Visita ao Passado Histórico, Para Compreender a Sequencial de Desgraças Mundiais

Nosso plano corria bem, e como o nosso grupo era pequeno, podíamos continuar andando até mesmo de noite – e aos poucos começamos a fazer isso mesmo. Com o passar dos dias a nossa união como um grupo foi se fortificando ainda mais, principalmente por parte de Jonas e Amélia, que pareciam começar a se entender – já que antes ela não queria muita união com ele, mas agora parecia nascer uma amizade ali. 

Geralmente descansávamos em áreas mais afastadas da cidade por algumas horas e depois andávamos ainda mais. Não demorou muito para que trocássemos o dia pela noite e passássemos a fazer nossas maiores andanças a noite. Era mais seguro e melhor para todos. Então, quando o dia chagava, nos sentávamos embaixo de alguma árvore e dormíamos por algumas horas, e antes de anoitecer continuávamos nossa viagem.

Uma das observações que eu fiz, no entanto, foi a mudança de Bruce. Ele, de fato, tinha me dito que ia mudar quando saíssemos e voltássemos para a realidade de sobrevivência e ele mudou. Enquanto todos dormiam, na maior parte do tempo, Bruce ficava acordado, e fazendo rondas pelos arredores de onde estávamos – como se ele se sentisse seguido, ou quisesse evitar qualquer surpresa desagradável enquanto viajávamos.

Ele dormia muito pouco – e eu entendi, finalmente, o motivo pelo qual ele tinha dormido tanto quando foi se recuperar dos últimos ferimentos. Parece que seu corpo tinha, de fato, tirado um tempo para relaxar e descansar, já que agora ele estava elétrico e altamente despertado. E isso era visível pela forma como Bruce encarava qualquer cidade em que chegávamos, confiando a nós a capacidade de atravessar sem chamar atenção de nenhuma daquelas coisas.

Nós não circulávamos mais, ele confiava tanto no nosso grupo, que atravessávamos por dentro de cada cidade. Era como se ele contasse com o nosso silêncio absoluto, enquanto atravessávamos qualquer lugar – e, de fato, ele estava certo, porque o nosso maior companheiro de viagem era o silêncio absoluto. O resultado disso é que, depois de mais de uma semana de viagem, finalmente chegamos em uma área aberta, onde o silêncio não era tão necessário, próxima a entrada de Mississipi, que seria o nosso próximo estado a viajar – e tínhamos conseguido atravessar completamente o Alabama em tempo recorde.

– Bruce, vocês sabiam da existência dos aliens? – Jonas puxa o assunto, enquanto andamos por uma vegetação baixa, entrando no Mississipi.

– O que? – Bruce o encara e Jonas dá de ombros.

– Em 2020 o pentágono assumiu que imagens de objetos voadores não identificados eram reais e que os Estados Unidos não sabia explicar o que rolou. Você sabia disso? – Jonas continua sua investigação informal e Bruce solta um micro sorriso, olhando pra frente, enquanto continua andando.

– Onde ouviu falar disso? Aposto que em 2020 você não estava nem nos planos do seus pais para existir. – Bruce rebate.

– Meu pai era ufólogo. Ele e o Hale conversavam sobre isso...

– E por que ele nunca te disse nada?

– Porque eu era novo demais quando ele morreu. Ouvi algo sobre isso quando eu tinha uns 5 anos, mas depois disso meu pai se matou. – Jonas responde e Bruce parece se engasgar com essa resposta.

– Entendi. – é tudo o que ele diz a Jonas.

– O pai do meu tio Hale, antes de ser da SEAL americana, trabalhou por alguns meses na área 51 e embora meu tio Hale não fale sobre isso, como ele não fala de nada da vida dele, eu sei que vocês sabiam de mais coisas. – Jonas insiste.

– É, de fato. – Jonas abre um largo sorriso, e Bruce o encara brevemente. – Mas eu não te contaria. – o sorriso de Jonas murcha, e ele se aproxima mais de Bruce.

– Por quê? Tecnicamente falando o governo americano já acabou, então você não deve nada a eles.

