Aprendizagem e Evolução (Penúltimo Capítulo)
4 anos antes
– Você é ótimo em julgar as pessoas, não é? por que não cresce, Dylan? – Cecil me pergunta, enquanto eu estava sentado no meu computador, e eu me viro pra ela, girando na cadeira.
– Por que o seu namoradinho é um bosta? – rebato, sorrindo em seguida.
– Você é insuportável, moleque. Ele não tem fez nada. Nada, Dylan. É ciúme?
– De você? Jamais. – debocho dela, que fica claramente chateada, mas não é como se eu me importasse naquele momento.
– Você humilhou o Myles na frente da escola toda. E pra quê?
– Ninguém podia saber que ele tem uma mãe drogada? Desculpa, não sabia. – debocho ainda mais e vejo os olhos de Cecil se enchendo de lágrimas.
– Eu espero de verdade que você se torne uma pessoa menos detestável antes de morrer, Dylan. – ela dá as costas, indo até a porta para sair do meu quarto.
– E eu espero que você ache alguém melhor do que ele pra você, Cecil. – rebato e ela para de andar, me olhando brevemente.
– O Myles é uma boa pessoa.
– Tá bom. – debocho ainda mais.
– Diferente de você. Seu humor ácido não vai cobrir o fato de você ser um ser humano péssimo sempre, Dylan. Ou você muda por bem, ou a vida te ensina a parar de julgar as atitudes das pessoas. Nem todo mundo quer cantar a 7 ventos coisas pessoais, aprende a respeitar o tempo e as pessoas com suas próprias questões. – Cecil diz, saindo do meu quarto em seguida.
E ela estava certa. A pessoa que eu era há anos desapareceu quase que por completo no tempo que veio depois, mas antes disso, naquele mesmo dia, Myles apareceu no meu quarto. Ele estava com uma roupa de frio, e entrou pela minha janela – trazendo com ele uma das conversas que mais mexeu comigo.
– O que foi? – pergunto a ele, que dá de ombros, se encostando na janela do meu quarto e olhando ao redor.
– Pra que aquilo? – ele pergunta, ainda sem me olhar.
– Não sabia que era segredo. – forço essa desculpa esfarrapada e ele sorri, não acreditando, claro.
– Sabia sim. Eu não conto pras pessoas que a minha mãe, ex atriz de Hollywood, é uma drogada, Dylan, porque ela me pediu e não porque tenho vergonha de ser filho dela. Contei a você e a sua irmã, porque eu esperei que não houvesse perseguição ou julgamento. – ele explica, me olhando com aquele olhar afiado dele. – Ela sustentou meu irmão e eu, e é difícil pra ela, porque ela escolheu ter o filho fruto de um estupro enquanto ela ainda era atriz, ao invés de abortar. Essas lembranças perseguem uma pessoa pra sempre e você acha que eu gosto disso? Acha que eu quero que as pessoas saibam que a minha mãe usa heroína pra conseguir olhar na minha cara e me chamar de filho?
– Myles... – me levanto, dando dois passos em direção a ele, mas antes que eu diga algo, ele continua.
– Eu tento sempre arrancar as coisas boas da vida, Dylan, porque eu já tive coisas ruins demais dentro de casa. Sou simpático e respeito todas as pessoas, porque a eu sei a destruição que palavras e atitudes maldosas causam. E eu espero que você cresça e evolua como ser humano, a ponto de entender que eu não mereço pagar por nada, porque não sou eu que faço bullying com você. E é até engraçado ser vítima de um ataque seu, porque a realidade é bem contrária a isso. – ele continua falando, mas é claro que eu não tenho coragem de perguntar o motivo daquele comentário. – Um dia, Dylan, você vai conhecer uma pessoa que fará você evoluir tanto que sentirá vergonha de quem é hoje e eu espero que essa pessoa não te faça sofrer, porque embora eu saiba que, aparentemente, você merece, eu não costumo desejar nada de ruim pra ninguém, ou fazer.
– Foi uma escolha equivocada da minha parte, e eu peço... – começo a falar, mas mais uma vez ele me interrompe.
– Guarda essas desculpas pra quando você realmente entender o que fez e o quanto me machucou expondo pra todo mundo que a minha mãe tem problemas sérios. Espero que as risadas que agora eu recebo, façam com que você se sinta o cara incrível que você não é, porque diminuir os outros não te faz melhor. – ele dá as costas, saindo pela janela, e meus olhos se enchem de lágrimas vendo Myles ir embora.
