Capítulo Dezessete
– ... mas você sabe que eu não "me mato de trabalhar" só por causa da Ortega, né? – vai dizendo Will, com a boca cheia de homus e pão pita, durante um de nossos almoços, quando eu expresso todo o meu desprazer para com a chefe dele.
– Ah, então quer dizer que a Bete não tá te obrigando a me mandar anúncios fora do prazo e me fazer acumular umas boas horas extras? – rebato, com um falafel a meio caminho da boca.
Hoje estamos almoçando em um restaurante árabe que Will jurou ter várias opções vegetarianas para mim. Até agora não me decepcionei com a comida, que é bem temperada e tem um sabor diferente de tudo que já experimentei na vida.
Nunca tive muitas aventuras gastronômicas. Fui criada com o arroz e feijão básico, mas desde que me mudei para a Capital comecei a ter mais contato com a diversidade culinária da cidade grande, porém, no quesito árabe, era a minha primeira vez... e este último mês esteve recheado de primeiras vezes.
– Você nunca vai esquecer essa história, não é? – Will se esquiva da resposta, mas sei que entrou na brincadeira. Há um pequeno sorriso no canto de seus lábios bem desenhados e aquele brilho maroto, que aprendi a adorar, em seus olhos.
– É difícil de esquecer quando meu banco de horas só cresce e meus freelas se acumulam em casa. – faço um biquinho e noto como seus olhos correm rapidamente para meus lábios e suas bochechas ganham aquele rosado cálido.
– Bem... – ele faz uma pausa, desvia os olhos de mim e limpa a garganta, parecendo ter perdido o fio da nossa piada interna – não sei se já te disse isso... – ele prossegue, brincando com o tabule em seu prato – mas não é inteiramente culpa da Bete eu ficar fazendo hora extra... quer dizer, óbvio que aquela mulher é um gavião e cobra muito da equipe, mas... eu também faço por mim, sabe...
Ergo as sobrancelhas e apoio o rosto nas mãos enquanto o encaro com malícia. Adoro quando ele parece sem jeito.
– Então quer dizer que você me enganou esse tempo todo! – digo com falsa indignação – Me fez colocar o nome da Bete Ortega na boca do sapo, quando o verdadeiro culpado era você?
– Deixa de ser besta, Cami. – ele diz com um sorriso e dá um leve chute no meu pé por baixo da mesa.
Agora é a minha vez de corar e ficar meio deslumbrada. É verdade que já consigo manter conversas inteiras com Will, mas toda vez que ele me toca... mesmo sendo o mais leve dos toques, sinto uma corrente elétrica me atravessar.
– Falando sério agora. – Will continua, e seu rosto adquire uma expressão sóbria – Você já deve ter reparado que não me dou muito bem com meus pais. Minha meta é conseguir sair da casa deles ainda este ano. Por isso as horas extras. Cada pequeno anúncio vendido me deixa mais perto de juntar dinheiro o suficiente para cair fora.
Assumo um semblante sério e comedido também. Penso em cada pequena informação que ele deixou escapar sobre os pais em todas as nossas conversas. Will não fala muito da família, mas da pra perceber que tem um chamego especial com a irmã caçula. Porém, quando se refere aos pais, é sempre com certa distância e desinteresse.
– Como foi? – ele me pergunta, quando não respondo a esta sua última declaração – Quando você saiu da casa dos seus pais?
Meu garfo cai em cima do prato com estardalhaço. Ele quica e vai parar no chão. Will mal percebe o que sua pergunta faz comigo. Ele se abaixa para pegar o talher, enquanto eu permaneço petrificada no meu lugar. Imagens, que já deixei para trás há muitos anos, começam a desfilar diante de meus olhos e, sou acertada por uma dor tão grande no peito, que não percebo o soluço estrangulado em minha garganta até os dedos de Will se fecharem em torno dos meus.
– Cami? – ele me chama, me trazendo de volta ao presente – Tudo bem?
Pisco os olhos e balanço a cabeça de leve, forçando um sorriso robótico nos lábios ao voltar a encará-lo.
– Claro. – digo e percebo como minha voz soou frágil – Por que não estaria?
Ele me lança um olhar duvidoso, mas cheio de preocupação, que eu ignoro ao levantar a mão e pedir outro garfo para o garçom.
– Desculpe. – Will ainda me encara desconfiado – Achei que tinha tocado em algum ponto sensível. Você também não se dá bem com seus pais?
Me sinto enrijecer na cadeira.
Engulo em seco.
– A gente não mantém contato.
– Uhm. – ele diz e parece meio desolado com a minha resposta – E você tem algum irmão pelo menos?
Meus lábios tremem.
Olho para a mesa e vejo minhas mãos tremerem também. Fecho-as em punho e tento sorrir de novo.
– Tenho. Três. Mas não os vejo há anos.
Will parece aceitar que este é um assunto bem complicado pra mim. Ele se cala, mas sua mão rasteja novamente por sobre a minha e ele a aperta com carinho.