– É, mas não é porque ele acabou que eu quero relembrar o que ele era.

– Que isso, Bruce, você não me surpreende mesmo...

– Quer ficar surpreso?

– Claro.

– Sabe por que eu sempre disse a Amélia que ela tinha que saber se cuidar sozinha?

– Não, por quê?

– Porque depois de uma missão no Alaska, eu descobri que lá mais de 30% das mulheres já foram estupradas. Eu fiquei tão paranoico que ensinei a minha melhor amiga da época a atirar com um fuzil de assalto... clandestinamente, claro.

– E me deu meu primeiro canivete. – Amélia completa e Bruce concorda com a cabeça.

– Claro. E não me arrependo de nada. – ele completa, continuando a andar em seguida.

– Por que foi ao Alaska?

– Missões da SEAL americana na base de pesquisa marítima de lá. Nós ficávamos na base por 3, 4 dias estudando várias coisas e depois disso tínhamos aí umas folgas. Nessas folgas eu consegui ver ursos polares de perto, antes de se tornarem extintos, e também conheci muitas pessoas. Acho que os piores companheiros de trabalho que eu já tive, foi nessa missão. Todos os dias eu ficava imaginando como seria voltar pra casa. E embora eu tenha gostado do lugar, as pessoas que estavam lá comigo eram detestáveis. – ele explica.

– O que acha dos Estados Unidos de forma geral? – Jonas continua sua investigação pessoal e eu sorrio, por me lembrar que no começo eu era exatamente assim com Bruce também.

– Por que essa pergunta agora?

– Porque eu sei que você e meu tio viajaram muito juntos. E queria saber se você viveria em algum lugar além daqui ou se gosta daqui. – Jonas insiste, tentando acompanhar o ritmo de passos de Bruce, que era rápido.

– Depois de conhecer os subúrbios de Paris, com ratos roubando comidas dos pratos das pessoas, ou depois de ver pessoas na Tailândia vendendo seus filhos, ou até mesmo conhecer favelas no Brasil onde as pessoas não tem água para lavar as mãos, você só consegue entender que nenhum lugar é perfeito. O mundo, em 69, estava fadado ao fracasso, porque eu percebi, estudando sobre esses países que os problemas que percebi em 2070 vinham acontecendo desde o início da civilização. São questões históricas, Jonas, e não, eu não viveria em nenhum lugar além do meu país, porque todos os países são problemáticos, então é melhor você lidar com os problemas que já é acostumado.

– Mas aqui... – Jonas começa, mas Bruce o interrompe.

– Aqui as pessoas morriam aos montes, porque em 2071 as taxas de renda familiar eram ridículas. Pessoas não tinham acesso nem a metade do salário base que o estado obrigava a pagar e isso se repetia por todo o mundo, Jonas. Eu sei que você nunca teve acesso a isso, porque a sua família sempre foi rica. Sempre. Sua mãe é policial estadual, seu tio recebia mais de 10 mil dólares por mês e seu pai era um dos pesquisadores mais famosos de sua época. E sim, eu o conhecia. Eu só não sabia que você tinha conhecimento do suicídio dele. – Bruce explica. – Mas acredite quando eu falo que as pessoas morriam em 71, porque recebiam menos de 1 dólar para sobreviver uma semana. E essa estrutura social falha fez com que medidas fossem pensadas para que as pessoas pudessem comer lixo sem morrer, só pra você ter uma ideia de que não, eu não achava que éramos heróis, mas pensava que talvez pudesse dar certo. O problema é que o que destrói um país não é a esmola pro pobre, e sim a gula do rico. E eu não percebi essa gula até eles me engolirem.

– Você falou de questões históricas... – Jonas começa a falar, conseguindo acompanhar os passos de Bruce.

– Sim.

– Pode me explicar? É que eu não tive aula na escola. Quando tudo isso aconteceu eu ainda nem tinha pensado em ir para um ensino médio ou algo do tipo. – Jonas pede e eu fico ali, calado, porque eu também não tinha tido muitas aulas na escola e as que tive eu não me importei muito.