Eu nunca esqueci essa conversa, e aposto que quem eu sou hoje veio de muitas coisas e conversas que me moldaram completamente. Acredito que é uma questão de tempo até a gente entender que cada pessoa tem sua história, seu limite e tudo isso merece respeito.
Quando Myles saiu, eu chorei silenciosamente por horas. Me sentia a pior pessoa do mundo pelo o que tinha feito – não vou contar com detalhes, porque hoje eu me envergonho, mas acredito que vocês entenderam – e o que importa é que isso me fez começar um processo de crescimento imenso. A ponto de curiosidade, todo esse meu problema com o Myles aconteceu alguns meses antes do último dia que eu o vi, e de lá pra cá, conhecendo quem ele era, eu nunca me esqueci desse episódio, porque sem dúvida foi o dia que eu mais fui injusto com uma pessoa.
Hoje
Depois do que aconteceu, Bruce parecia mais aéreo. Ele não tinha respondido nenhuma das perguntas que tínhamos feito a ele, e a cada momento ele parecia estar mais distante de mim. Isso me incomodava, me deixava preocupado. Eu sabia que o que tinha acontecido, provavelmente, não era um episódio isolado e queria entender melhor – mas eu sabia que ele tinha muito medo de receber algum julgamento vindo de mim ou de Amélia.
Nosso percurso inteiro até o Texas foi cheio de muito silêncio, completamente diferente de como tinha sido quando chegamos ao Mississipi. Todos os passos eram cautelosos e quando parávamos para comer, cada um cuidava da própria comida, sem dizer nada, até que Amélia finalmente quebrou o silêncio:
– Você acha que alguém tem medo de você aqui?
– Deveriam. Se eu sou o paciente 0 e estou lidando com o vírus a minha vida toda, o que fez ele, inclusive, ser vital pra minha sobrevivência... quer dizer que eu posso ser o líder dessas coisas. – Bruce responde, comendo mais um pouco.
– E daí? – ele encara ela. – Se você tem o vírus em você, o que eu já acreditava que poderia ser real, só não sabia como, ele tá fazendo você viver. E você não tá infectando ninguém aqui, Bruce, você já beijou o Dylan várias vezes e nada aconteceu. – ela conclui e ele me encara por alguns segundos. Eu, então, o olho também, voltando a observar minha latinha de comida em seguida.
O silêncio, novamente, se instaurou ali. Ficamos sem nos olharmos, como se todo mundo estivesse digerindo os últimos acontecimentos – e essa micro conversa. O problema é que a minha cabeça não parava, e por causa disso eu disse:
– Posso perguntar uma coisa? – pergunto e todos me encaram, concordando com a cabeça. – Aquela vez que você abraçou a Amélia ao invés de correr, quando todos os zumbis estavam vindo na nossa direção, você ficou porque...
– Porque o meu cheiro não os trai. – Bruce começa a sua explicação. – Minha esperança era que eles não a percebessem, porque são cegos. Em último caso, esperava que, se eles me mordessem, não conseguissem alcançá-la. De qualquer forma, eu sabia que correr com ela não seria uma opção viável.
– É por isso que todos em situação de risco iam com você, não é? Você sabia? – Amélia pergunta a ele, que respira fundo.
– Eu sabia que tinha uma relação próxima deles, mas não sabia que eu tinha, de fato, o vírus em mim. Foi a primeira vez que eu fui mordido, e olha... – ele mostra o braço, sem qualquer cicatriz. – Nem a cicatriz ficou. Como isso é possível?
– Bruce, naquela conversa sobre a história do declínio mundial, você disse que eles queriam fazer com que esse vírus ajudasse as pessoas, não é? – Amélia pergunta.
– É.
– Se você é o paciente 0, tem chance de eles terem realmente acreditado que daria certo. Se o vírus foi desenvolvido para que você nunca precisasse ir ao hospital, então ele deu certo em você.
– O que? Você mesma me costurou várias vezes.
– É, mas em questão de menos de 1 semana você já estava curado, fora o episódio da flecha, que demorou mais porque você estava com um buraco no meio do seu intestino. O que me chama a atenção é que com a mordida você se curou em poucas horas. E se, ao ter contato com o vírus novamente, ele te ajude a se curar mais rápido?
– De qualquer forma isso passa, porque eu não sinto a vitalidade que eu senti quando fui mordido.
– Claro que passa, o sangue que é bombeado percorre o corpo todo, ao ser exposto ao vírus, a toxina dele não fica em você pra sempre nas doses altas que teve no momento inicial de encontro. – Amélia explica, enquanto Jonas e eu assistimos.
