Capitulo 16

Cecília de Souza

Não posso ficar nem mais um minuto com você;
Sinto muito, amor, mas não pode ser;
Moro em Jaçanã;
Se eu perder esse trem;
Que sai agora, às onze horas;
Só amanhã de manhã.

— IRRA!

Todos gritamos animados quando a música acaba e eu me sento no banco depois de sambar um pouco. Os domingos na casa de Grazi são os melhores.

— Cici a cerveja acabou!

Grita tio Leci da churrasqueira e já me apresso em ir atrás de mais para servi-lo. Entro na pequena cozinha de Grazi, e a mesma está terminando a salada de maionese, Keila lavando algumas louças sujas e Rosa colocando o arroz em uma travessa.

— Grazi, as latinhas estão em baixo ou no freezer?

Pergunto depois de espiar o pequeno congelador da geladeira e não encontrar as cervejas.

— Tão lá no freezer. — Responde.

Saio do local lotado e volto para fora, o quintal no fundo é bem espaçoso. Grazi mora em uma casa muito boa com três quartos, dois banheiros, sala e cozinha. Nos fundos, fica a área de serviço com um baita espaço para uma churrasqueira que ela mandou fazer, nosso cantinho do lazer.

Não é todo domingo, mas sempre que dá, nos reunimos para um delicioso churrasco ou alguma outra refeição especial e sempre na casa dela por caber todos do bar. Mariana está ajudando Arthur a cortar e arrumar algumas carnes nas travessas enquanto tio Leci coloca mais algumas linguiças apimentadas no espeto, a esposa dele, tia Magda, normalmente não participa.

Pego duas latinhas e logo sirvo os dois homens, a mulherada que estava na cozinha de dentro saem com as mãos ocupadas pelas comidas e eu vou atrás de Juninho que estava esparramado no sofá assistindo filme.

— Vem Juninho, comida pronta!

— Finalmente encher a pança.

O garoto de treze anos, quase idêntico a mãe, diz passando por mim e correndo para fora. Esfomeado que só. Volto para fora vendo que todos já ocuparam seu devido lugar na grande mesa de madeira, me sento entre Juninho e tio Leci.

— Se eu pudesse comeria só esse arroz. — Mariana diz depois de dar uma garfada em sua comida.

— Amiga já te expliquei como eu faço. — Responde Rosa.

— Depois reclama que o vestido não entra. — Keila reclama e me seguro para não revirar os olhos.

— Mas o arroz da Rosa é muito bom, você tem que admitir.

— Todas vocês, tem mãos de fadas para a cozinha meninas, se acalmem.

Tio Leci se pronuncia o que acalma as meninas, me sirvo de tudo um pouco e começo a comer. No prato de Juninho tinha mais carne e arroz do que salada, mas como nós dois somos bem próximos, volte e meia enfio um tomate na boca dele, mesmo com cara feia ele come.

— Eu fico imaginando como a Cecília será mãe, se ela é assim com o Juninho, imagina com os dela. — Arthur solta de repente e me engasgo com a comida, me apressando em engolir para responde-lo.

— Para de pensar besteira guri. — Ralho.

— Mas é verdade, tu si dá muito bem com o menino. — Se explica me olhando.

— Só falta assumir o homem logo.

Dessa vez é Keila que se pronuncia. A mesma me encara um tanto com deboche e não gosto disso.

— Não tem homem nenhum. — Digo seca.

— Não é o que a rádio das fofoqueiras me conta querida. — Tio Leci abre o jogo e bufo.

— Tudo o que elas te contaram, é mentira tio. — Digo com manha.

— Isso é uma pena, gostaria de vê-la com alguém. Desde que não seja esse moleque aqui.

Encaro o senhor de idade mais avançada da mesa com surpresa. Arthur engasga com sua cerveja e Mariana dá um tapa estalado nas costas dele que faz todos rirem com a careta dele.

— Vai mata o menino! — Dispara Grazi.

— Pai, por que acha que eu não seria uma boa pessoa para Cecília?

Nos ignora e foca no pai que come sua carne tranquilamente.

— Você é mulherengo meu filho, não chega aos pés do que ela merece.

— Cecília ignora o que ele diz, sabe que eu seria um bom companheiro.

Permaneço em silencio diante da discussão constrangedora. Não parou por ali, Keila continuou a dizer que tinha sim um cliente jogando asa pra cima de mim, Rosa e Mariana fizeram questão de descrever Luiz detalhadamente para tio Leci, e até mesmo Mateus.

Quando terminei de comer, me levantei e peguei meu prato indo lavar, mas eles não calaram a boca. O assunto mudou para o super carro dele que eu nem sei qual é, depois para as roupas caras que ele usa e eu só queria fugir disso.

— Ei, depois lavamos, vamos lá calar a boca daquelas fofoqueiras.

Grazi tira a bucha da minha mão me assustando.

— Elas não vão parar de falar, nem sei porque a Keila resolveu tocar nesse assunto. — Digo com desgosto.

— Sabe que ela adora jogar alguém na fogueira, você foi a vítima da vez.

