Capítulo Seis
Desnecessário dizer que alguém naquela equipe conseguiu ser minimamente produtivo pelo resto do dia. A visita do loiro bonitão deixou os ânimos em polvorosa e meus colegas mal podiam ver a hora de correr para o bar e fofocar de forma enlouquecida.
Quanto a mim, eu realmente precisava de uma bebida, mas não tinha muita certeza se queria encarar a sabatina de Cintia e Edu.
Em minha primeira semana eles se tornaram meus colegas mais próximos no Jornal, – se pela disposição dos lugares, ou pelo encontro de nossas almas, só o tempo dirá – mas o fato era que não havia a possibilidade de não terem notado o quão incomum foi que o loiro olhasse para nós, para mim, e sorrisse, e meu espírito anti-social temia pelos rumos das conversas bêbadas, ainda mais assistida por grande parte da equipe que eu mal conhecia, naquela noite.
Perto do horário onde as canetas caíam e os crachás eram guardados, a agitação tomou conta do nosso pequeno departamento.
– Acho que vou chamar a Rê pra ir com a gente... – Cintia disse para ninguém em especial, pescando o celular de dentro da bolsa abarrotada.
Ouvi vários sinais de aprovação do resto de meus companheiros e fiquei com vergonha de perguntar quem era, mas então Edu acabou sanando minhas dúvidas ao dizer:
– Se você vai chamar a sua irmã, então vou convidar o Rafe pra ir com a gente também.
Rafe, eu sabia, era seu namorado, e a reação silenciosa e meio tensa da equipe à essa declaração de Edu provavelmente se devia ao fato de que planejavam discutir o nível de gostosura do loiro bonitão, e não se sentiriam muito à vontade com namorados à mesa. Pelo menos era o que eu achava.
Penso em enviar uma mensagem para Isabela antes de sair, já que não consegui responder nenhuma das dela durante todo o dia, mas nosso séquito está tão apressado para chegar ao boteco que acabo deixando para depois.
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No fim das contas, Rafe tinha alguma outra coisa muito mais importante para fazer do que comparecer à um happy hour de última hora, com os colegas do namorado, em plena segunda-feira. Um mal que acometeu pelo menos metade da Equipe de Arte, que seguiu desfalcada para um "pé sujo" próximo ao jornal.
– Eu queria que algum de vocês tivesse fotografado escondido o rosto desse cara. – disse, de forma sonhadora, a irmã de Cintia, que descobri ser sua gêmea assim que chegamos ao boteco e coloquei os olhos nela.
Apesar de dividirem o mesmo rosto, as duas não podiam ser mais diferentes. Enquanto Cintia usava o cabelo escuro, curto e repicado, e tinha um estilo meio sombrio, sua irmã parecia uma princesa saída dos contos de fada: os cabelos longos e com luzes cor de mel, o vestido de verão florido e as sandálias plataforma, acompanhados da forma meiga com que pronunciava cada sílaba que saía de sua boca. Parecia que alguém havia recordado o rosto de Cintia e colado no corpo de uma Barbie.
E esse era apenas um dos motivos de eu não acreditar nessa coisa de astrologia. Pelo amor de Deus, as duas vieram a esse mundo juntas, tinham o mesmo signo, e não havia como ser mais díspares. Fiz uma nota mental para não me esquecer de jogar essa história na cara de Isabela na próxima vez que ela viesse com um horóscopo pra cima de mim.
– Mas gente, agora é sério. – disse Edu, interrompendo todo o burburinho que se formou com a possibilidade de terem fotos do loiro bonitão circulando pelo Departamento de Arte – Vamos organizar esse Bolão!
– Edu, esquece o Bolão. – falei, enquanto enchia mais um copo americano de cerveja barata.
– Olha, dona Cami. – ele retrucou, o dedo em riste na minha direção – A senhora pode parar com esse teatrinho de "nem ligo pra esse cara". Não pense que não percebi o que rolou hoje...
Nessa hora sinto meu rosto inteiro esquentar e morro de vergonha do que está por vir.
– Ah, sim. – era Cintia agora, vindo ajudar Edu a cavar a minha cova, seus olhos brilham, e não sei dizer se é de diversão ou perversidade – Fico me perguntando o que aconteceu com aquela garota do primeiro dia, que não entendia como podíamos nos sentir atraídos pelo loiro bonitão, afinal ele é só...
– Loiro e tem olhos claros... – meus colegas repetem em coro e explodem em gargalhadas em seguida, como se as palavras fossem um disparate.
Eu só quero cavar um buraco, me enfiar dentro dele e não sair nunca mais.
– Francamente, Camille. – me reprova Bianca, uma das designers da equipe, de rosto redondo e cachos cor de caramelo. É impossível levar qualquer reprimenda dela a sério quando me olha sempre com olhos tão gentis.
