Capítulo 3 •

Eis uma verdade: a primeira impressão é sempre a mais superficial.

Para uma pessoa que sempre viveu grandes conflitos internos, a prática da solitude se tornou algo bem constante. Sim, momentos como aqueles me direcionavam novamente para o Lugar de descanso. Enquanto chorava, o Senhor permitia que minha alma fosse inundada por uma paz maravilhosa, lembrando-me da esperança eterna. Mais uma vez, entendi que minhas inseguranças eram necessárias e faziam parte de Sua obra em mim. Abdicar da minha autoconfiança era um desafio, mas isso me fazia andar por fé e não por vista.

Quando cheguei em casa, na noite anterior, contei aos meus pais sobre as expectativas do novo trabalho. Transpareci um semblante animado ao falar da organização da empresa, do requinte do prédio, do acolhimento recebido e, claro, da aversão que senti ao meu novo chefe. Todavia, dona Helena passou um bom tempo me analisando, provavelmente percebendo que havia algo errado. Sabe aquela pulguinha atrás da orelha? Tenho a impressão que minha mãe tinha uma fixa e elas eram bem amigas. Temendo ser interrogada por ela, me despedi com rapidez e fui para o quarto.

O restante da noite foi tranquila. Para minha surpresa, desfrutei de um ótimo sono e até sonhei; um sonho bem estranho, na verdade.

— Você vai se atrasar, Lisbela! — minha mãe comunicou, batendo na porta como de costume. Com o barulho, fui arrancada abruptamente do mundo paralelo ao qual estava, no exato momento em que vi a porta do vagão se abrir e duas figuras improváveis entrarem no metrô.

— Natanael e Henri? — balbuciei ainda sonolenta, abrindo os olhos com dificuldade.

Sabendo da minha demora em levantar pelas manhãs, mamãe entrou no quarto com passadas firmes e puxou a cortina da janela, deixando o lugar mais claro com a entrada de luz. Entre um bocejo e outro eu tentava lembrar do sonho, mas a única coisa que recordei era que estávamos, nós três, a caminho de Cordel.

— Não chamarei outra vez, visse? — Ouvi seu alerta novamente e lamentei ter que sair da cama.

Embora eu pretendesse melhorar o visual a partir daquele dia, com o intuito de alcançar o padrão sofisticado da empresa, não fui bem sucedida em meus planos. O blazer novo parecia me sufocar e o scarpin impedia meus pés de andarem naturalmente.

— Isso não vai funcionar — falei por fim, me jogando de costas na cama.

Desistindo daquela ideia, me contentei em usar uma calça jeans básica junto a uma blusa rosê de manguinha. Contudo, esse era o menor dos meus problemas — ou ao menos era o que eu pensava. Enquanto me arrumava, apenas uma frase me trazia extrema preocupação: "Sem atrasos. É uma regra".

A caminho da Inova, eu repassava mentalmente as instruções que dona Matilde havia dado a mim e a Natanael durante nosso primeiro contato. Meu companheiro de estágio, por sinal, parecia ser uma ótima pessoa. Enquanto eu assentia com a cabeça a toda e qualquer interação da senhora que nos recebeu, o jovem de feições alegres fazia várias perguntas a ela, mostrando-se bem comunicativo.

Preciso ser mais sociável, pensei. Mas antes que eu começasse a cogitar metas para isso, ouvi o bip do celular. Por estar em pé e o metrô abarrotado de pessoas, tive dificuldade em encontrar o aparelho na bolsa, que vibrava com as muitas mensagens.

[Nathy]:

Bom dia, nova empresária de São Paulo, haha!
Como você está?
Desculpa por ontem, Lis. Eu tinha um trabalho para apresentar hoje e precisava estudar. O Luca me acompanhou até em casa e acabei esquecendo de te avisar que não iríamos para a Belart.
Quero saber de tudo sobre seu primeiro dia, ok?
A gente se vê mais tarde
Bj
(7:50)

Impossibilitada de digitar uma resposta para ela, coloquei o telefone de volta na bolsa e divaguei em lembranças, agradecendo a Deus por ter me dado uma amizade que tanto me ajudou na caminhada.