— E seria errado eu ficar incomodada com elas falando dele?

Me encosto na pequena mesa de madeira da cozinha e cruzo meus braços a encarando. Grazi se apoia na pia e também cruza os braços.

— Eu diria que está com um pouco de ciúmes dele por elas falarem tanto dele. — Da de ombros me encarando com seriedade.

— Nós estamos mais próximos. — Tomo coragem em contar a ela. — Tipo, depois daquele dia que o chamei para correr, ele foi mais algumas vezes, na quinta-feira passada deixei ele levar Pakita para passear e até trocamos o número de celular.

— Isso é muito coisa em mocinha. — Ergue uma sobrancelha. — Está contente ou confortável com essa aproximação de vocês?

— Na verdade sim, ele é um cara legal e me trata com respeito. Disse até... coisas... românticas... — Relato envergonhada.

— Isso já é outro nível, Cici. As coisas estão ficando mais sérias.

Fico com vontade de cutucar os cantos das minhas unhas com o rumo dessa conversa, mas não posso fazer isso na frente dela. Não tenho nem coragem de admitir em voz alta o quanto penso nele, uma verdadeira tortura.

— Sente algo por ele?

Grazi se desencosta da pia e vem para meu lado, meu coração da uma pulsada brusca com essa pergunta e até puxo o ar com força.

— Na verdade, toda vez que o vejo, é como se meu coração ficasse doido e as vezes, digo coisas constrangedoras de como me sinto perto dele. — Engulo seco.

— E ele já fez algo parecido?

— Já! — Respondo e desvio meu olhar do dela.

— Vocês estão apaixonados Cici, as vezes leva um tempo para aceitarmos isso.

— Você acha?

Mordo meu dedão a encarando com receio.

— Não tenho dúvidas, mas você quer ter algo com ele? — Noto a preocupação em sua voz.

— Na última vez que nos vimos, ele disse que seria uma honra estar apaixonado por mim.

— Isso é muita informação Cici. — Reage exasperada.

Ela encara o teto fazendo algumas caretas e depois me olha.

— Acho que ele tem um pouco de medo, você está ajudando ele com os problemas dele e talvez isso tenha deixado as coisas confusas, meu conselho, é esperar um pouco para ter certeza de seus sentimentos, saber separar o que está acontecendo do que você acha que é.

— Verdade né? Ele está frágil e talvez estejamos misturando as coisas. — Tento parecer firme.

— Mas por outro lado...

— Ah não... — Choramingo escondendo meu rosto com minhas mãos.

— Vocês formariam um belo casal, tirando o fato de que as vezes ele parece o cara mais feliz do mundo e depois o mais depressivo, isso é assustador.

— Eu gosto da conecção que temos, mas já o aconselhei a procurar ajuda médica, essa situação toda está me afetando e se eu ficar fazendo o papel de terapeuta, vai acabar comigo. — Puxo o ar com força para meus pulmões e o soltando com alivio ao poder dizer isso em voz alta.

— Que bom que percebeu isso. Vem, antes que venham escutar nossa conversa.

— Já disse que deveria fazer psicologia? — A olho sugestiva.

— Nem em pesadelo.

...

Eu tinha acabado de subir na pequena escada de metal quando percebi a porta do bar ser aberta e quando olhei, era Mateus entrando. Mas diferente das outras vezes que ele aparecia animado e fazia piadas comigo, hoje ele está... Nervoso, talvez.

Seu olhar não parava em algo ou em mim apesar de ter me notado, a respiração estava acelerada, dava parar ver seu peito subir e descer loucamente, as mãos abrindo e fechando de segundos em segundos.

— Ei loirinho, chegou cedo. — Digo descendo da escada sob o olhar atento de Grazi que nos encara com desconfiança.

— Oi Cecília. — Me cumprimenta um tanto impaciente, como se sentisse dor e sua voz entregasse isso.

— Quer uma água? Está me deixando preocupada.

Fico de frente pra ele e pego uma de suas mãos me assustando em como está gelada e molhada. Seus olhos focam nos meus e minha preocupação só aumenta.

— Mateus, respira fundo. — Tento dizer calmamente para não piorar a situação.

— Ele... ele... não vou conseguir... não vou...

Sua voz sai falha e percebo que ele não consegue normalizar a respiração, olho para Grazi em pedido de socorro e ela vai até o freezer. Saio de trás do balcão em passos rápidos ficando ao lado dele, o puxo pelas mãos e ele já está puxando o ar com força, com o rosto retorcido de dor, toda as angustia à tona.

— Mateus por favor, respira junto comigo.

Aperto as mãos deles e puxo o ar com força, ele faz o mesmo, no entanto não consegue segurar e solta, de repente se debruça para frente, soltando minhas mãos e as colocando sob o peito, seus olhos se enchem de lágrimas e ele choraminga de dor.

— Pega Cecília!

Olho Grazi que me entrega um copo com algumas pedras de gelo e o pego, com um pouco de dificuldade as coloco nas mãos de Mateus e as aperto, seus olhos focam no gelo e pressiono as mãos dele nos gelos, começo a contar o incentivando a puxar o ar com força e soltar devagar. Tentando ajudar ele e me manter calma. Deus como odeio isso.

