Um Dia de Perdas

No dia seguinte continuamos andando. Todos acordamos cedo e fomos andando em direção a nossa passagem para o fim da cidade – e confesso que ainda estávamos exaustos. Enquanto andávamos, Bruce, eu e os outros caras dávamos assistência para Kat ir com Hany na frente – por Hany estar grávida e com uma dificuldade clara de andar.

Amélia sempre ficava do meu lado, andando comigo. Ela tinha se acostumado a fazer isso, enquanto Bruce sempre ficava de olho nela – e, consequentemente, em mim. Sempre que eu o observava, percebia que ele estava totalmente tenso em estarmos atravessando a cidade em um grupo grande, mas Mattew tinha insistido que era melhor – por causa do último problema que tiveram quando se separaram – e todo mundo concordou, porque ninguém aguentava mais ouvi-lo enchendo o saco. Andávamos todos juntos, quando eu ouvi um barulho e parei de andar. Bruce, que percebeu o barulho comigo, parou de andar também, mas Mattew não parou.

Com sinais feitos com a minha mão, sinalizei pra Bruce, avisando que tinha escutado passos na lateral de Mattew. Ele respirou fundo, enquanto pegava a minha besta, mas o ataque foi tão rápido, que dois segundos depois um zumbi agarrou Mattew, pulando em cima dele e o jogando com tudo no chão. Minha vontade de primeira foi ajudá-lo, mas eu não me mexi. Não me movimentei, porque podiam ter mais dentro daquela porta escura da qual aquele tuberculum tinha saído

Mattew apenas fez um sinal com a mão, para que a gente continuasse, enquanto ele gritava muito – e vários outros zumbis apareceram e começaram a devorá-lo ali mesmo, e a reação de Bruce foi fazer com que a gente continuasse andando, enquanto ele tentava se concentrar em fazer a segurança de todos os outros.

Por causa do ataque que Mattew sofreu, Bruce forçou com que a gente ficasse mais unido e longe de qualquer parede ou portal de casa ou prédio naquele perímetro – eu sabia que ele estava pensando sobre aquele plano ridículo de Mattew ter custado a própria vida dele. Bruce não queria que todos fossem juntos, porque o som produzido por um do grupo poderia acabar com a vida de todos nós. No final das contas ele claramente tinha ficado abalado, mas não disse nada enquanto andávamos pela cidade naquele silêncio absoluto.

Não demorou muito tempo, no entanto, até que Amélia começasse a dar sinais de que ia chorar. Paramos, então, no meio da rua – que antigamente deveria ser uma avenida, porque era larga – para tentar fazer com que ela parasse de chorar, mas cada vez ela chorava mais. Isso provavelmente era causado pelo susto de ter visto Mattew morrer em sua frente – já que ninguém se tocou e cobriu os olhos dela para que ela não visse aquela cena péssima.

Daí em diante, tudo só piorou. Bruce a abraçou com força, para abafar o som do choro, mas quando me virei para olhar o início da avenida, vi uma multidão de zumbis correndo em nossa direção. Eles pareciam uma onda imensa de seres com a capacidade cognitiva corroída por alguma coisa, que andavam em passos largos – quase correndo – enquanto mordiam o ar e traziam à tona o som dos estalos da arcada dentaria de cima batendo na de baixo. Era assustador e eu senti, mais uma vez como se a morte estivesse acenando pra mim, enquanto estava sentada em seu cavalo amarelo. Bruce, então, apenas apontando para as pessoas, dividiu as duplas, sem dizer nada e todo mundo se separou, saindo correndo, enquanto ele ainda abraçava a irmã com força.

Eu, então, decidi que não iria abandoná-los ali, já que se fosse pra morrer, esperava pelo menos conseguir meu passaporte pro céu por ter morrido por uma criança. Sozinho, eu saí correndo para longe deles. Bruce me observou, enquanto eu corria com toda a força que eu tinha nas pernas para o mais longe deles que eu consegui. Não duvido do fato de que ele provavelmente achou que eu iria sumir e me salvar, mas não foi o que eu fiz. Quando os zumbis chegaram em uma distância razoável dos dois, eu peguei os estalos mais altos que eu tinha e comecei a espalhá-los por toda área que eu estava.

Aquelas coisas, então, ao perceberem que os meus estalos estavam produzindo barulhos mais altos que o choro de Amélia – que começava a parar –, mudaram de rota e vieram na minha direção. Bruce me encarou, como se tentasse entender o que eu estava fazendo, quando percebeu que os zumbis estavam vindo pra mim e eu dei de ombros. Quando eles já estavam relativamente perto, saí correndo ainda mais por todo o perímetro, soltando vários estalos por todos os lugares e começando a jogar molotov nos grupos que estavam me seguindo, queimando-os, antes que eles percebessem que os estalos não eram uma pessoa.

