Capítulo Dois

Viro a esquina de casa pedalando, completamente exausta após um dia inteiro absorvendo novas informações. É real quando dizem que a faculdade mal prepara a gente para um emprego de verdade. Não que eu fosse uma completa leiga na profissão.

Durante minha graduação estagiei na revista da Universidade, fora todos os freelas e bicos que acabei fazendo aqui e ali. Acontece que estar no dia a dia de um Jornal diário de grande circulação é uma coisa completamente diferente de tudo com o que eu já havia trabalhado antes.

Nenhuma das minhas experiências anteriores me preparou pra toda aquela correria, a pressão no fim do dia, os prazos sempre apertados, o idiota do Comercial enviando material fora do horário e a gente tendo que dar conta. Mesmo durante os anos em que trabalhei como garçonete, minha exaustão sempre foi mais física do que psicológica... e isso porque eu estava apenas observando e aprendendo enquanto toda a equipe de arte ralava pra valer pra conseguir fechar todas as páginas e enviar para impressão.

Quando alcanço o prédio onde vivo, olho por cima dos ombros, um reflexo que me dá uma falsa sensação de segurança, antes de destrancar o portão e colocar a bike pra dentro. O edifício não conta com um porteiro, ou elevadores, e suspeito que as câmeras de segurança não funcionam já faz algum tempo.

Estaciono a bicicleta no suporte próximo à garagem, tomando o cuidado de usar uma trava de segurança para evitar dores de cabeça, e me preparo mentalmente para subir os 5 lances de escada até o meu apartamento. Se é que dá pra chamar a quitinete de 20m² que alugo de apartamento. Porém já vivi em lugares piores, e o espaço aqui é bem decente, até mesmo charmoso.

Chego ao topo das escadas meio ofegante, com uma leve ardência nas panturrilhas, e mal encosto na porta do apartamento 52 quando ouço os miados. Não preciso ver para saber qual dos meus três gatos já está a postos à minha espera. Giro a chave e Guadalupe escapa pela fresta, esfregando-se entre as minhas pernas antes mesmo de eu conseguir entrar em casa.

– Oi, meu amorzinho. – digo, me abaixando para pegar a gata branca, com um olho azul e outro verde. Ela mia com indignação por ter sido deixada à própria sorte durante o dia inteiro. – Meu bebê tá com saudades, é?

Com a bolsa de um lado e Guadalupe do outro, entro em casa empurrando a porta com o pé, enquanto Hector sai de debaixo da cama, miando ao som da minha voz.

– Oi, meu lindo! Mamãe chegou. – digo, procurando Ernesto com os olhos, até encontrá-lo sentado na janela, sem me dispensar nenhuma atenção.

Coloco a bolsa na mesa pequena, encostada na mureta baixa que separa a cozinha diminuta do resto do cômodo, e me abaixo para colocar Lupe no chão e coçar as orelhas do gato completamente cinza, com olhos verde-amarelados, que mia cheio de ciúmes.

– Vocês se comportaram bem? – pergunto, mesmo sabendo que não vou ter nenhuma resposta além do leve ronronar satisfeito dos dois.

Me levanto tirando os sapatos e sou seguida por eles quando vou colocar comida e trocar a água dos bichanos. Dou uma olhada rápida na caixa de areia antes de seguir para a janela e dar uns apertões no gato preto que não está nem aí pra mim. Ernesto mia indignado e foge de mim tão logo consegue, indo se esconder no banheiro.

Decido dar um tempo pra ele se acalmar antes de ir tomar banho, então troco de roupa, substituindo a camisa e a calça por uma camiseta e um short confortável, e faço um coque gigante no topo da cabeça com as minhas tranças, antes de ligar o computador para finalizar algumas artes da campanha de adoção da ONG de Isa.

Falando em Isa, resolvo checar o celular, que pipocou de mensagens da minha melhor amiga durante o dia inteiro e, com toda aquela correria, acabei não conseguindo responder nenhuma. Obviamente Isabela não deixaria barato o meu silêncio durante todo o dia, sua última mensagem me deixando saber exatamente qual a opinião dela sobre o meu sumiço:


Isa Bit:

Você é a amiga mais desnaturada 
do mundo inteiro, sabia?

Cami S.:

Poxa, amiga.
Me perdoa, foi tão corrido esse primeiro dia
que mal tive tempo de ir no banheiro.