– Mas então, como ele se curava antes mesmo de ser mordido? – pergunto.
– Não sei. Isso, só quem te conhece por dentro sabe. – Amélia responde, olhando para Bruce.
– Hale. – ele conclui e ela confirma com a cabeça.
– Se já estamos no Texas, tem uma chance boa de ele ter conseguido chegar no acampamento. – Amélia comenta.
– Acha que lá tem outros militares? – Jonas questiona a Bruce.
– Por quê?
– Sei lá, meu tio disse que você incentivou a todos os seus companheiros a irem embora, então tecnicamente falando você tá contra o estado agora. – Jonas responde e Bruce respira fundo, coçando a testa, claramente incomodado com aquele comentário.
– Tecnicamente falando seu pai também era, é por isso que ele não se matou. – Bruce rebate e Jonas parece ficar surpreso. – De qualquer forma, espero só não encontrar o Kyle.
– Quem é Kyle? – pergunto.
– Kyle Lupe é um soldado do meu grupo. Insuportavelmente pra frente que sempre me deu motivos para querer quebrar sua espinha no meio, provocando uma morte dolorosa e muito gostosa de ouvir. – Bruce conta, comendo em seguida.
– Eu o conheço. – digo.
– O que? É claro que não conhece. – Bruce rebate.
– Conheço sim. Quando encontrei a Adele, ela estava no meio de uma discussão com esse cara. Kyle Lupe, 35° soldado? Ou 34°?
– 34°. O 35° sou eu.
– Então vocês entraram juntos. – concluo.
– É, mas ele era mais velho. Sempre tivemos problemas e brigas péssimas. Os meus piores castigos vieram porque eu perdi o controle com ele. Passei, então, a levar tudo que saia daquela boca com ironia e levar Kyle como o meu teste de paciência diário, porque se eu vacilasse ele conseguiria provar para os meus superiores que eu não servia para o trabalho.
– Pois é, saiba que ele está vivo e indo para o Texas. – digo a Bruce, que fica claramente contrariado.
– Que merda. Vocês têm certeza de que querem ir pra lá?
– Bruce, pra onde mais iríamos? – Amélia pergunta, com uma cara de "tá maluco?".
– Não sei. Talvez caçar bandidos, o que acha? – ele pergunta de volta, sorrindo em seguida, como se tentasse convencê-la.
– É... – Jonas chama a nossa atenção para ele.
– O que foi? – Bruce questiona ele, que dá de ombros.
– Eu queria ver se a minha mãe tá bem. – Jonas comenta.
– Tá melhor que eu, que fui mordido por causa da sua autoestima elevadíssima. – Bruce rebate, claramente sem paciência para o garoto.
– Bruce, isso já passou. – Amélia defende Jonas e o olhar afiado de Bruce observa Amélia, que rapidamente se arrepende de ter dito o que disse.
– Não, não passou. Passou pra vocês, porque eu não tô na porra de uma cama tomando no meu rabo pela decisão que os dois gatinhos tomaram. Inconsequência leva a morte e leva a morte de quem a gente gosta. Espero que tenham apendido isso. Se quer mesmo ser líder, Jonas, saiba do peso que é tomar decisões erradas que afetam diretamente outras pessoas e aprenda que vendo por esse lado, ser "líder" ser "a pessoa que toma decisões difíceis" não é status. Não tem coragem que valha a segurança do seu grupo. E eu demorei muito pra aprender isso, mas aproveita, porque tô te ensinando de graça agora. – Bruce responde.
– Me desculpa. – Jonas pede, em baixíssimo tom e de cabeça baixa também. Era clara a vergonha dele sobre aquela situação.
– Desculpo. Desculpo, porque ainda posso desculpar, afinal, estou vivo. Imagina só se eu não estivesse... – Bruce se levanta, distanciando-se de todos.
– Acho bom você ir conversar com ele. Seu irmão precisa de você. – digo a Amélia, que concorda com a cabeça e se levanta, indo até ele.
Eu fico ali, com Jonas, que olhava para o chão, em silêncio. Não demorou muito tempo até que eu visse lágrimas caindo no chão. Ele chorava em silêncio, sem fazer qualquer tipo de barulho e naquele momento eu senti o meu peito apertar. Eu sabia que esses últimos dias tinham sido extremos para todos. Tudo o que aconteceu desestabilizou completamente o grupo e isso era perceptível pelo olhar de cada um ali.
