Capítulo XXI ⌛
O consultório era até pequeno para uma sala de espera tão grande. Talvez uns dez metros quadrados divididos em um pequeno escritório com mesa, cadeiras e uma estante com arquivos e livros e, do outro lado, a parte técnica.
Sentada do outro lado da mesa estava uma mulher por volta dos trinta e cinco anos. Pele negra, box braids no cabelo, grande parte dele presa em um coque no topo da cabeça. Seus olhos eram gentis e o sorriso acolhedor, fazendo um pouco do nervosismo no meu estômago ir embora.
– Olá, srt. Irvine. Como vai? – ela falou, ficando de pé e me oferecendo a mão. – Eu sou a dra. Johannes.
Soltei a mão de Josh, limpando o suor disfarçadamente na perna da minha calça antes de apertar a dela.
– Pode me chamar de Cielo. – o tom na minha voz indicava ser um pedido.
– Cielo, então. – ela sorriu e então passou para Josh.
– Eu sou o Josh. O p... Namorado.
– Prazer em conhecer vocês. Sentem, por favor.
Nos acomodamos enquanto ela puxava uma folha de uma pilha. Posou a ponta da caneta ali e me olhou. – Já fez algum teste de gravidez?
– Sim, o de farmácia.
– E deu positivo.
– Sim.
– A listrinha estava bem visível?
Remexi no meu cérebro, mas era como tentar lembrar de um sonho.
– Eu não lembro. – confessei.
– Estava. – Josh respondeu, com segurança.
– E o Beta HCG também deu positivo. – ela falou, olhando para a tela do seu notebook. Não sabia quais informações minhas estavam ali. – Primeira gravidez?
– Sim.
Josh voltou a pegar minha mão e a apertou. O nervosismo crescia outra vez em mim, minha nuca estava molhada por baixo do cabelo.
A dra. Johannes escreveu alguma coisa na folha, a mão se movia com elegância.
– Certo. Quais foram os seus sintomas?
– E-eu... – gaguejei, meus pensamentos ainda embaralhados. Só conseguia pensar nos vômitos. – Tenho sentido bastante náuseas e... – olhei para Josh pedindo ajuda.
– O humor dela estava um tanto... Sensível.
A obstetra sorriu.
– Isso é bastante comum. Algo mais?
– Sinto meus seios mais pesados. E fome... Mas pode ter sido por todos os vômitos.
Ela balançou a cabeça.
– Sim, por isso é importante se manter hidratada. E sobre sua menstruação?
– Atrasada. Bastante.
Ela deixou a folha de lado.
– Tudo indica que você está realmente grávida, mas vamos precisar realizar um ultrassom transvaginal para termos cem por cento de certa. Aproveitamos e checamos se está tudo como é esperado.
– Não vai ser necessário. – soltei as palavras apressadamente e engoli em seco.
Apertei a mão de Josh, sentindo minha palma molhada na nele. Meu coração parecia ecoar na sala inteira.
A obstetra esperou, mas não consegui continuar.
– Nós decidimos não seguir com a gravidez. – Josh falou. Eu olhei para ele, surpresa por ter usado o “nós”. Ele não estava me deixando sozinha na decisão, pelo menos não para a médica.
A dra. Johannes manteve a mesma expressão de antes, profissional, apenas pegou a folha de volta e escreveu mais alguma coisa enquanto falava.
– Nesse caso teremos algumas alterações, mas a ultrassonografia ainda será necessária.
– Será?
Eu teria que ver o bebê? Ouvir o coração e tudo mais? Era algum tipo de castigo para mulheres que abortavam terem que lembrar disso para sempre?
– Precisamos saber se está tudo bem para o procedimento.
Olhei para Josh, os olhos querendo saltar da minha cara. Eu não poderia passar por aquilo, não iria conseguir. Pensei que só deitaria em uma maca, me colocariam para dormir e pronto. Quando eu acordasse seria só eu outra vez.
– Ei, tudo bem. – ele usou a mão livre para tocar meu rosto. Seus dedos estavam gelados, denunciando seu nervosismo também.
A dra. Johannes levantou e deu a volta na mesa, puxando um biombo para a frente.
– Você pode tirar a parte de baixo da sua roupa aqui atrás.
Continuei congelada no lugar por um momento, então obriguei minhas pernas a trabalharem. Levantei e fui para detrás do biombo. Havia uma prateleira baixa com algumas daquelas roupas de hospital dobradas organizadamente. Tirei minha calça e calcinha, deixando ali em cima, e peguei uma das roupas. Como a obstetra não havia falado nada sobre minha blusa, vesti por cima. Consegui dar o nó nas minhas costas e segurei a parte aberta para cobrir minha bunda. Aquela roupa era humilhante.