Já próximo do meu local de trabalho, percebi que foi uma ótima ideia ter trocado o scarpin pelas sapatilhas, já que precisei correr um pouco para poupar tempo. 

— Bom dia! — saudei, ofegante, os seguranças que estavam na porta da empresa, eles estreitaram os olhos por um breve instante e retribuíram o gesto, com um meneio de cabeça.

— Bom dia, moça!

A sala onde eu ficaria era localizada no segundo andar do prédio. Preocupada com o horário que já denunciava meu atraso, subi as escadas apressadamente, esquecendo-me de um importante detalhe. Assim que cheguei no lugar desejado, percebi o grande infortúnio: não fazia ideia em qual das portas do extenso corredor eu deveria entrar.

Porque não pedi ajuda na recepção? Vai Lis, pensa. Era a terceira porta após a escada? Não. Era aquela ali? Porque todas as portas são iguais? Hunf! Não tem jeito, terei que descer. Que cabeça essa minha!

— Algum problema?

Não pode ser.

— Sr. Medeiros! — Abri o sorriso mais amarelo que poderia existir em uma paleta de cores e uni as mãos frente ao corpo. — Então, não é um grande problema, talvez seja um pequeno problema... — Pigarreei. — Não lembro onde fica a sala.

— Entendo — seu semblante era indecifrável —, fui informado que o outro estagiário acabou de ser levado para lá; há dez minutos, sendo mais exato. Você está um pouco atrasada, não acha?

— Tenho certeza disso e peço desculpas! Não deixarei acontecer novamente, a não ser que um tsunami invada a cidade. — Sorri abertamente, mas me arrependi logo depois.

— Venha à navio, se for necessário. — falou sem alterar a expressão. — Vamos, irei acompanhá-la até a sala. — Ele começou a andar, enquanto fiquei imóvel por alguns segundos.

Já posso pedir minha demissão?, foi o que pensei.

— Henri! Estava ansiosa para vê-lo — uma mulher exclamou em tom lisonjeiro, assim que a porta foi aberta —, você está muito elegante hoje, quero dizer, todos os dias.

Sem dúvidas, aquela cena ilustrava perfeitamente o significado da palavra bajulação. Achei engraçado o desconcerto dela ao não receber nada mais e nada menos do que um "bom dia" seco do meu supervisor. Abaixei a cabeça por precaução, afinal, minha condição já estava complicada o suficiente.

— Entre, querido.

Seu nome era Clarice Duarte. Ela seria a mulher que nos supervisionaria de forma mais efetiva. Realmente, era muito bonita e se portava como uma verdadeira lady. Mas, apesar da beleza, tudo nela era chamativo demais. O esplendor do rosto se perdia em meio às curvas do corpo claramente evidenciadas; um veneno para os olhos, como diria meu pai.

— Resolveu nos acompanhar? — ela continuou o diálogo, ignorando nossa presença; digo, minha e do Natanael, mas a do Henri certamente lhe agradava. Já meu parceiro de estágio aparentava estar alheio à situação, deslumbrado demais com cada detalhe da sala, inclusive com nossa supervisora. Henri não fez nenhuma menção referente aos elogios da loira e evitava olhá-la por muito tempo.

— Não — ele respondeu com rapidez. — Vim trazer a outra estagiária. Esta é Lisbela D'Ávila, Clarice.

Henri apontou para mim e incentivou minha fala.Clarice, que até então parecia não ter me notado, fez um sinal com as mãos para que eu me aproximasse.

— Agora vocês podem começar com as atividades. Repita, por favor, as informações passadas antes de sua chegada.

— Olá! — falei com uma voz bem fina.

— Oh! Não vi você. — Ela me examinou dos pés a cabeça, o que me deixou bastante incomodada. — Estava explicando ao Natanael a primeira tarefa; nada como começar pela parte mais burocrática. — Ela pegou uns papéis que estavam em cima da mesa, enquanto esboçava um sorriso no canto dos lábios.

— Bom, vocês estão em boas mãos, agora preciso ir. — Henri saiu, arrancando suspiros de Clarice.

A manhã foi bem corrida. Organizamos vários documentos e aprendemos mexer na plataforma virtual da empresa. Mal vi o tempo passar e fiquei bastante satisfeita com nosso progresso.