Quando dei a volta, percebi que Bruce não estava mais ali na rua com Amélia, então continuei correndo, até me ver totalmente cercado pelos zumbis, que vinham de todos os lados. Tive que entrar no prédio que tinha atrás de mim, e comecei a subir os lances de escadas sem parar. Fui ateando fogo em tudo que conseguia, enquanto corria, até que cheguei em um dos últimos andares, e vi uma corda que estava presa em um guindaste que estava no andar de cima.

Ela não estava perto do prédio que eu estava, então eu teria que pular e isso não me atraiu. Pensei em todas as merdas que poderiam acontecer, mas morrer por pular de um prédio de 7 andares será mais atraente do que ser devorado e sofrer demais no processo. Se eu caísse, pelo menos seria uma morte rápida e menos suja do que ser dilacerado pelos dentes dos outros – e sem autorização, vê se pode. Esperava que pelo menos o capeta entendesse que aquele suicídio não tinha sido proposital e esperava ainda mais que Jesus estivesse assistindo a minha fuga ao estilo James Bond para salvar uma garotinha. Eu era um herói, não esperava menos do que o anjo Gabriel, na porta do céu, batendo palmas enquanto chorava emocionado.

Aquele prédio provavelmente estava em reforma, e o meu único raciocínio foi pular com tudo naquela corda, torcendo para que os anos não tivessem corroído ela completamente e foi exatamente isso que eu fiz, me esticando completamente para alcançá-la – e ela, felizmente, não estava podre, então me aguentou bem. Por cima, enquanto eu me lançava no ar, vi o meu grupo se reunindo e uma das meninas apontando pra cima, me vendo – com todos os outros. Atrás de mim, eu vi alguns zumbis pulando do prédio, e se explodindo ao cair no chão com tudo – e ainda aproveitei para jogar uma das minhas granadas em todos que estavam ali, explodindo a grande quantidade que tinha subido no prédio comigo.

Quando eu achei que conseguiria alcançar um prédio que estava na frente do que eu tinha pulado, eu soltei a corda e caí com tudo no terraço que era todo de concreto, me ralando inteiro. Fiquei ali, por alguns segundos, sentindo minha perna e meu braço doendo, com muita vontade de gritar de dor, mas não gritei. Olhei para o prédio que eu estava antes e ainda tinham alguns zumbis pulando e outros queimando – os que chegaram depois da explosão que eu tinha provocado com a granada. Mesmo todo quebrado, quando pensei que eu tinha acabado de protagonizar uma cena digna de filme, acabei rindo um pouco, porque eu não conseguia acreditar nisso.

– Você é louco. – ouço uma voz atrás de mim, e quando me viro, vejo um rapaz que eu nunca tinha visto.

– Quem é você?

– Alguém interessado nessa sua bolsa. – ele responde, sorrindo.

– Não rola. – respondo, me encostando no murinho que tinha no terraço daquele prédio, enquanto ele se aproximava. Tudo que eu não precisava era de um ladrão.

– Amor, pega a mochila dele pra mim. – ele pede para uma moça que estava ao lado dele e ela vem andando até mim.

– Não pega não, amor dele. – ouço a voz de Bruce, que tinha acabado de chegar no terraço, pela escada interna do prédio.

Eles, então, se viram e observam Bruce ali, que estava ofegante – provavelmente da bela corrida que ele tinha dado até ali.

– Irmão, essa carga aqui é minha. – o rapaz comenta e Bruce sorri.

– É claro que é. Acontece que o rapaz dono dela é meu namorado e você não vai roubá-lo, porque se tentar eu mato você e sua namorada ali. – ele ameaça e o cara sorri, olhando pra ele e me encarando em seguida.

– Tá brincando. – o cara comenta e Bruce sorri pra ele, negando com a cabeça.

– Não, tô não. – Bruce, então, vai até o rapaz e eles começam a brigar. Ele tinha em seus braços a 12, e com ela ele deu várias pancadas no rapaz enquanto a menina se aproximava de mim. Eu, em um dos meus momentos de maior fraqueza, acreditando que ainda existiam pessoas boas aleatórias no meio daquela catástrofe, olho nos olhos dela.

– Não faz isso. – peço e ela aponta uma arma na minha cara.