Eu, sequer, tinha tido tempo para pensar em estudar a história do meu povo naquele país. E como Bruce era o mais velho e o que mais teve acesso a educação, naquele momento, eu preferi ouvi-lo.

– Há muito tempo nos Estados Unidos, pessoas pretas e brancas não podiam andar nos mesmos lugares. Elas não podiam beber nos mesmos bebedouros e algumas escolas, eram, inclusive, divididas no meio. Mas não de uma forma igual. A parte dos pretos era sempre pior que a parte dos brancos, e essas pessoas eram caçadas como se fossem animais. – Bruce começa.

– E ninguém via que isso era extremamente errado?

– Claro, mas os brancos ricos que viam isso, davam risadas. É importante dizer, que lá em 1861 começou uma guerra, que a gente chama de "guerra civil americana". De um lado, vários estados do sul, com a galera que queria que os pretos fossem escravos, intitulados como "os estados confederados do sul" e do outro os estados do norte, e alguns do sul, liderados pelo presidente da época, Abraham Lincoln, a "união" queriam que os pretos tivessem direitos humanos e eram contra a permanência da escravidão. Essa guerra, então, acabou levando cerca de 5 anos e mais de 600 mil mortes. – Bruce explica.

– Sua família é de linhagem militar, não é? – Jonas continua perguntando e Bruce confirma com a cabeça, depois de dar uma breve olhada para Amélia.

– É. Para meus superiores, a linhagem da minha família no exército, começou com o meu avô, que trabalhou na missão da SEAL americana em conjunto com outros órgãos, caçando o terrorista mais famoso da geração dele, Osama Bin Laden, que era um terrorista fundador do grupo terrorista "Al-Qaeda". Esse grupo foi responsável pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que, entre outros ataques, aconteceu o mais famoso, onde eles jogaram aviões contra as torres gêmeas de Nova Iorque. Foi aí que a minha família começou a ser cotada como uma das mais importantes em âmbito militar, mas dentro da nossa casa, nós sabíamos que o primeiro militar da nossa família veio 3 gerações antes do meu avô. Então eu sou a 6° geração servindo ao país. E acredite quando eu falo que não tem maldição maior que essa. – Bruce explica e Jonas confirma com a cabeça. – O lado da minha mãe da família, que não era militar, era do lado dos confederados na época dessa guerra em 1800 e seguiram com essa linha de raciocínio até pouco tempo, já que todos morreram, provavelmente. Minha mãe pensava diferente dos separatistas e supremacistas brancos da família dela, e foi por isso que ela fugiu para morar com meu pai.

– E seu avós? Faziam parte desse pessoal que achava que os pretos eram piores que os brancos? – observo Bruce, esperando sua resposta e ele pensa um pouco, negando com a cabeça, em seguida.

– Minha melhor memória com o meu avô paterno é que uma vez eu vi ele comentando sobre um personagem de 1800, chamado Jim Crown, que era interpretado por um babaca, chamado Thomas Dartmouth Rice, que fazia black face lá por 1860, 70, e ele disse "se eu estivesse vivo naquela época e meus pais fossem fãs desse cara, sem dúvida eu seria a pessoa que daria um tiro na testa dele antes mesmo de ele terminar sua interpretação". Então o meu avô era muito reacionário a favor dos direitos constitucionais dos pretos na época dele e mesmo que a nossa família seja toda de brancos, acredito que o papel do branco com o racismo é ajudar, pelo menos, na luta contra ele, porque quem cala consente. Se você diz que não é racista, mas não faz nada contra o racismo, você é um racista. Meu avô contribuiu e muito para que soldados pretos pudessem ser empregados na época dele, porque no discurso para a corporação, depois da missão do Laden, ele disse que a única coisa que fazia ele sentir vergonha da sua equipe não era a capacidade dela de resolver problemas, e sim o fato de ele não ver a diversidade americana representada ali.