Com muito custo, ele consegue seguir o ritmo, tenta afrouxar meu aperto de mãos, mas forço a permanecerem fechadas, sei que pode ser um pouco doloroso, mas é uma tática que funciona. Consigo tirar nossas mãos, chegando para o outro lado do peito dele, solto uma das minhas mãos dele e massageio o peito dele, bem em cima do coração.

— Não vou conseguir Cecília... não vou... — Murmura com os olhos úmidos, limpo uma lagrima que escorre e sorrio com carinho entendo a situação.

— Vai sim Mateus, você é um rapaz dedicado e esperto, eu tenho tanto orgulho de ser sua amiga e estarei te apoiando mesmo que de longe, você vai conseguir sim e vai vim compartilhar sua vitória comigo.

Digo com carinho sem saber exatamente do que ele estava falando. Nunca vi Mateus nessa situação, mas sei identificar uma crise de pânico, se não fosse por um ou outro detalhe, eu poderia jurar que ele estava tendo um infarto.

Observo o belo rapaz a minha frente, ainda com o olhar perdido, mas a respiração voltando ao normal. Pela primeira vez, não é o Mateus galanteador de sorriso sedutor, é um menino desolado.

— Quer me contar o que houve? — Pergunto depois de parar de massagear o peito dele e abro suas mãos, vendo que estão avermelhadas por causa do gelo quase todo derretido. Peço uma garrafa de água a Grazi que ainda estava bem atenta a nós e o entrego. Ele a seca de uma vez.

— Me desculpe, não sabia para onde ir. — Solta o ar com força.

— E quanto ao Luiz?

— Ele... não me atendeu... — Diz cabisbaixo.

Tomo coragem e me aproximo para lhe dar um abraço e ele não recusa. Acaricio suas costas e seu cabelo macio. Ele me envolve em seus braços e deita a cabeça em meu ombro.

— Pode vim aqui quantas vezes quiser. — Digo baixinho em seu ouvido.

Depois de um tempinho o solto e dou um beijinho em sua bochecha.

— Se sente melhor? Quer que eu chame um taxi?

— Obrigada Cachinhos, estou de carro.

— Como conseguiu chegar aqui? — Aproveito e mato minha curiosidade.

— Estava na rua resolvendo algumas coisas da formatura, só mais seis meses e me formo.

— Uau, você deve estar feliz, chegar ao final de uma grande missão.

Mordo meus lábios e dou dois pulinhos com tamanha empolgação.

— Não vejo a hora de começar a estudar. — Confidencio a ele.

— Você quer ir para faculdade? — Tomba a cabeça de leve me encarando.

— Pretendo, só não sei qual curso, são muitas opções.

— Faça algo que goste, pelo amor de Deus. — Resmunga e dou risada.

— Seu pai deve estar orgulhoso de você.

O pequeno sorriso que ele tinha nos lábios some e me arrependo pelo o que disse. Eu e minha memória de peixe. Ele olha longe tentando afastar as lágrimas, me apresso em pegar seu rosto nas minhas mãos fazendo ele focar em mim.

— Me escuta bem rapaz que eu vou fala pela segunda vez, você é dedicado, esperto e uma pessoa maravilhosa. Seu pai é um panaca, ele não sabe o filho incrível que tem e eu, Cecília de Souza, quero ver você entrar aqui da próxima vez, com aquela mesma alegria de quando tirou nota máxima naquela prova fodida que você fez. Ou eu puxo suas orelhas.

— Cecília você não existe. — Comprime os lábios com diversão, mas percebo em seu olhar que está um pouco exausto, efeito pós-crise.

— Estou bem na sua frente. — Debocho e ele sorri.

Ele deixa um beijo em minha bochecha e se levanta, passando a mão direita arrumando o cabelo e me encara confiante. Da uma piscadinha e sai do estabelecimento, quando penso em ir atrás dele para falar mais uma coisa, já deu partida em um carro luxuoso e rezo para que ele chegue bem aonde for. Como ele chegou aqui naquele estado? Não sei, mas o anjo de guarda dele é muito forte.

— Eles são gatos pra caramba, mas são dois problemáticos, tô fora. Todos seus Cecília!

Reviro os olhos com a fala de Mariana. Respiro fundo e passo as mãos no meu rosto, voltando a minha função. Ainda sentindo meu coração meio descompassado e minhas mãos trêmulas, encaro todo o salão ao redor, Rosa e Mari arrumando as cadeiras pelo salão, Keila deve estar lá em cima e Grazi mexendo no freezer.

— Grazi, me alcança o pano, por favor. — Peço depois que subo novamente na pequena escada.

A mulher de cabelos vermelhos me estende o pano, mas o segura me encarando com precisão e com a outra mão me dá uma pedra de gelo.

— Sem absorver, lembra? — Pergunta com uma sobrancelha erguida.

— Sem absorver. — Repito.

Mas acho que dessa vez foi demais. Pego o gelo enfiando na boca e o pano úmido para limpar as prateleiras mais altas.

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