Sinto um calor gostoso se espalhar de nossas mãos unidas e me acertar direto no peito, desfazendo aquele nó angustiante que o assunto "família" sempre trás ao meu coração.
Volto a sorrir. Desta vez de forma mais sincera e levanto os olhos para encarar sua expressão preocupada, seus olhos como grandes pedras de lápis-lazuli, me encarando com solidariedade.
– Tá tudo bem. – digo, para tranquilizá-lo – A vida tem dessas coisas.
Ele me lança um sorriso resignado e solta a minha mão para devolver a atenção à sua comida.
– Sabe... – Will diz de repente, e volta a me olhar com um leve repuxar de lábios – Esses dias passei em frente à um bar de Jazz voltando do trabalho e foi inevitável não pensar em você.
Minha boca se curva em um sorriso imediato e meu coração começa a bater mais rápido e descompassado com o calor que essa informação desperta nele.
– É mesmo? – digo, e sei que meus olhos estão brilhando e minhas bochechas corando de satisfação.
Ele sorri e desvia os olhos dos meus. Percebo seu rosto adquirir aquele tom de rosa pálido que tanto adoro e sinto as entranhas se contorcerem de prazer.
– Então, eu estive pensando... – ele continua e então levanta os olhos para mim, parecendo esperançoso – O que acha de ir lá comigo essa semana?
Mordo o lábio inferior e sinto como se estivesse sendo atingida por um raio. Aquele calor no meu peito se espalha por todos os lugares, fazendo com que arrepios deliciosos se alastrem pelo meu corpo.
Estou prestes a gritar sim quando me lembro de todo trabalho acumulado que tenho em casa. Todos aqueles freelas que estive negligenciando por causa das horas extras no Jornal precisam ser entregues ainda nesta semana, incluindo alguns cartazes para a próxima feira de adoção da ONG, que deve ocorrer na semana que vem..
Me sinto murchar quase que imediatamente e observo os olhos de Will perderem aquele brilho especial quando percebe que estou prestes a lhe dizer não.
– Ah. – digo, quase em um muxoxo – Eu adoraria, mesmo! Mas tem uma pilha de freelas na minha casa que precisam ser entregues nesta semana se eu quiser pagar meu aluguel...
Ele desvia os olhos dos meus e me dá um sorriso resignado.
– Tudo bem. – diz apenas.
Sem pensar muito bem, e meio que tomada pelo desespero de que ele ache que não quero sair com ele dessa maneira, agarro sua mão do outro lado da mesa. Sinto Will enrijecer instantaneamente, puxando a mão da minha quase que por reflexo e me olhando assustado.
Fico sem ação. Encaro-o atônita por alguns segundos, sustentando seu olhar assombrado com o meu confuso.
Dou um riso nervoso e desvio o olhar do dele, sem graça e querendo encontrar um buraco para me encolher e morrer.
– Não desista de mim. – digo baixinho, mais para mim do que para ele.
Will se recupera de seja lá o que tenha acontecido com ele. Escuto-o se recompor e limpar a garganta.
– Desculpe. Como disse? – me pergunta e eu levanto os olhos para encará-lo, sentindo uma dor no peito inexplicável pela expressão meio perdida e desolada que ainda vejo em seus olhos.
Não sei por que está lá. E não sei por que ele se desvencilhou de mim como se meu toque fosse ácido, mas sinto no meu íntimo uma necessidade avassaladora de tirar aquele olhar assombrado de seu rosto.
E é por isso que forço uma risada e o tom maroto em minha voz:
– Eu disse que a culpa é toda sua! – falo, me obrigando a resgatar a atmosfera leve de nossos almoços casuais – Mas ainda não desista de mim.
Olha só quem apareceu no dia certo dessa vez!
Como estão meus leitores preferidos? Espero que bem, apesar dos pesares!
Esse capítulo tá chegando cedo por aqui pq a minha veia criativa tá soltando fogos de artifícios desde que me recuperei do bloqueio, e eu meio q ando escrevendo um capítulo por noite, inclusive, ACABEI DE VIRAR A NOITE ESCREVENDO UM CAPÍTULO DE QUASE DUAS MIL PALAVRAS SÓ PRA VOCÊS! Pra comemorar, resolvi já liberar esse aqui (:
Eu adoro esse capítulo, pq aqui vemos como está a interação da Cami e do Will depois que a nossa protagonista resolveu tomar as rédeas dos próprios sentimentos, inspirada pela Isa. Também deu pra perceber que o assunto FAMÍLIA é algo delicado para os nossos heróis. O que será que o passado deles esconde? Alguém tem um palpite? Alguém topa um Bolão em homenagem ao Edu?
Enfim, espero que tenham gostado! Como sempre, não esqueçam de deixar muitos comentários, votar clicando na estrelinha e compartilhar a história com os amigos!
BEIJOS E ATÉ SEMANA QUE VEM!
Pam Oliveira
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