Essa fala de Bruce me deixou surpreso. Como eu disse, não tive tempo para estudar a fundo a história americana, mas confesso que ver Bruce falar datas e nomes com tanta propriedade e certeza me tiraram, inclusive, o achismo que eu carregava comigo de que ele não sabia exatamente quem era. Bruce estava sim muito lúcido e completamente consciente de tudo o que estava acontecendo.

– Bruce... – o chamo e ele me encara. – Você entendeu o que eu disse quando me senti super desconfortável de ir para Nova Orleans, não é?

– É claro. Ao contrário da média dos meus colegas na escola, Dylan, eu sou branco, mas reconheço que pessoas como eu serviram, em sua maioria, para a discórdia na vida de pessoas como você. E eu poderia super agora puxar e muito o meu lado por ser o mais velho e tentar reescrever a história americana, pintando os pretos como vilões, mas jamais faria isso. Vocês não são culpados pela estrutura social que 2070 estava carregando. O mundo estava defasado e apodrecendo por nossa culpa. E eu sei que provavelmente você já deve ter ouvido algo sobre Nova Orleans, só não tinha noção do quanto isso era grande e maior que um único estado ou cidade. – confirmo com a cabeça.

Eu não sabia mesmo. Aquela conversa estava me enriquecendo muito, porque a única coisa que eu sabia era que Louisiana era um estado com histórico de confederado e isso era ruim para pessoas com pele escura. O motivo? Não cheguei a descobrir exatamente. Só sei disso, porque uma vez meu pai queria e nossa família se mudasse pra lá e minha mãe disse que não ia morar em um estado com esse histórico e mal assombrado por causa do vudu. Não fomos e eu, simplesmente, adotei essa frase pra mim sem saber muito bem o que isso significava – e sem ter noção que era algo tão sério.

– E então, depois dessa guerra, o que aconteceu?

– Aconteceu que a união venceu, mas depois disso começou uma bela briga de crianças e os estados confederados continuaram segregando pessoas negras a todo custo. Tem um filme antigo, chamado "Hairspray" que é ambientado por ali em 1968, em Baltimore, Maryland. Gosto da versão de 2007, é bom. E mostra as escolas divididas, aulas de preto e aulas de branco, no período ali quando os casamentos interraciais começaram a acontecer com uma onda imensa. Sendo que tipo, Maryland e , naquela guerra lá em 1800, ainda eram estados escravistas. Enfim, o que importa é que os confederados provaram que gente racista e preconceituosa não passa de criança babaca, mesmo depois de perderem a guerra.

– Você lembra quais eram os estados confederados?

– Se eu não me engano, eram Alabama, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Louisiana e Mississipi. E é claro que Maryland e Delaware também foram convidados, porque quando se tem que ser infantil, você chama todo mundo que é estupido e infantil pra ir com você. – Bruce explica.

– Nós passamos por alguns desses estados. – Jonas conclui.

– É, eu sei. E em algumas casas, até hoje, tem as bandeiras, sinalizando casas de pessoas supremacistas brancas.

– Não percebi. – Amélia comenta.

– Provavelmente porque você não conhece. Mas é tipo a bandeira americana. No lado direito ela tem 3 listras, duas vermelhas e uma branca no meio, e no canto superior esquerdo tem o quadrado azul escuro, com um círculo formado por estrelas. Estamos no Mississipi, você vai ver muitas dessas ainda.

– E o que isso tudo implicou nas condições de 2070, na sua opinião? – Jonas questiona, enquanto continuamos andando por aquele imenso campo de vegetação baixa.

– Bom, com isso, os pretos formaram suas alianças e forças. E aí, muitos deles foram para os guetos lutar dentro desses estados confederados mesmo. Eles lutaram contra o racismo, mas, consequentemente, eles sofreram muito também. Cada ano que se passou até os anos 2000 foi de luta por algo. Em 2070 eu me deparei, em muitos estados, com questões salariais e higiênicas péssimas, consequência de estados com maioria preta ou imigrante. Em 2020, pra vocês terem ideia, Baltimore era uma das piores cidades americanas para se morar... coincidência de ela estar dentro de um estado extremamente racista? Eu acho que não. Tudo no passado impacta o desenvolvimento do presente e a vida no futuro.

