Capítulo 2 •
Eu não sabia o que era pior: meu jeito desengonçado ou o mau-humor do meu chefe.
Assim que cheguei na Inova, minutos antes do horário marcado, segui para um extenso balcão de mármore que ficava a poucos metros da entrada do prédio. Com gentileza, uma das funcionárias do local conferiu minha identificação e sugeriu que eu me acomodasse em uma das poltronas laterais, enquanto aguardava ser chamada. Folheei algumas revistas que estavam em uma mesinha próxima, mas não consegui me concentrar no conteúdo das páginas, devido à ansiedade evidente. Tempos depois, eu e mais um jovem fomos levados para o mini-auditório do primeiro andar, onde uma senhora já esperava nossa chegada.
— Boa tarde, Srta. Lisbela e Sr. Natanael, sejam bem-vindos a Inova! — A senhora de cabelos grisalhos exclamou sorridente, assim que tomamos assento. Meus olhos, assim como os do rapaz ao meu lado, observavam cada detalhe do lugar, admirados com tanta riqueza. — Vocês passaram por um longo processo seletivo e agora fazem parte da corporação, parabéns! O estágio tem validade de seis meses, no entanto, dependendo do desempenho que mostrarem ao longo do processo, uma vaga permanente será ofertada.
Pegos de surpresa, eu e Natanael trocamos olhares significativos diante da informação de uma possível contratação. Fiquei um pouco apreensiva ao pensar nas implicações disso, principalmente por não ser uma pessoa dada a competição. Desejei internamente que esses meses não se transformassem em um cenário de guerra — como eu já havia visto em diversos filmes — e que meu companheiro fosse um homem de bom caráter.
— Espero que aproveitem esse período. Desde já, desejo-vos boa sorte!
Aquele, com toda certeza, era o estágio dos sonhos de qualquer estudante. A empresa era bem conceituada e estava entre as maiores companhias de telecomunicação e tecnologias do país. O que mais uma pessoa poderia querer? Bem, eu diria que uma vida tranquila na pequena Cordel seria suficiente, contudo, eu precisava aproveitar a oportunidade que me fora dada. Havia uma extensa lista dos benefícios de se estar ali, pois, seria bom para meu currículo, para minha formação acadêmica, para o meu futuro...
— Seria bom... — externei de forma inconsciente os pensamentos que rodeavam minha mente. No mesmo momento, a senhora que nos guiava para conhecer os departamentos e as dependências do prédio se virou para mim com uma expressão confusa. Natanael também não entendeu minha interrupção inesperada e juntou-se a dona Matilde na espera de uma explicação.
— O que seria bom, minha querida? — ela indagou parada no meio do corredor, que ligava o setor do RH ao de marketing.
— Ah! — disse aprumando alguns fios soltos de cabelo para trás da orelha. — Seria bom se a maioria das pessoas tivesse a oportunidade de trabalhar aqui. — Embora a frase fosse improvisada, eu realmente acreditava naquelas palavras; pois, na maioria das vezes, era o estágio que preparava o aluno para a verdadeira realidade do mercado de trabalho.
Dona Matilde permaneceu com os olhos sobre mim e eu entendi que deveria completar minha fala. Mas, antes que eu pudesse continuar, uma voz masculina ecoou de repente, causando-me um certo espanto.
— Isso seria improvável — ele pronunciou de maneira ríspida. — Nossa equipe é composta por excelentes profissionais, não há espaço para todos, só para os melhores.
Sentindo um grande desconforto com aquela situação, demorei um pouco a movimentar os pés que pareciam ter-se grudado no piso branco. A rigidez nas palavras dele me causaram um sentimento de aversão. Só os melhores, desdenhei mentalmente de suas palavras. Ninguém nasce pronto, senhor sabe tudo, pensei antes de encará-lo.
Ao virar-me, me deparei com um homem alto e de cabelos lisos, com uma expressão nada amigável. Me surpreendi pela leve semelhança dele com o rapaz do metrô, mesmo sabendo que não poderia ser a mesma pessoa. Além das distintas vestimentas, aquele ser não parecia ser alguém que andasse em metrôs lotados, já que era um dos melhores.
— Boa tarde, Sr. Henri! — Nossa guia aproximou-se do jovem, com um sorriso aberto no rosto. Ele não retribuiu o gesto, apenas assentiu para ela com um pequeno maneio de cabeça. — Não sabia que iria se juntar a nós. Bom, já que está aqui, vou lhe apresentar os novos estagiários — disse apontando para mim e Natanael.
Depois de toda a formalidade, dona Matilda continuou a mostrar os setores, explicando como funcionaria nossa rotina. Como eram dois aprendizes, ficaríamos sob a supervisão de uma mulher que, a princípio, não consegui gravar o nome; todavia, o Sr. Henri iria nos avaliar a distância e, quando necessário, nos passaria tarefas diretamente — e foi decepcionante saber que eu teria um chefe como ele.
Inevitavelmente, me peguei analisando-o de soslaio enquanto ele olhava em outra direção. Muito sério, parece triste... será? Suponho que ele deve ser bem chato, conclui. Muito bonito, com toda certeza, mas bem mal-humorado.
— Por hoje é isso — dona Matilde disse ao entregar um crachá para nós —, amanhã vocês começam a trabalhar efetivamente. No mais, estão dispensados!
— Sem atrasados — a gentileza em pessoa acrescentou, fixando os olhos em mim —, é uma regra!