Isa Bit:

Te perdoo assim que você
me contar tudo!!!!


Fatos sobre Isabela Bittencourt:

1. Ela pode ser uma Rainha do Drama quando quer;

2. Mas ela também é a pessoa menos rancorosa do Universo;

Dou risada enquanto lhe mando outra mensagem perguntando se posso ligar, pois assim conversamos enquanto eu finalizo as artes para a ONG. A mensagem mal é visualizada quando meu celular vibra, o rosto sorridente de Isa aparecendo na tela. Atendo e coloco no viva-voz, me sentando na frente do computador e começando a abrir os arquivos para trabalhar.

– Pode ir desembuchando, senhora "estou muito ocupada para responder a minha melhor amiga"! – ela vai dizendo com sua voz musical, sem nem esperar pelo meu "alô".

– Nossa, Isabela! – digo, com falsa indignação – Cadê sua educação? Boa noite pra você também, tudo bem contigo, minha melhor amiga do mundo inteiro?

Ela bufa do outro lado da linha.

– Você perdeu o privilégio da minha boa educação quando me deixou no vácuo o dia inteiro, sua desnaturada!

Dou risada.

– Não é engraçado. – ela me alerta.

– Tudo bem. – cedo, por que essa discussão pode ser eterna. Como uma boa ariana, Isabela pode não guardar rancores, mas com certeza não perde uma boa briga – Me perdoa por ter estado tão ocupada no meu primeiro dia de trabalho que não pude responder as suas mensagens.

– Uhm.

– Estou aqui agora. – digo, por que ela ainda precisa ser adulada mais um pouco – Assim que cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi ver suas mensagens e te ligar. Olha como você é importante na minha vida.

– Sou mesmo. – ela diz, o gelo enfim derretendo – Não se esqueça disso. Agora desembucha logo! Como foi tudo?

– Foi ótimo! – eu falo com sinceridade – Apesar da correria e da quantidade de trabalho, todo mundo me recebeu super bem.

– Ai, que bom! – ela diz toda empolgada – Eu sabia que seria maravilhoso! Você é maravilhosa e merece um emprego maravilhoso, com um monte de gente maravilhosa também!

– É muita "maravilhosidade" pra uma frase só, mas obrigada, Isa. – respondo, sorrindo e talvez um pouco emocionada – Eu não teria conseguido sem você e sem o seu pai. Não se esquece de agradecer a ele por mim.

– Para de ser boba, Cami! Você fez tudo sozinha, tá legal? A gente só soube da vaga e mandou seu currículo. Quem encantou todo mundo nas entrevistas e arrasou em todos os testes foi você!

– Aí, Isabela! Só você mesmo! – sorrio – Obrigada pelo apoio.

– Que isso, boba. Tô aqui pra isso. Tá na descrição do trabalho de melhor amiga dar todo um apoio incondicional.

– Você é muito competente nesse teu trabalho, parabéns.

– Obrigada. – ela diz e então sua voz muda para um tom mais sério – Agora vamos falar de coisa importante.

– Claro. – respondo, imaginando que ela vai me perguntar sobre as peças da campanha de adoção da ONG.

– Me conta dos jornalistas bonitões...

Caio na risada.

– Meu Deus, Isabela. – digo, indignada – Meu. Deus.

– Ué, que foi? – ela pergunta, toda inocente.

– Que é que eu vou fazer com você? – digo e rimos juntas.

Fecho os olhos e curto o som da risada dela, com o coração cheio de gratidão. Não apenas pelo trabalho novo, mas por ela. Por essa amizade maravilhosa. Pelos meus gatos, que se embolam nas minhas pernas. Pelo meu apartamento mínimo e aconchegante. Pelas coisas que estou conquistando...

Neste momento me sinto completa.

Alô, galere! Mais uma quarta-feira, mais um capítulo!

Esse um pouco mais curtinho, pra mostrar um pouco da realidade da Cami e do relacionamento dela com a Isa, que, SPOILER, é uma das coisas mais importantes dessa história!

Como sempre peço para que votem e comentem bastante, isso me motiva demais a continuar escrevendo e dividindo meu livrinho com vocês ♥

O capítulo 3 chega na próxima quarta, a não ser que a gente tenha um montão de comentários pedindo por mais AHAHAHHAHAHAH

Bjs e até a próxima!

Pam Oliveira

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