– Passa a mochila. – ela pede, e nesse momento, Bruce usa a sua 12 pra dar um tiro na barriga do cara, chamando atenção dela por alguns segundos.

Por cima do murinho eu vejo mais um monte de zumbis correndo em direção ao prédio que estávamos – já que eles tinham escutado o som parrudo do tiro de 12.

– Corre. – peço para a menina.

– A mochi... – Bruce recarrega a arma dá um tiro nela, que cai de joelhos no chão, na minha frente, toda furada.

Ele, depois de olhar e perceber que não tinha mais nenhuma bala na arma, vem até mim e me pega no colo – nesse meio tempo eu pego a arma da menina, que ela tinha apontado pra mim. – e corre em direção a uma das escadas laterais – que não era a escada interna do prédio, por onde os zumbis estavam vindo.

– Faz o que você sabe fazer de melhor. – ele pede e eu pego uma das minhas granadas, tirando o pino e jogando pra cima daquele prédio, enquanto Bruce desce aquelas escadas correndo com tudo.

Quando a granada explode, ela joga restos mortais de zumbis para todos os lados, e o som alto da explosão acaba atraindo ainda mais deles vindo em nossa direção – por causa dos passos pesados de Bruce naquela escada de ferro. Ao chegarmos no chão, ele continuou correndo comigo, enquanto eu tacava fogo em tudo ao nosso redor. Ele teve que desviar diversas vezes daquelas coisas que continuavam correndo atrás de nós, até que eu apontei para um caminhão tanque de gasolina. Eu não sabia se ele ainda tinha algum combustível, mas sabia que poderia ter algum resquício – e isso já seria o suficiente.

Apontei pra ele e pedi para que Bruce passasse do lado. Quando Bruce passou, deixei alguns estalos ali, que acabaram confundindo os zumbis – que formaram um grupo grande ao redor do barulho – e joguei uma granada – que fez com que tudo e todos que estavam ali fossem para os ares – inclusive Bruce e eu.

Acontece que, quando fomos cair, ele conseguiu me segurar com mais força e fazer com que ele caísse no chão primeiro – diminuindo o impacto da queda contra o meu corpo. Tínhamos ido lado contrário onde estava no o nosso grupo e agora estávamos em uma parte de terra da cidade, lugar onde estávamos pouco antes de tentarmos atravessar – então foi melhor do que cair no asfalto puro.

Bruce e eu tossimos um pouco – baixinho, já que não queríamos chamar atenção de mais nenhuma daquelas coisas – enquanto eu mantinha meu rosto apoiado no peito dele, que estava embaixo de mim. Não demorou muito tempo até que eu apagasse completamente – já que eu tinha excedido a minha cota de emoção pra vida inteira.

Acordei algum tempo depois enquanto andávamos. De volta ao grupo, Bruce me carregava e alguém já tinha feito curativos para os meus arranhões e cortes – alguns profundos. De primeira, no grupo que tínhamos formado depois dessa sucessiva constante de merda, eu observei Harry, que estava todo machucado, Rebecca, Kat e Roddy, mas depois eu consegui ver Amélia, que ia de mãos dadas com Hany também – pouco mais na frente.

Percebi que Harry levava a minha mochila, enquanto Kat levava a minha besta, fazendo a ronda no lugar de Bruce – já que ele estava me carregando. Observei Bruce, que me olhou por alguns segundos, e continuou andando, sem dizer nada, e quando fui falar algo, ele encostou sua boca na minha, como se pedisse para que eu ficasse em silêncio e eu obedeci – mas é claro que, como eu já estava meio iludido, fiquei mais.

Acabei dormindo mais algumas vezes, até acordar, porque senti que estava sendo colocado em alguma superfície reta. Quando abri os olhos, percebi que estávamos no meio do nada novamente, em um lugar plano e sem qualquer vegetação. Já estava escuro, e todos estavam cansados – além de muito machucados. Foi aí que eu vi Harry começar a chorar e todos consolarem ele. Como ele estava sem Spencer, eu preferi interpretar comigo mesmo, sem perguntar nada a ele. Já que Bruce estava do meu lado, eu segurei seu braço e ele me encarou por alguns segundos, bebendo água em seguida e me dando um pouco também.

– O que aconteceu? – pergunto a ele, que respira fundo.

– Você salvou a minha vida e a vida da Amélia. Depois disso, todo mundo se separou...

– Disso eu sei.