Serão longos meses, pensei dando um profundo suspiro.
🌵🌵🌵
A noite já estava findando quando cheguei à Belart. Eu considerava aquele horário um dos melhores momentos do meu dia, quando finalmente descansaria do dia fatigante. Assim que entrei na escola, senti o clima agradável e acolhedor daquele lugar. Avistei, logo da entrada, às duas mulheres que deram início aquele projeto: minha mãe, que era professora de canto e dona Tereza, que dava aulas de dança.
Logo que chegamos a São Paulo, elas se conheceram e viraram muito amigas. Vendo o desejo mútuo de dar aulas, resolveram formar uma sociedade, mesmo com as tantas dificuldades que surgiram no início do processo. Quase um ano após nossa chegada, foi possível levantar a quantia suficiente para a compra de um estabelecimento no bairro em que morávamos e, com o crescimento do número de alunos, também contrataram outros professores.
Eu cresci naquele mundo. Amava ver minha mãe cantando e ensinando. A maioria das pessoas chegava sem nenhum controle vocal — apesar do talento — e saíam ótimos profissionais. Eu também bisbilhotava as aulas de dança, é claro. Dona Tereza era ótima! Durante vinte anos, dedicou sua vida a dança de salão, participando de inúmeras competições e concursos. Também ganhou muitos prêmios e construiu uma renomada carreira, mas uma lesão no joelho a convenceu que era a hora de parar. Apesar disso, era uma senhora extremamente ativa e divertida. Até o pior dos dançarinos saía da escola com um pouco de molejo. Sempre que tinha a oportunidade, também participava das aulas e até ajudava os alunos que precisavam de uma companheira de dança.
Em alguns dias da semana, eu esperava as aulas acabarem para ter aquele espaço todinho para mim. Eu sempre apreciei o silêncio, e aquele era o local perfeito para refletir sozinha. Às vezes, aproveitava para ler um livro ou arranhar alguns acordes no violão — ou às duas coisas. Todavia, o que eu realmente gostava de fazer era conversar com Deus. Ali, sem nenhuma interrupção, eu poderia ter um momento de qualidade com Ele.
— Estamos indo Lisbela, não demore tanto, hein! Seu pai disse que o bairro está um pouco perigoso esses dias.
— Mãe, moramos a dois quarteirões — argumentei dando um beijo em sua testa. O lado super-protetor da minha mãe nunca se esgotou, mesmo depois de eu atingir a maioridade.
— Mesmo assim. Além disso, estamos ansiosos para saber como foi seu primeiro dia na empresa. Isso é mais que um pedido, se é que me entende. — Ela estreitou os olhos e começou andar em direção a saída.
— Tudo bem. — Sorri, me dando por vencida.
— Oh, já estava me esquecendo! — Mamãe levou a mão na testa e se aproximou novamente de onde eu estava. — Achei aquele cordão antigo que você tanto procurava. Resolvi fazer uma faxina no quartinho da bagunça, e o encontrei junto com outras joias que estavam "perdidas". — Ela deu ênfase na última palavra, fazendo um sinal comas mãos.
— Eu não acredito! — Meus olhos brilharam com a notícia, acompanhado do largo sorriso que expus nos lábios. — Eu pensava que tivesse ido para o lixo, de alguma forma. A senhora sabe o quanto sou descuidada com meus pertences.
— Descuidada? Não seja modesta nas palavras — A Sra. D'Ávila gracejou, conhecendo muito bem meu jeito desengonçado. — Fico feliz que um presente tão especial como ele não tenha sido perdido.
— É a única lembrança que tenho dele — minha voz saiu melancólica — e da nossa amizade de infância. — Minha mãe assentiu e, assim como eu, permaneceu em silêncio por alguns minutos.
Quando todos saíram, subi rapidamente para o terraço do prédio. Aquele era um ótimo lugar para se observar a agitada São Paulo. Bem do alto, era possível contemplar os altos edifícios que preenchiam a cidade. A escuridão da noite era iluminada pelas luzes dos apartamentos e dos postes, como em uma pintura. Apesar do frio, não houve indícios de chuva durante todo o dia.
Olhando para cima, lembrei-me das vezes que eu e minha família observávamos o céu limpo e estrelado do interior, sentados na varanda da casa. Como se pode imaginar, a realidade do meio urbano era bem diferente em inúmeros aspectos, principalmente na questão ambiental. Por isso, sempre que eu visitava minha querida vó Rose, dedicava um bom tempo admirando as estrelas.
Diante algumas recordações, lágrimas começaram escorrer pelo meu rosto. Nem eu mesma conseguia entender os sentimentos que se embaraçavam em meu peito. De fato, eu estava alegre com minha nova conquista, mas o coração encontrava-se inquieto. Era uma sensação estranha e, infelizmente, a solução para tudo aquilo parecia estar longe do meu alcance.
— Tu conheces o meu interior, Senhor! Não posso me esconder de Ti, nem esconder minhas intenções. Mas, antes do meu querer, faça Tua vontade. Que eu não deposite minha esperança de felicidade em uma promoção, em riquezas ou em um companheiro. Fira-me todos os dias Senhor, fira-me continuamente com a Tua palavra, para que a cada dia eu possa Te amar mais.
Assim, permaneci no local por um bom tempo.
🌵🌵🌵
Oi, gente!
Capítulo totalmente repaginado kkk Espero que gostem 💚
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top