– Eu não queria machucar ninguém. – Jonas comenta e eu o encaro por alguns segundos.
– Ele tá vivendo coisa demais, uma atrás da outra. Dá um tempo pra ele...
– Mas ele vai me odiar pra sempre.
– Não vai. – Jonas me observa, com aqueles olhos vermelhos. – O Bruce é um cara estressado, mas muito gentil e atencioso.
– É o que a Amélia fala.
– É porque é verdade. – ele continua me observando. – Ele acabou de descobrir que possivelmente é uma daquelas coisas, no caso, uma que deu certo. Então acalma esse coração, Jonas, você tem 13 anos e todo mundo erra, a vida é uma escola eterna. Com 13 anos a gente não tem muita consciência do que fazemos.
– Mas eu poderia ter matado alguém. – ele rebate e eu concordo com a cabeça.
– É, mas não deixa de ser um erro. As consequências poderiam ser mais intensas sim, mas isso não anula o fato de você ser uma criança com atitudes de criança. O mundo te forçar a crescer, não faz com que você seja perfeito. – ele acena positivamente com a cabeça, ainda cabisbaixo e eu olho para trás.
Bruce abraçava Amélia, e ela o abraçava. Eu acreditava firmemente que aquelas situações desagradáveis deixariam de acontecer quando chegássemos no acampamento. Esperava que Amélia pudesse voltar a se divertir como gostava e que Jonas reencontrasse Hale – que era a maior inspiração de vida dele. Queria que as coisas dessem totalmente certo, pelo menos uma vez e que eu pudesse levar uma vida pacata com Bruce, mesmo sabendo que ele provavelmente procuraria uma função bem perigosa para exercer.
Eu de certa forma, já estava cansado da destruição que via todos os dias. Pra ser bem sincero, eu tinha me cansado da destruição um dia depois de perceber que o carinho que eu sentia por Bruce era recíproco. Queria poder me teletransportar para uma realidade que eu pudesse dormir todos os dias sem acordar assustado com medo de ser atacado – o que, infelizmente, não era possível.
Naquela manhã a gente descansou e em seguida voltamos a nossa rotina. Ao acordarmos, comemos e andamos por horas, até anoitecer. De noite, continuávamos a nossa rota e depois, de manhã, comemos e dormimos um pouco. A cada cidade que passávamos, a ansiedade pelo o que encontraríamos no acampamento ficava maior e eu conseguia ver o semblante de Bruce voltando ao que era, antes de toda aquela confusão.
– Você não tem mesmo medo de mim? – ele me pergunta, assim que entramos em um campo aberto.
– Por que teria?
– Não sei. Eu achei que fosse me julgar por não ter dito nada que eu sabia a você, mas eu não disse, porque eu tinha medo, Dylan. Tinha medo que os olhares de julgamento, a sensação de medo que as pessoas tinham perto de mim, tudo voltasse.
– Depois de muito tempo, eu entendi que as pessoas têm seu tempo para digerir e expor informações sobre si, Bruce. E mesmo se não quisesse me contar nunca, eu não julgaria você. – respondo.
– Nem parece o cara que me encheu de perguntas desde que eu conheci. – ele diz e eu sorrio.
– Mas o que você não quis contar você não contou. E eu não posso obrigá-lo a falar tudo o eu quero saber, embora eu seja muito curioso e caso queira me contar, nada sai da minha boca.
– Você nem tem ninguém pra espalhar a fofoca.
– O que? Eu tenho várias personalidades que gostariam de ficar debatendo coisas da sua vida, meu amor. – respondo e ele sorri. – Apenas saiba que eu continuo te amando. – vejo que ele me observou por alguns segundos, mas logo voltou a prestar atenção no trajeto.
Ao chegarmos em Dallas, no Texas, percebemos que a cidade também estava cheia de zumbis. Nós, então, paramos diante da entrada dela – vendo todas aquelas coisas aglomeradas em grupos imensos – e nos olhamos.
– Vamos dar a volta. – Bruce diz e todo mundo o segue, sem dizer nada. Mesmo que ele, aparentemente, pudesse "controlar" essas coisas, acredito que ele tentaria fazer isso sozinho e quando estivesse preparado.
Depois de tantos erros sobre forçar as pessoas, ou tirá-las da zona de conforto com assuntos sérios – como se eu tivesse esse direito – resolvi não contestar a decisão dele – assim como todos do grupo. Se Bruce disse para darmos a volta, nós daríamos a volta.
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