Josh me lançou um olhar quando apareci. Ele estava sentado ao lado da maca, a dra. Johannes também já posicionada. Havia aquela sensação de irrealidade. Eu estava realmente ali prestes a fazer um ultrassom? Fui até a maca e deitei.
– Fique em posição ginecológica, por favor. – pediu a obstetra, mexendo na mesinha com instrumentos ao seu lado.
Eu a vi segurar um objeto longo e fino, parecido a um tubo, mas sem orifício na ponta. Óbvio, transvaginal, pensei. Aquilo seria enfiado em mim. A médica colocou um preservativo e lubrificante no aparelho e se aproximou. Levantei os joelhos e separei as pernas, escolhendo olhar para o teto e não para Josh. Deveria ter insistido para que ele ficasse lá fora.
– Vou introduzir agora. – a dra. Johannes informou e eu me senti preencher pelo tubo.
Fiz uma careta, era desconfortável.
Alguns minutos passaram com todos em silêncio.
– Certo, estou vendo. – a dra. Johannes falou.
Mantive meus olhos grudados no teto, minha cabeça parecia flutuar e um nó surgiu na minha garganta. Eu não queria estar ali, não queria que aquela jovem mulher falasse sobre quem estava dentro de mim. Tornava tudo real demais para suportar. Mas ela continuou, sem notar minha angústia, ou talvez sim, mas se mantinha em seu papel profissional.
– É uma gravidez tópica, significa que o feto está onde deveria estar. E é um apenas.
Eu não havia pensado na possibilidade de ser mais de um, então aquela notícia me deixou aliviada.
– Vamos descobrir de quantas semanas você está.
Arrisquei um olhar para Josh e me arrependi. Ele olhava para o monitor fixamente. O que ele estava vendo? Dava pra ver o bebê? Ele já tinha forma de bebê? Trinquei os dentes e fechei os olhos, desejando que acabasse logo.
– Quando foi sua última menstruação?
Se concentrar naquela pergunta foi mais difícil do que organizar uma planilha de riscos. Minha menstruação sempre descia no dia 14 do mês. Fiz uma rápida retrospectiva.
– 14 de março.
Outro pequeno silêncio.
– Você está quase na oitava semana.
Oito semanas. Ele estava dentro de mim há oito semanas. Sabia sobre ele há alguns dias e já estava ficando louca.
O procedimento durou mais alguns minutos, mas eu pouco absorvi. Balbuciei algumas respostas, Josh se manteve quieto o tempo todo, não voltei a olhar para ele. A fascinação que encontrei em seu rosto naquele pequeno segundo foi o suficiente para eu saber que seria atormentada por aquele olhar pelo resto da vida.
A dra. Johannes retirou o tubo e me entregou uma caixinha de lenços para que me limpasse, enquanto ela voltava para sua mesa. Josh se inclinou sobre mim e buscou meu olhar, mas me concentrei em levantar. Não queria ver seu rosto, temendo ainda haver resquícios da fascinação ali.
Voltei para o biombo e me inclinei na prateleira, aproveitando aquela privacidade para me controlar. Respirei fundo algumas vezes e repetir que estava tudo bem. Me sentia fria, como se estivesse com febre. Coloquei minhas roupas, deixei a do hospital em um cesto que encontrei por ali, tentei colocar uma expressão neutra no meu rosto e saí.
– Certo, Cielo, precisamos conversar sobre o procedimento para a interrupção da sua gravidez. – a médica falou quando sentei.
Concordei com um aceno de cabeça.
– Antes de qualquer coisa, você vai precisar passar por um psicólogo. Todos queremos que você tenha certeza sobre o que vai fazer e quais consequências pode chegar a enfrentar.
Uma consulta psicológica, algo mais que não havia pensado.
– Tudo bem. – respondi.
– Há dois métodos para a realização do procedimento: com o uso de medicação, que será realizado em casa mesmo, ou por uma aspiração intrauterina aqui no hospital. Caso escolha a medicação, será utilizado o Misoprostol. Ele deixa o colo do útero mais fino e provoca contrações, provocando assim a expulsão do feto. Ele pode ser sublingual, ou seja, colocando o comprimido sob a língua por cerca de meia hora ou inserido no canal vaginal, sendo esse último um processo bem mais demorado.
Ela fez uma pausa e eu me perguntei se deveria falar alguma coisa. Estava tentando reter todas as informações.
– Tenho que escolher agora?