– No período que eu estive sozinho, vi muitas reportagens antigas sobre o problema dos imigrantes na peste de 2020. – comento e Bruce concorda com a cabeça.

– É. Hale comentou comigo sobre a família dele ter sido vítima de muita perseguição por serem asiáticos e aquele vírus ter, primeiro, se difundido na Ásia. Aqui venderam como se fosse o vírus asiático, então qualquer pessoa de olhos puxados era perseguida. E mais que isso, os Estados Unidos sempre teve problemas com o México, então nos estados com uma larga população preta e mexicana, os recursos não chegavam. Nas periferias, em 2060, eles sequer recolhiam os lixos produzidos pela população. Claramente o país começava a deixar, mais uma vez, uma parte significativa da população na merda e não fez nada para evitar isso. Pra mim era muito difícil jurar amor e lealdade a bandeira, sabendo que a bandeira não jurava para uma parte extensa da sua população. – Bruce explica.

– E quais foram os piores problemas dessa época pra você? – pergunto e ele solta um pequeno sorriso, como se dissesse "tudo".

– O planeta já estava só a farofa.

– Como assim? – Amélia pergunta.

– Os mares estavam poluídos, as ruas inundadas de lixo, o caos já tinha se instaurado. No tempo que passei na Alemanha, Estados Unidos e Itália começavam a se estranhar por causa de uma pesquisa científica que entregava parte dos planos americanos. Fomos contratados para dar sumiço aos oficiais italianos e calar essa investigação, antes que isso fosse divulgado. Eu lembro de ter acesso as pastas com o conteúdo que o governo americano estava desesperado atrás e eu não li. – Bruce parece ter um nó na garganta naquele momento. Ele, então, respira fundo e continua. – Por meses eu me perguntei o motivo pelo qual aqueles papéis poderiam acabar com a população mundial, ao eclodir a terceira guerra mundial. Mas eu era tão fiel ao meu papel, que não sabia que o meu lado era o errado da coisa. A Itália só queria provar que estávamos à beira da extinção e se eu tivesse permitido que o mundo soubesse disso, nada disso aqui estaria acontecendo. Mais uma vez o passado prova que as decisões que você toma agora podem impactar tudo daqui 20 anos. E é essa falta de consciência que nos destrói cada vez mais.

– E no Brasil? – pergunto. Agora eu também tinha caído naquela conversa e estava totalmente curioso.

– Brasil foi um caso a parte na minha vida.

– Por quê? – pergunto.

– Porque a escravidão lá foi horrenda também, principalmente depois da revolta da vacina e do limpa que viram em Paris e replicaram no Rio de Janeiro. Nessa réplica, o governo foi raspando as pessoas pobres das ruas do Rio e obrigando todo mundo a se amontoar em morros, criando as favelas. Ali, no final de 2060 essas favelas não tinham mais suporte de vida, e não que tivessem antes, mas naquele momento ali foi o limite. Eu estive com colegas do Bope que choraram dizendo que, mesmo que o Brasil sempre tivesse sido difícil, eles ainda tinham esperanças.

– Deve ser péssimo perder a esperança com seu país. – Jonas comenta.

– É porque vocês não viram... – Bruce respira fundo. – Meus colegas brasileiros foram os melhores que eu tive. Simpáticos, engraçados, pra cima... mas eu conseguia ver que desde de o que aconteceu em 2020, eles perderam um pouco a esperança. Meu pai sempre comentou comigo sobre o brasileiro, às vezes, achar muito que é abençoado por Deus e esquecer de fazer por onde.

– Então, no final disso tudo, você coloca o fim do planeta e da humanidade como sendo consequência de tudo de errado que já aconteceu? – Amélia o questiona e Bruce sorri, concordando com a cabeça.