– Bem. – começo, e então limpo a garganta – Admito que ele seja realmente charmoso, mas não é esse príncipe encantado todo...
Outra explosão de gargalhadas, a equipe de arte se diverte como nunca ouvindo os desatinos que saem da minha boca. Cintia bate a mão na mesa e o copo de Edu balança tanto que recebo respingos de cerveja na camiseta.
– Você sempre fica olhando embasbacada pra caras que são só charmosos? – pergunta Cintia, mal segurando o riso a tempo de terminar a pergunta.
– Em minha defesa, – digo seriamente – ele é mesmo BEM charmoso.
E então eu mesma estou rindo, sentindo a face em chamas e o estômago revirar. Às vezes o charme é mais importante do que qualquer beleza.
– E pensar que esse charme todo estava sendo direcionado todinho para mim! – diz Edu, enquanto suspira com olhos sonhadores.
– Como é que é? – diz Larissa, outra de nossas companheiras. Ela é de descendência asiática e tão pequena que parece uma menina de 12 anos. Os garçons costumam pedir o RG dela só pra conferir se podem mesmo servir cerveja para a garota.
– Que história é essa, Eduardo? – pergunta Cintia, indignada.
Levo meu copo aos lábios nesse momento, na esperança de molhar um pouco a garganta depois desse ataque de risos, e acompanhar o embate que se desenrola a minha frente.
– Ai gente, vai dizer que vocês não notaram que o loiro bonitão olhou diretamente para mim quando entrou na sala? – fala e Edu e imediatamente engasgo, cuspindo toda a cerveja que tinha na boca.
– Que? – pergunto, embasbacada.
– E digo mais, – prossegue Edu, sob o olhar indignado da mesa – quando estava indo embora, ele olhou de novo e ainda sorriu!
Fico atônita. Só consigo olhar para o meu colega, completamente sem reação, enquanto a mesa inteira explode enfurecida.
– Mas que audácia! – diz Paula, uma garota alta e pálida, com cabelo escuro, cortado naquele estilo Cleópatra. Me surpreendo com o furor de sua resposta, logo ela, sempre tão desligada no escritório, parece levar aquela história do loiro bonitão bem a sério.
– Ele não estava olhando pra você! – esbraveja Bianca.
– Exatamente, Bianca! – diz Larissa – Ele estava olhando pra mim!
– Pra você? – escarnece Cintia – Se toca, claramente ele estava olhando pra mim, suas pistoleiras!
– Era pra mim! – Paula se pronuncia novamente, com fervor.
– Aceitem, aceitem... – entoa Edu, gargalhando com a balbúrdia, enquanto as meninas não param de reivindicar o olhar e o sorriso do loiro bonitão.
Através de toda a cacofonia da mesa, meus olhos encontram os de Regina, que sorri divertida observando a discussão e ergue o copo pra mim em um brinde. Ergo o meu ainda meio entorpecida com o rumo daquela conversa.
Eu também podia jurar que ele estava olhando e sorrindo pra mim. Naquele momento turvo, onde perdi o controle das minhas próprias emoções, podia garantir que os olhos invernais daquele sujeito se prendiam aos meus. Senti aquele olhar estremecer minha espinha. Vi aquele sorriso despejar pedras de gelo pelo meu estômago e transformar meu coração numa britadeira.
E aparentemente toda a equipe de arte sentiu o mesmo.
A que ponto cheguei, meu Deus? Tão desmiolada e iludida quanto meus colegas de trabalho.
Sempre me orgulhei de ser extremamente racional. Quando se tem o tipo de infância que eu tive, não manter as emoções e as ilusões sob controle torna-se uma armadilha mortal.
É por isso que me sinto tão desnorteada com o fato de ter tido reações tão extremas ao olhar de um estranho... um olhar que aparentemente nem foi direcionado especificamente para mim... e mesmo que fosse, posso não ser uma perita em romance, mas não sou uma completa inocente no assunto, e garanto que em minhas singelas experiências, jamais me permiti sentir algo desse tipo.
Sei que a maior parte das pessoas acredita não ter controle das próprias emoções, mas consigo administrar as minhas com maestria. Já aconteceu mais de uma vez, inclusive em relações de cunho amoroso, onde percebi que a pessoa em questão seria uma roubada, e imediatamente cancelei aqueles sentimentos por ela. Apenas disse pra mim mesma "se afaste", "vai ser melhor assim", "siga em frente". E eu me afastei e segui em frente.
Isso é racionalidade. Isso é se guiar pela lógica. Esta sou eu.
Não esse monte de carne e hormônios hiperventilando por um desconhecido que nem é assim tão bonito. E que nem prendeu os olhos nos meus na verdade.
Me sinto idiota por ter chegado no ponto de meus colegas, aquele em que se tem fantasias de olhos bem abertos, com pessoas que nem sabem da sua existência. Talvez eu esteja de TPM.