– Não, não se preocupe. Vou lhe entregar um folheto com tudo o que estou explicando para você levar para casa. Posso lhe passar alguns sites seguros para pesquisa também. Se informe bem, a sua decisão vai ser passada para o médico antes do procedimento.
– Então não posso fazer hoje?
– Não é recomendado. Você precisa pensar, é algo que implica muitas coisas.
Baixei o olhar para meus dedos, escondendo minha decepção. Queria acabar com tudo de uma vez.
– E sobre o... A outra opção? – perguntei.
– A aspiração intrauterina é uma sucção manual, onde cânulas são inseridas no útero para a sucção. Se usa anestesia local, geralmente, ou apenas medicação para a dor. A recuperação é bem rápida.
– Quais complicações podem ocorrer? – foi Josh quem falou, um tanto tenso. Fiquei feliz que ele tenha perguntado aquilo, meu foco estava todo no fim de tudo, não conseguia pensar nos detalhes.
– Ambos os métodos são totalmente seguros. Sobre o Misoprostol você terá sangramento e cólica, pode sentir náuseas, dor de cabeça e diarreia. O procedimento pode levar até dois dias.
– E é doloroso? – aquilo sim me preocupava bastante, eu não era tão resistente à dor.
– É bastante desagradável, as cólicas são fortes como as menstruais, e persistem por um tempo. O sangramento também, pode levar de nove a quarenta e cinco dias.
– Já com a sucção...
– É um processo que leva mais ou menos uma hora, você será medicada e sairá da clínica andando após algumas poucas horas.
– Entendi.
– Tem alguma dúvida?
Tenho?
– Eu... Não sei.
– É normal se sentir desorientada em uma situação como essa, por isso se recomenda o psicólogo e alguns dias para refletir. – ela falou enquanto escrevia algo em um pequeno bloco de notas. Destacou a folha e me entregou. – Aqui está onde você pode ter informações seguras. – ela deslizou o tal folheto pela mesa até mim.
– Obrigada.
Saímos do consultório da dra. Johannes e pegamos o elevador. Josh segurou minha mão o tempo todo.
– Como se sente?
– Um pouco confusa, é muita coisa para pensar.
– Vai ficar tudo bem. – ele de inclinou e beijou minha cabeça. O gesto fez meus olhos ficarem borrados e, em um sopro, soltei as lágrimas.
– Desculpa. – chorei, meu peito em solavancos enquanto o abraçava e escondia o rosto em seu peito.
– Ei, Cielo, o que foi?
Eu não sabia, não sabia nem mesmo para quem pedia desculpas. A decisão antes estava clara, rodeada de medo e culpa, mas clara. Agora eu não sabia, entender sobre o procedimento, como tudo seria feito, saber sobre como meu corpo havia se preparado para aquele bebê e, acima de tudo, saber que realmente ele estava ali, que foi visto e estudado tornava tudo tão....
– Me desculpa. – repeti.
Josh fechou seus braços ao meu redor e me embalou enquanto o elevador se movia. Ele não sabia o que dizer, o que me fez sentir pior. Tinha certeza que agora era impossível ele não me odiar por fazer aquilo. Como não odiaria?
O elevador parou e saímos para a recepção. Caminhei tentando controlar as lágrimas até o balcão, onde marquei o psicólogo para o dia seguinte. Josh insistiu em dirigir e parecia assustado durante a viagem, me lançando olhares furtivos.
Em casa, tirei os sapatos na entrada e fui direto para minha cama. Ele me seguiu silenciosamente e ficou parado na porta.
– Cielo. – chamou após um momento. Eu o olhei. – Me diga o que eu tenho que fazer, por favor. – seus olhos estavam com um brilho que denunciava que ele também estava a ponto de chorar.
A culpa se intensificou. Não era justo, quanto mais sofrimento eu iria dar a ele?
– Você não precisa fazer nada. Eu vou ficar bem.
– Você não está bem. É claro.
– Eu só quero descansar um pouco.
Ele passou as mãos no rosto e suspirou.
– Quer comer alguma coisa? Eu posso preparar.
– Não, obrigada. Você tem que ir para a gravadora, perdeu a manhã toda.
– Sam está lá.
– Você pode ir, de verdade.
Ele me estudou por um minuto.
– Tudo bem, mas me ligue se precisar de qualquer coisa.
– Prometo que ligo.
Josh entrou no quarto para me dar um beijo.
– Eu amo você. – falou, com uma ponta da boca erguida.
– Eu também amo você.
