Relaxe Comigo Um Pouco

Visão de Bruce

Jean já tinha salvado minha vida mais vezes do que eu poderia contar, e eu não estou negando a importância dele na minha vida. Mas não é por isso que eu confiaria cegamente nele. Ao contrário de mim, eu sei que, se for preciso, ele sacrifica todos que aqui estão por ele mesmo. todas as vezes que ele me salvou, aconteceu porque foi fácil pra ele, mas sim, ele já deixou outras pessoas para trás simplesmente por não querer se arriscar. Acho que a última vez que ele fez – e não deu um resultado muito positivo – ele acabou matando a Claire.

É tudo o achismo muito grande meu, mas sabendo do histórico de Jean com essas questões relacionadas a outras pessoas, eu não duvido. Ele deve ter errado em algum plano, como eu mesmo já errei diversas vezes – e acabou custando a vida de pessoas importantes pra mim –, e isso acabou afetando a mulher dele de alguma forma.

No geral, quando eu estou viajando nos meus pensamentos, é isso que eu fico pensando: Dylan já provou diversas vezes que faria coisas estúpidas para salvar Amélia, mas e Jean? Ele queria que a Claire abortasse a própria filha, quando Claire falou da gravidez. E olha, não julgo, de verdade, as mulheres que tomam esta decisão para si, mas espero que entendam que quando o marido ou namorado fica em cima, fazendo pressão, contra a vontade da parceira, aí sim eu acho uma puta sacanagem.

– Tá pensando em que? – Dylan se aproxima de mim, enquanto observo Jean, que conversava com Solange.

Eles estavam relativamente conversando como até se conhecessem. Eu não sabia exatamente se podia confiar na minha intuição, mas alguma coisa estava acontecendo. Talvez, claro, um excesso claro de paranoia, claro.

– Não sei. Acho que é esse meu jeito de ter uma intuição desconfiada de tudo o tempo inteiro atacando mais uma vez. – respondo, enquanto ele passa a mão pela minha nuca e sobe pelo meu cabelo. Eu, então me viro para ele e o olho, tentando formular um olhar mais positivo para Dylan, que sorri.

– Aposto que isso já salvou sua vida demais.

– Sim, mais do que qualquer pessoa. – digo a ele com um olhar positivo, mas logo percebo o que eu tinha acabado de dizer, me perdendo nos pensamentos que vieram e, consequentemente, ficando mais sério do que estava antes.

Aí está a questão: minha intuição nunca erra. Sempre que eu pensava que algo daria errado por um mínimo detalhe e eu mesmo não me ouvia, as coisas realmente davam errado. Uma das perguntas que eu mais me fazia a mim mesmo era "por que eu não te escutei?".

– O que foi? – Dylan me pergunta e eu nego com a cabeça.

– Nada. – respondo.

– Vem aqui, quero te mostrar uma coisa. – ele me puxa e eu saio andando, ainda observando Jean, que percebe que eu o encarava e me lança um movimento curto e discreto com a cabeça. Não respondo de volta, apenas sigo com Dylan no meio daquelas prateleiras.

– Que lugar é esse? – pergunto, assim que entramos em uma ala mais afastada do mercado.

No chão tinha um colchão de ar cheio e com toda roupa de cama que uma cama comum tem. Ao lado do colchão de ar ele tinha colocado uma bandeja com algumas comidas e no chão ele tinha colocado algumas bebidas. Dylan ainda gastou tempo da vida dele para colocar umas velas espalhadas pelo lugar, daquelas velas de led e depois de passar os olhos por tudo que ele tinha criado, eu o observei.

– É uma parte de artigos de festa. Achei que iria gostar da surpresa.

– E você montou tudo isso pra mim?

– É, procurei coisas que não tinham vencido, e fiz essas comidinhas, aí peguei e achei essa garrafa de gin, também aproveitei pra colocar essa música, não sei se gosta, mas tinha visto você mexendo com esses CD's e chutei um, mas se você não gostar... – puxo Dylan pra mim, beijando-o.

Ele vai dando passinhos curtos para trás, até que, enquanto nos beijávamos, a gente começa a se inclinar para deitar no colchão de ar que ele tinha enchido. Ao nos deitarmos, eu fico por cima dele, enquanto nos beijamos sem parar.

Ninguém nunca tinha tido tanto trabalho para fazer algo pra mim além do churrasco que meu pai fazia, quando eu avisava que ia visitá-los. Pra mim tudo era muito novo, principalmente naquele cenário social péssimo em que estávamos inseridos, afinal eu nunca imaginei que alguém pararia um tempo de sua vida para preparar um "jantar romântico" pra mim.

