, me consumindo, queimando a minha alma.
Tropecei em um tronco e caí sobre o chão de lama, senti a dor dos arranhões na minha pele e quis chorar, gritar, me enterrar viva.
O choro me consumiu, e foi então que ouvi a voz de Kade, seus gritos estavam perto, e eu não queria ser encontrada. Não por quem zombou de mim quando mais precisei de ajuda. Juntei a pouca força que tinha e me levantei do chão depressa, continuando a correr floresta a dentro.
A lua estava brilhante no céu, e me servia como guia, sua luz era a única que iluminava o meu caminho.
Logo a minha frente, no céu um ser com asas enormes e negras como a escuridão da noite, ou como as asas de um corvo. Estava parado me olhando com olhos escarlates que brilhavam como uma pedra preciosa jamais vista antes.
__Kade!? - Falei sem acreditar e assustada com sua forma, perdi o equilíbrio caindo de um morro, meu corpo rolou até que caisse em um lago profundo.
Eu não sabia nadar, e estava ficando sem ar. Meus olhos ardiam, e eu tentei nadar para cima, mas a corrente me trazia para baixo. Estava ficando sem forças, e cada vez meu corpo afundava nas profundezas, minha cabeça começou a doer, e meu fôlego foi tomado por águas enchendo os meus pulmões. Eu estava perdendo a consciência, a lua agora era um pequeno ponto luminoso vista das profundezas. Era como a luz no fim do túnel que muitos dizem ver antes de morrer. Eu estava me sufocando lentamente.
Antes de perder completamente a consciência uma mão tocou a minha cintura e me puxou novamente para cima. Quando tudo estava ficando escuro e frio, seus olhos foi a chama que me devolveram a mim mesma.
Chuvas de Novembro
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top