Depois que Josh foi embora eu tomei um longo banho, lavei e sequei o cabelo, mais pra me manter ocupada que por necessidade. Desci para fazer um sanduíche de frango e o devorei enquanto olhava pela janela distraidamente. Já era fim de tarde e me perguntei como havia sido o dia na empresa. Liguei para Hanna e ela prometeu me enviar as emergências por e-mail. Depois de comer, peguei o notebook e sentei no sofá para resolver aquilo, que levou um par de horas. O celular tocou quando estava terminando de revisar o contrato dos novos estagiários.
– Oi, amor. – falei pelo viva-voz, continuando a ler.
– Hey, como você está?
– Bem melhor. Trabalhando.
– Deveria ter descansado, Cielo.
– Manter minha cabeça ocupada é melhor.
– Se você diz.
– E a sua tarde?
- Quer saber sobre a Ruby?
Lancei um olhar para o celular.
– Não estava preguntando sobre isso.
Josh riu.
– Certo.
– É sério.
– Ainda não entendi porque você ficou com ciúme daquela garota.
Fiz uma careta.
– Até parece que você não a achou bonita.
– Ela é bonita, mas já fui fisgado.
– Fisgado é? – sorri.
– Sim, por uma pescadora inteligente, empreendedora e sexy.
Precisei rir alto.
– Já jantou? Posso levar sushi. – ele ofereceu.
– Sushi de Josh?
– E você faz bom proveito.
– Proposta tentadora. Venha o mais rápido possível.
– Estou indo pegar minha moto. Te vejo daqui a pouco.
– Ok.
Desliguei o celular e voltei para o contrato. Terminei em cinco minutos e me espreguiçei. Já estava tirando o notebook do colo quando parei, pensando. Peguei a bolsa que estava ao lado e remexi lá dentro até encontrar o papelzinho com a lista de sites que a dra. Johannes me deu.
Fiquei os próximos vinte minutos lendo sobre processos de interrupção de gravidez e suas consequência. No fim, era tudo o que a médica havia explicado. Em um dos sites haviam relatos de mulheres que já haviam passado pelo processo, sobre como se sentiram, tanto física quanto psicologicamente. Terminei a pesquisa me sentindo um pouco mais tranquila.
Um pensamento ficou em minha cabeça de forma bem persistente durante a leitura. Abri o navegador outra vez e digitei “famílias temporárias” na caixa de busca. Li sobre como tudo funcionava e como o governo agia para filtrar as famílias para as quais as crianças eram enviadas. Tudo passava uma segurança absoluta, mas eu sabia que não era verdade, ou Jouleen nunca teria sido aceita como mãe temporária.
Aquele poderia ser o futuro de quem estava dentro de mim, se eu escolhesse levar a gravidez adiante e depois entregá-lo. Talvez ele conseguisse uma família legal, que o está desejando nesse exato momento. Talvez ele conseguisse uma mãe e um pai e nem mesmo chegasse a saber que havia sido adotado... Mas e se não fosse assim? E se ele passasse de lar para lar, como um filhote que ninguém quer? E se fosse maltratado ou abusado de alguma forma? E se passasse a vida toda em um abrigo, sem nunca descobrir o que é a vida de uma criança normal? Não, eu não queria algo assim para ele. Ele havia se metido na minha barriga sem permissão nem cerimônia, mas não seria justo jogá-lo no mundo, podendo contar apenas com a sorte. Não existir era uma opção muito melhor.
Ouvi a moto de Josh chegar e fechei o notebook rapidamente.
Não precisei faltar outra vez na empresa pois havia marcado a consulta para o fim da tarde, foi preciso apenas sair uma hora mais cedo.
O hospital tinha uma área própria para tudo o que envolvesse a mente, tão ampla e sofisticado quanto os outros setores onde estive. O recepcionista era um homem simpático que se ofereceu para me levar até o consultório. Agradeci e disse que não seria necessário, apenas perguntei as direções e peguei o elevador.
Tamborilei os dedos na perna enquanto esperava. Acabei me perguntando se precisaria mostrar algum dos exames que havia feito.
– Merda. – xinguei enquanto abria a bolsa. Não lembrava se havia tirado os papéis dali.
Encontrei algumas folhas dobradas e as peguei. As portas do elevador deslizaram para o lado e eu saí com os olhos nos papéis.
– Opa. – alguém falou quando esbarrei em seu ombro.
Minhas mãos se atrapalharam e acabei derrubando tudo no chão. Meus olhos ainda estavam neles quando ouvi:
– Cielo?
Ergui a cabeça e senti o sangue fugir do meu rosto.
– Charlie.
– Hey, quanto tempo! Olha só pra você! – ele sorria abertamente e me abraçou por um segundo.
Eu me senti congelada, estática, tanto que não o afastei. Lembranças daquela noite na casa da praia relampejaram em minha cabeça.