Às vezes eu até imaginava como teria sido se eu tivesse encontrando com Dylan em um cenário menos catastrófico. Fico imaginando como seria viajar com ele para Miami Beach para conhecer as praias enquanto observávamos o pôr-do-sol ou algo bem mais clichê de namorados. E olha, talvez eu não queira admitir o quanto me dói pensar nisso... mas dói. Saber que eu posso perdê-lo a qualquer momento é uma questão que é bem difícil pra eu lidar.

Quando o beijo para eu fico observando o rosto de Dylan por alguns segundos. Passo meus dedos por sua pele, enquanto, com meus olhos, acompanho o percurso que eles faziam por ele. Ao encaixar minha mão na maçã do rosto de Dylan, vi que ele apoiou sua cabeça nela, com isso, eu deixo o meu dedão passar pelos seus lábios, começando pelo superior e descendo até o inferior.

– Você quer mesmo que eu fique perdidamente apaixonado por você, não é? – pergunto e ele ri um pouco, me puxando pra mais perto.

– Quero, porque eu já estou meio incurável. – ele responde e eu sorrio, observando todo o rosto de Dylan.

Ficamos ali juntos o resto da noite. Eu já tinha conversado com ele sobre não querer que ele se sentisse pressionado por mim para qualquer coisa. Sentia que ele tinha uma preocupação grande em ser como as pessoas que ele imaginava que eu já tinha conhecido, mas é aí que está: eu gosto do Dylan, porque ele não é como nenhuma delas.

Ele é engraçado, mas sabe que tem que ter limites para que pudéssemos conviver, ele não se acha superior a ninguém que estava ali e mais que isso: eu consigo perceber que ele realmente se importa com as pessoas – enquanto a maioria das pessoas que eu conheci, achava uma fraqueza se importar com outras pessoas.

Dylan é carismático por ele mesmo, tenta ser justo e atencioso com todos que estavam ali, no nosso grupo – mesmo que ele não percebesse isso. Eu tinha o observado demais para perceber que ele realmente gasta um tempo para tentar surpreender as pessoas. No mercado, quando chegamos, por exemplo, a primeira coisa que ele fez foi pegar alguns ursinhos e dar um para cada uma das crianças, como se fosse uma surpresa imensa, fazendo-as rir.

Confesso que eu não sou o auge da simpatia e sensibilidade, principalmente com Solange e Sahil, mas eu não me orgulho disso. Eu só sou assim, porque eu sempre espero o pior das pessoas, mas também confesso que talvez com Dylan eu não tenha esperado quando o conheci. Depois de Amélia me falar que ele a salvou, eu passei a esperar que ele me surpreendesse positivamente – foi exatamente o que aconteceu.

Naquela noite dormimos juntos, agarrados, deitados no colchão de ar com uma coberta por cima. Eu, pela primeira vez em anos, dormi apenas de cueca, para finalmente me sentir confortável. E eu nunca diria isso em outros cenários, mas: era realmente bom me sentir confortável, mesmo que fora de casa.

Quando acordei, me dei conta de alguns gritos que ecoavam dentro do mercado e acordei Dylan. Peguei a minha bermuda de abacaxi que Amélia tinha me dado um dia antes, a coloquei e fui andando por entre as prateleiras daquele estabelecimento, até onde os outros estavam dormindo. E foi aí que eu vi dois homens.

Um deles segurava Amélia, o outro segurava Sahil. Jean gritava com eles, mandando-os soltar as crianças. Acabei dando a volta neles, indo por trás de onde eles estavam e percebendo que, na frente do mercado, tinham mais uns 5 ou 6 caras, dentro e em cima de caminhonetes. Eu não aguentava mais ter que lidar com ladrões.

Dylan, quando viu aqueles homens, me encarou por alguns segundos e depois de eu sinalizar com a mão, ele foi em direção a saída na lateral do mercado, para atrair a atenção dos caras que estavam lá fora enquanto eu dava um jeito nos que estavam dentro.

Fui andando devagar até uma parte estratégica, próxima dos caras que estavam segurando as crianças, e quando cheguei muito perto, peguei a cabeça de cada um deles e choquei uma contra a outra, desmaiando-os ali. Lá fora, Dylan atirou uma flecha nos caras que tentavam dar cobertura para os de dentro, mas quando eles perceberam o que estava acontecendo, eu vi que um deles tinha mirado sua flecha na cabeça de Amélia. Não deixei, e fiquei na frente dela. Ele acabou me acertando próximo da minha axila. A pontaria dele foi tão precisa que o artefato conseguiu atravessar meu corpo.

Eu, de tanto ódio, fui correndo até ele, pisei no capô do automóvel e pulei em sua direção, arrancando-o de seu lugar e jogando-o de costas no chão, fora da caminhonete. Dei um soco atrás do outro nele, com a flecha ainda cravada na minha carne. Meu ódio foi tanto, que eu, com uma mão, quebrei a parte de trás da flecha e arranquei ela do meu corpo, cravando-a no peito do cara. Ele sangrou pela boca, até parar de respirar, se engasgando com o próprio sangue.