– Na separação, Harry caiu com Spencer que pegou a arma de Harry e ficou para trás, pra salvar o irmão. Suzana, que estava com Hany, ficou para segurar os zumbis, enquanto Hany corria com Kat. Fora o Mattew, essas foram as baixas de hoje. – é o que ele diz, bebendo mais água.

– Eu sinto muito. – passo minha mão pelo braço de Bruce, que observa aquele toque.

– Não foi sua culpa. Você, mais uma vez, salvou a minha irmã. E pra que? Tá com o braço esquerdo machucado agora. – ele comenta e eu dou de ombros.

– Atiro com o direito. Não preciso dele. – Bruce sorri.

– Você pulou da porra de um prédio, Dylan. Nunca pensei que veria um civil fazer uma coisa daquelas.

– Não sou um civil convencional... e foi necessário, além de não ser uma coisa que eu estou disposto a fazer novamente. – ele sorri mais. – Entendi a importância dos equipamentos de segurança e dos dublês em filmes de ação quando era produzidos. – ficamos em silêncio. – Bruce...

– Diga. – ele pede e eu respiro fundo, me questionando se deveria perguntar o que eu estava pensando. Até que tomei coragem, afinal eu tinha pulado de um prédio, o que era encarar meus sentimentos perto disso?

– Por que se identificou como meu namorado naquele prédio? – pergunto e ele dá de ombros.

– Porque você não parece comigo pra ser meu irmão.

– Podia ser irmão adotivo. – ele dá uma gargalhadinha.

– A gente ia ter tempo de discutir sobre isso naquele momento?

– E por que me beijou depois disso? – ele olha pro chão, me observa por alguns segundos e desvia o olhar de mim em seguida.

– Porque você ia falar e eu estava com as mãos ocupadas. Estávamos atravessando uma das vielas para conseguirmos sair daquela cidade infernal, se aparecesse outro tuberculum seria uma catástrofe. – ele se explica e eu sorrio.

Eu, então, me sento melhor no chão e toco o rosto de Bruce, que me encara. Seguro o queixo dele com jeitinho e o puxo em minha direção, sem perguntar nada. Nossas bocas, então, se colam e eu acabo me derretendo naquele momento por ele.

– Por quê? – ele pergunta, depois que nos afastamos daquele beijo tímido.

– Depois das minhas quase mortes de hoje, entendi que eu não podia morrer sem fazer isso. – respondo e ele encosta nossas testas, me puxando para perto de si e me segurando pelo quadril em seguida.

Bruce ainda me dá um beijo na testa, quando me aconchego nele e ficamos ali, em silêncio, observando os outros que faziam seus afazeres de acampamento – como montar as barracas e abrir as latas de comida.

– Bruce... – Kat se aproxima de nós, me entregando uma lata aberta de sopa.

– Oi. – ele responde.

– Tenho que limpar seus curativos. – ela pede e ele se levanta, indo até ela. – Foi incrível o que fez, Dylan. De verdade. Salvou muitos de nós atraindo a atenção para você.

– Sério?

– É. Quando Hany e eu não tínhamos mais saídas eles ouviram os estalos perto do caminhão tanque que você explodiu e foram atrás. Se não fosse por isso, estaríamos mortas também. Obrigada. – ela explica e eu concordo com a cabeça.

Eles, então, se afastam e eu fico ali sentado, observando os comportamentos de cada um, até Amélia se aproximar de mim e se sentar do meu lado. Ela estava toda suja, mas parecia bem.

– Foi culpa minha. – ela diz e eu a encaro por alguns segundos.

– Você não teve culpa. Ficou assustada.

– É, mas se eu não fosse uma criança idiota, nada disso teria acontecido.

– Não é uma criança idiota, é muito inteligente e querida por todos nós. – abraço ela. – Ninguém deveria ver alguém morrer como você viu o Mattew.

– Mas todos viram, e só eu chorei.

– Não estava preparada, Amélia. E está tudo bem... estamos juntos agora. – passo a mão pelo cabelo dela, enquanto falo.

– Mas o Harry perdeu o Spencer. E perdemos a Suzana...

– Eles se sacrificaram por escolha própria. E vamos honrar a memória deles. Me entendeu?

– Como?

– Aprende a tocar gaita. – digo a ela, e ela me observa.

– Por que o Spencer gostava de tocar?

– Isso aí. E aprende a fazer costuras e trocar bandagens, como a Suzana fazia. Aprende com a Kat, para ajudá-la. Passa adiante os ensinamentos deles, porque quando a gente fala de alguém, a gente não deixa a memória da pessoa morrer. – beijo a testa dela, que apoia a cabeça no meu ombro. Tinha sido um dia longo.

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