– Como você está?
– Bem. – meus lábios quase não fizeram som.
Era realmente ele. Estava bronzeado, como se houvesse voltado para a praia muitas vezes naqueles meses que não nos víamos. Cabelo mais longo que o normal, sorriso ainda mais branco, mas seus olhos... Ainda eram os olhos de um predador.
– O que faz aqui? Está tudo bem com você? – ele continuou, seu olhar descia do meu rosto para o meu corpo. Ao perceber aquilo, o sangue voltou a correr por minhas veias, quente.
– Eu estou ótima, obrigada. – tentei me abaixar para recolher os papéis, mas ele segurou meu braço. – Não me toque.
Ele soltou imediatamente.
– Ei, tudo bem, tudo bem. Quando a gente saía você era menos brava. – soltou um risinho.
– Quando a gente saía eu era uma tremenda estúpida.
– Ok, ok. Eu sei que você tem motivos para estar agindo assim.
Apenas o encarei, descrente. Charlie continuou.
– Eu preciso pedir desculpas, por aquela noite. Eu estava bêbado, Cielo, e completamente mexido por encontrar você sem esperar. Você pode não acreditar, mas eu ainda te amo. De verdade. Todas as noites eu me culpo por ter estragado tudo entre a gente, por ter perdido o amor da minha vida. Ver você com aquele cara... Porra, me acertou como um chute no saco. Doeu, Cielo, você não sabe como sofri vendo você com ele. Então eu tentei uma aproximação e... Talvez tenha exagerado, não lembro muito do que aconteceu, eu havia bebido, sinto muito, mas eu só queria que você lembrasse como nós dois funcionamos bem. Pode me perdoar?
Seu rosto era uma máscara de angústia mal fingida. Senti meu estômago se revirar. Lembrei de como sua cara de cachorrinho me convencia facilmente antes, como me manipulava. Agora eu só sentia nojo.
– Eu finjo que você não existe, Charlie, portanto não preciso perdoar nada.
Ele fez uma careta.
– Essa doeu.
– Preciso ir.
– Deixe ao menos eu ajudar você.
Tentei falar que não precisava, mas ele já estava agachado recolhendo os papéis. Suas mãos agitadas pararam sobre uma folha e eu estremeci.
– Que porra é essa? – Charlie perguntou. Reconheci aquela mudança de tom, tão imperceptível que apenas alguém que havia aprendido a temê-la conseguiria ouvir.
– Isso não é da sua conta.
Tentei tirar tudo de suas mãos, mas ele me afastou com um movimento do braço, seus olhos grudados na folha. Agora a expressão em seu rosto era totalmente sincera. Charlie trocou o olhar para mim.
– Que porra diz aqui? – ele estava passando da surpresa para a raiva.
– Me entregue isso. Por favor. – pedi, já não tão confiante.
– Isso aqui é um exame de gravidez! – ele gritou, erguendo o papel.
Dei um passo para trás, olhando ao redor e notando que não havia ninguém, só as portas dos consultórios fechadas.
– Charlie...
– Você engravidou daquele filho da puta! – voltou a gritar, se movendo para cima de mim. – Você tá grávida, porra!
Virei o rosto, pois ele gritou bem na minha cara.
– Isso não é da sua conta! – gritei de volta, empurrando seu peito, fazendo que ele se afastasse.
– É claro que é da minha conta! Eu ainda queria você! A gente ainda ia ficar junto! Mas agora você tem um bastardo aí dentro!
Apertei os dentes com força, olhando-o de frente. Eu o odiava a ponto de querer ser capaz de matá-lo.
– Você é mais estúpido do que pensei, não é? Eu nunca iria voltar para você! Nunca! Você me dá nojo, Charlie, nojo!
Charlie ergueu a mão. Eu vi seu braço se erguer no ar e me virei, me encolhendo e abraçando minha barriga. O bebê.
O golpe não veio. Pareceu levar uma eternidade, enquanto eu apertava os olhos e segurava firme minha cintura, os braços cruzados sobre a barriga, uma proteção inútil. Esperei a pancada, a dor, esperei sentir o chão frio, mas ele apenas tocou meu rosto. Seus dedos apertaram meu maxilar e me obrigaram a olhá-lo nos olhos.
– Você é uma puta. E isso não vai ficar assim. – prometeu.
Quando ele soltou meu rosto, a dor finalmente veio. Onde seus dedos apertaram, latejou com o sangue pulsando. Charlie caminhou de costas, ainda me encarando. Mantive meus olhos nele até que o elevador se fechou. Só então desabei no chão e comecei a chorar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top