— Está quase na hora do almoço! — Clarice falou após verificar o relógio de pulso, com uma expressão de alívio no rosto. De forma rápida, ela parabenizou nosso desempenho e permitiu que nos organizássemos para ir embora, logo depois, saiu da sala.

Sentindo o estômago roncar, presumi mentalmente que não seria boa ideia almoçar na faculdade, já que levaria algum tempo até que eu chegasse lá. Natan, alheio aos meus pensamentos, resolveu quebrar o silêncio entre nós:

— Você está se formando, Lisbela?

— Estou no último período. Falta pouco para conseguir o tão sonhado diploma.

Pensar naquela ocasião me causava um misto de alegria e preocupação.

— Ah, sim! Eu também. Estou no processo final de escrita da monografia.

— Que bom, Natanael! E quais são os planos para o futuro?

— Bom, ainda não pensei muito nisso. Mas estar aqui, na Inova, com certeza é um grande passo. Na verdade, pretendo seguir carreira na empresa, vou me esforçar para isso — ele falou naturalmente. — Mas não precisamos ser inimigos, que o melhor seja contratado! — o jovem acrescentou.

Percebi que aquela informação havia evaporado da minha memória, talvez pelo fato de não ser uma prioridade para mim. Todavia, meu companheiro de estágio não havia esquecido e suas palavras, apesar de terem sido estranhas, trouxeram um grande alívio. Entendi que nos daríamos muito bem.

— Claro! Não sou nem um pouco competitiva — falei com sinceridade e dei um rápido sorriso.

Nosso pequeno diálogo foi interrompido pela entrada repentina de Clarice.

— Lisbela, leve esses papéis na sala do seu Roger, lá no 3° andar. Depois, está dispensada.

Cumprindo a tarefa que me foi dada, fui para o andar de cima, seguindo as instruções de Clarice sobre o local exato que eu deveria entregar a papelada. Natanel fez uma expressão estranha quando saí da sala, mas eu não consegui decifrar o que aquilo significava. Embora soubesse que eu estava prestes a falar com o sócio majoritário da Inova, era desconhecido para mim sua personalidade.

Parada de frente a última porta do corredor, consegui entender as vozes que antes ouvia ao longe, mas eram indecifráveis. Não tive coragem suficiente de bater na porta e interromper a discussão que jazia lá dentro, mas também não queria voltar sem cumprir o que Clarice havia ordenado. Em uma péssima ideia de permanecer no local, pude acompanhar o que os dois homens lá dentro diziam:

— Você não é mais um adolescente, Henri! — Um soco na mesa sucedeu à fala grave de Roger, me causando arrepios.

— Foi um erro iniciar essa conversa, e eu já sabia disso. O senhor não consegue enxergar nada além dessa empresa e dos lucros. É só o que importa, não é? Até quando, pai?

Minha mente me comunicava ser o momento de sair dali, mas os pés continuavam no mesmo lugar. A voz de Henri permanecia dura, carregada de muitas mágoas.

— Não me venha com esse papo de bom samaritano. É através dessa empresa que você paga as suas contas. Você não duraria um dia se dependesse da música — desdenhou.

Um silêncio se instaurou na partição, e, apreensiva, me virei para sair dali o mais depressa possível. Mas a sentença dita por Henri me prendeu, mais uma vez.

— Nunca me importei com o dinheiro, o senhor sabe disso. A minha resposta é não!

Logo depois, a porta foi aberta e demorei alguns segundos para finalmente encarar quem ali estava. Quando o fiz, encontrei olhos atentos me observando com surpresa. Sem falar nada, mostrei os papéis em mãos e esperei que aquilo explicasse o motivo de eu estar ali.

— Porta correta! — ele disse por fim, quebrando a tensão do lugar.

Ao ver o canto de seus lábios se curvarem, uma frase antiga da minha avó veio à mente: a primeira impressão é sempre a mais superficial.

🌵🌵🌵

Oi, gente! Voltei 😂

Deixei uma mensagem no painel que as postagens voltariam só próximo mês, mas tive uma folguinha ontem e resolvi aproveitar esse tempo pra finalizar esse capítulo.

A partir de maio regularizo as postagens, tá bem?

Abraço de urso pra ocês, inté!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top