– Claro. Se todos tivessem condições financeiras de se estabelecer bem, ninguém comeria lixo, e, consequentemente, ninguém morreria de infecção alimentar por falta de dinheiro para pagar um hospital depois disso. E, consequentemente, os nossos queridos cientistas não procurariam uma forma de tornar os corpos das pessoas mais resistentes na base de alterações genéticas. Alterações que, no fim, serviriam para o desenvolvimento final de uma praga que levaria ao fim da vida na terra.

– O que quer dizer com isso? – pergunto e Bruce me encara por alguns segundos.

– Nada importante. – ele conclui e eu o observo, mas ele não diz mais nada e apenas continuamos andando.

E assim foi por horas. Bruce parecia refletir sobre a conversa que tínhamos tido, mesmo assim, não confirmou ou negou totalmente a existência de alienígenas conhecidos pelos estados unidos – e isso fez Jonas ficar conversando com Amélia por horas, quando paramos para comer.

Enquanto Bruce fazia a fogueira onde iríamos esquentar nossas comidas, Amélia e Jonas conversavam e brincavam um pouco – o que demonstrava que agora todos estavam menos tensos do que estávamos no começo daquela viagem.

– Oi... – digo, me sentando próximo de Bruce, que estava mexendo com o fogo.

– E aí.

– Percebi que ficou tenso hoje a tarde. – digo e ele me observa por alguns segundos.

– É que me lembrar o que passei em campo, por muito tempo me trouxe luz. Eu pensava que os Estados Unidos precisava de nós, e quando quase morri, percebi que, na verdade, essa mania de se achar um salvador foi o que nos destruiu. Não existia solução fácil e essa busca foi o que nos fez esbarrar na extinção...

– Pode me dizer o que queria dizer com "tornar corpos das pessoas mais resistentes na base de alterações genéticas"? – ele olha nos meus olhos.

– Não é o momento. Mas só saiba que a proposta que nos foi apresentada foi um simples estudo comportamental de humanos em casos de comprometimento parcial dos corpos. Eles queriam testar formas dos corpos humanos se reestabelecerem depois de doenças sérias, como se as pessoas não fossem mais precisar ir em hospitais. Isso aumentaria a expectativa de vida sem que o governo precisasse se preocupar em levar pessoas para os hospitais. Mas eu não posso te explicar mais que isso no momento, me desculpa.

– Por quê? – insisto.

– Porque eu já escutei muito que sou uma aberração, monstro sem coração, o culpado do fim do mundo e por aí vai. Quando você descobrir o verdadeiro motivo, vai me dizer uma dessas coisas também, e eu não estou preparado pra isso, Dylan.

– Bruce, mas por que... – começo, mas ele me interrompe.

– Porque eu te amo, porra, e não consigo pensar como seria a minha vida ouvindo algo assim de alguém que eu ame de verdade! – ele me responde, em alto tom e os meninos nos observam.

– Tudo bem. – recuo. Claramente Bruce parecia ter coisas demais na cabeça para que eu me tornasse mais uma. – Tudo bem, Bruce... – o abraço. – Me desculpa. – ele apoia a cabeça no meu ombro, enquanto eu passo a mão por suas costas.

Eu não sabia de tudo o que Bruce tinha passado e tinha que me colocar no meu lugar nesses momentos. Por mais que eu tivesse sim ouvido coisas sobre suas missões, as histórias resumidas e os momentos picados de sua vida, eu não sabia todos os detalhes de tudo o que Bruce sabia.

E ele sabia de muita coisa. A inteligência dele era inegável e eu aposto que aprendeu muito, enquanto se virou sozinho por 4 anos em lugares que eu jamais imaginaria. E é isso... mesmo que você saiba muito sobre alguém, jamais saberá tudo e precisa entender isso para se colocar no seu lugar.

Mesmo um pai não sabe tudo o que o filho vive e viveu, porque ninguém vive grudado em ninguém. E isso é importante para evitar mais brigas e discussões desnecessárias. Naquele momento eu entendi que Bruce precisava de um tempo para conseguir equilibrar e reorganizar suas ideias – e eu estava disposto a dar isso a ele. Quando o momento certo de saber tudo chegasse, ele me diria. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top