Depois, eu me levantei, pingando sangue, e quando Dylan se aproximou, peguei a besta da mão dele.

– Bruce... – ele começa a falar, mas assim que eu o encaro, com uma cara nada positiva, ele para.

Saio atirando uma flecha na cabeça de cada um dos caras que tinham nos atacado, matando todos que estavam ali. Dylan até tinha tentado não matá-los de primeira – já que ele deu flechada só nas pernas e braços –, e talvez ele tenha até pensado em dar uma chance a eles, mas eu sabia que se nos encontrassem novamente, não nos dariam nem chance de resposta. Quando termino, encosto a besta no peito de Dylan e saio andando, sem referir qualquer palavra a ele.

– Bruce! – Amélia me chama, enquanto eu vou até a minha bolsa. – Bruce...

– O que foi?

– Me deixe arrumar isso. – ela pede, me ajudando a me sentar em uma das cadeiras. – Tá sentindo tontura? Enjoo?

– Não.

– Então ainda não perdeu muito sangue. – ela começa a pegar algumas coisas, abrindo embalagens de panos e algodoes.

Amélia começa a fazer os procedimentos que ela tinha aprendido com as meninas, e enquanto ela fica lá, me remendando, eu aceito uma garrafa de whisky de Jean, e começo a beber.

– Vai demorar muito? – pergunto a ela.

– Não. – ela continua. – Você acha que o Dylan acha sexy esse tanto de cicatriz que tem pelo seu corpo?

– O que? Acha que eu as tenho porque achava prazeroso levar um tiro na perna? – ela sorri.

– Vai saber, você sempre foi o mais estranho da família.

– É?

– É. É por isso que sempre foi a minha pessoa favorita. – ela comenta, olhando brevemente nos meus olhos, enquanto eu bebo mais whisky.

– Suas roupinhas de bebê eram todas cinza e preto, porque eu fiz um estardalhaço, dizendo pra mãe que você ia ser durona. – ela sorri com a minha afirmativa.

– Uso preto até hoje. – responde.

– Acha que eu sou uma má pessoa, Amélia? – ela me olha brevemente mais uma vez. – Tipo, por mais que talvez seja dolorido pra você admitir, você acha que eu sou?

– Bruce, não vou dizer que você é a pessoa mais gentil e simpática do mundo, porque não é. Mas você é fiel, você tenta se policiar para ser sensato e incrivelmente inteligente o tempo inteiro. A questão é que você erra, porque é humano, todo mundo aqui é.

– Você me viu matar um cara com as mãos agora. O que achou? Tem medo de mim agora?

– Esse era seu temor? Que eu tivesse medo de você porque você matou uns caras que iam nos matar se não tivesse feito? Bruce, você salvou a vida de todos nós com o Dylan, enquanto o Jean só ficou olhando, é dele que eu fico com medo. – olho para ela, que já estava terminando. – Você não é isso tudo de ruim que se cobra e acredita que é... apenas fez o que estava no seu alcance para me salvar e eu sou eternamente grata.

– Quer que a gente pegue coisas daqui para comemorarmos seu aniversário? – ela sorri.

– Não, irmão. Acho que não tem muito o que comemorar.

– Quer o que de presente? Pelo menos isso deixa eu te dar... – ela me olha nos olhos por alguns segundos, com uma cara que eu já conhecia. – Amélia, por favor...

– Bruce, deixa, vai... são 11 anos, eu mereço. – ela se afasta e eu observo o curativo que ela tinha feito, pensando.

– Você tá bem? – Dylan se aproxima, me dando um beijo na bochecha e eu concordo com a cabeça.

– Estou. Foi só um excesso de raiva.

– Eu sei. – ele responde.

– Dylan, amanhã é aniversario da Amélia, e... – começo a falar, mas ele se surpreende e se anima.

– É sério? Que incrível. – ele abraça ela.

– Ela quer raspar a lateral da cabeça. Você faria isso por mim?

– Você é melhor com ma... – ele olha pro meu curativo. – Claro. Então vamos ficar mais um dia aqui?

– Não, a gente vai pro outro mercado, ali na frente. Esse aqui tem gente morta dentro, vai chamar atenção, além de começar a feder daqui a pouco. – explico.

– Da próxima vez, não dá um chute pra quebrar a porta, assim a gente arromba sem chamar atenção. – ele pede e eu concordo com a cabeça.

– Tá, tanto faz. – me levanto, mas sinto a minha pressão cair.

– Bruce? – Dylan se apoia em mim, me segundo.

– Bruce? – Amélia me chama, mas minha visão começa a ficar turva, e eu perco totalmente mus sentidos.

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