Quando dou por mim o clima na mesa se acalmou em risos bêbados e apostas para o fatídico Bolão de Edu.
– Aposto que ele é um cliente. – ouço Bianca dizer.
– E eu que é de alguma agência de publicidade. – diz Cintia, com a fala embolada pela cerveja – Ele tem o jeito desse povo de agência...
– Ele pode ser um possível comprador do Jornal! – dispara Paula.
– Um sócio, você quer dizer? – Larissa questiona, cética.
Sinto uma cotovelada nas costelas e me deparo os olhos castanhos de Edu me encarando de forma suspeita. Como um gato que acabou de engolir um rato.
– Pra onde você foi, querida? – ele me pergunta, com um sorriso travesso nos lábios.
– Para lugar nenhum. – digo, com cara de paisagem, enquanto tomo mais um gole da minha cerveja quente. Está tão ruim que meu rosto se contrai em uma careta involuntária.
– Sei. – ele diz, ainda sorrindo como um demônio – Não vai apostar?
– Uhm. – resmungo, tentando disfarçar a cara feia causada pela bebida horrível no meu copo – Acho que não estou interessada o bastante no assunto.
O berro em forma de gargalhada de Edu não assusta só a mim. A mesa inteira pula com o susto e suspeito que até os mortos poderiam se levantar.
– Ah tá. – ele diz, quando seu celular vibra sinalizando uma mensagem.
É com o fantasma da gargalhada na boca que Edu vira o aparelho para conferir a notificação e eu vejo seu rosto desmoronar em instantes. Sinto um aperto na boca do estômago conforme ele passa os olhos pelo aparelho e empalidece.
– Está tudo bem? – pergunto preocupada.
Edu desvia os olhos do telefone de forma agitada, transmutando sua expressão abatida em um sorriso que não chega nem perto dos anteriores, ou de seus olhos.
– Claro! – ele diz – Tá tudo ótimo.
E então, antes que eu possa perguntar de novo, porque claramente não está tudo ótimo, ele já está de pé, juntando suas coisas e dizendo que precisa ir.
As meninas trocam olhares, mas não dizem uma palavra sobre a mudança repentina no comportamento de meu colega.
– Acho que é uma boa ideia todos irmos, na verdade. – diz a irmã de Cintia, conferindo as horas – Amanhã ainda é terça-feira e todo mundo aqui trabalha.
A mesa suspira aliviada, como se Regina tivesse, de algum modo, salvado à todos de um constrangimento desconhecido.
Checo meu próprio relógio e quase caio da cadeira ao constatar que já é quase meia-noite. Meus gatos vão me matar.
– Vamos pedir a conta. – diz Cintia, mas ela parece estranhamente irritada.
– Vamos. – eu digo.
Pagamos a conta em um silêncio esquisito e depois de nos despedirmos, cada um segue seu caminho, sem trocar uma palavra.
É um encerramento esquisito depois de todas aquelas gargalhadas compartilhadas, e me sinto estranhamente ressabiada no caminho de volta para casa.
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Estou encolhida em minha estreita cama de solteiro, sentindo o ronronar baixinho de Guadalupe, que dorme em algum lugar próximo à minha cabeça. Hector e Ernesto nem se quer olharam na minha cara quando cheguei e tenho certeza que encontrarei pelo menos um par de tênis cheio de xixi de gato amanhã de manhã.
Rolo de um lado para o outro, tentando encontrar uma posição em que consiga pegar no sono, mas é impossível.
Talvez seja culpa da cerveja que bebi, e que me dá a sensação de leve enjôo.
Ou talvez seja o fato de que cada vez que fecho meus olhos sou assaltada pela sensação daquelas íris geladas em mim. Vejo aquele franzir misterioso de cenho, vejo aquele sorriso de lado. Sinto as mãos geladas e o coração apertar.
Sinto o estômago revirar e tenho medo de que não seja só a cerveja.
Suspiro.
Mas que inferno!
SURPRESAAAAA!!!!
Resolvi ser bem boazinha e postar DOIS CAPÍTULOS essa semana, ao invés de só um.
DE NADA, DE NADA, DE NADA!
Agora só espero que vocês me retribuam com muito carinho, comentários e votos!
Estava muito ansiosa pra que vocês conhecessem mais dos colegas de trabalho da Cami e que se divertissem com eles como eu me divirto!
Agora, a noite acabou meio esquisita, né? O que será que tá rolando com o nosso Edu? Alguém tem um palpite??
E a Cami, hein?? Aparentemente tá bem mais atraída pelo misterioso Loiro Bonitão do que quer admitir! Mais alguém quer entrar no Bolão do Edu e opinar sobre a identidade secreta dele?
Enfim, volto semana que vem, na próxima quarta, com algumas respostas, será? heehehhehe
Beeijoss!!
Pam Oliveira
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