31 - aliados do mal

Elliot

Após a árdua batalha contra a fera mágica, nós unimos toda a força que nos restava para atracar o barco na terra firme de Harian.

Ao contrário de todos nós que estávamos aflitos e cautelosos em pisar nas terras bárbaras, o próprio hariano estava nitidamente radiante com a ideia de voltar ao seu reino. Ele desceu do barco quase sorridente, embora o mesmo sempre se preocupasse em esconder as suas emoções.

A contrabandista estava em alerta, como eu. Ela movimentava o seu olhar que procurava alguma ameaça à vista enquanto a Stella obviamente observava tudo com a maior atenção, como se procurasse algum traço de familiaridade ou se o local escrito na história condizia com a sua imaginação.

No entanto, a bruxa estava estranhamente inexpressiva. Como se estivesse fora do seu próprio corpo. Ela não olhava para outro lugar que não fossem os seus pés, o que demonstrava um nítido traço de vergonha.

E para ser mais específico, como se sentisse mal por não ter conseguido usar a sua magia para derrotar a criatura mágica de Ocewa.

Percebendo a frustração da garota, posicionei uma mão no ombro da mesma. Afim de consola-lá de certa forma. E pelo sorriso que a mesma me lançou, fiquei aliviado por ela ter entendido o meu recado silencioso.

Ainda estávamos na praia de Harian, sem saber o que faríamos nesse momento. Enquanto em pensamento eu orava para que Else nos livrasse de um indesejado encontro com os bárbaros de Harian.

Não precisávamos de mais uma batalha, nem que sejam pessoas reais de carne e osso.

— O que faremos agora?

A voz da contrabandista me tirou da imersão dos meus pensamentos.

— Eu não sei.

Respondi com sinceridade e preocupação.

— Seja o que for, não podemos ficar à míngua aqui.

A contrabandista comentou com os músculos tensos em alerta, como se estivesse se preparando para qualquer coisa que pudesse vir nos atacar. E o bárbaro percebeu a preocupação da mesma.

— O que é isso, Isla? Com medo de alguns bárbaros? — ele perguntou com um tom de deboche em sua voz. — Não é como se fossem te matar só por te verem.

— Foi isso o que aconteceu comigo quando me viu, esqueceu?

Ele deu de ombros, ignorando a farpa da contrabandista.

— Foi um caso específico. Fui contratado por um bom dinheiro para te matar.

Ela revirou os olhos com impaciência para o mesmo.

— Bom, acho melhor pensarmos no que iremos fazer agora. Afinal, não temos muito tempo para desperdiçarmos.

Falei interrompendo educadamente a estranha discussão entre o bárbaro e a contrabandista, e o hariano me encarou com irritação.

— Muito bem, príncipe herdeiro. Alguma sugestão?

A princípio, parecia uma pergunta inocente. Mas o bárbaro me encarava com raiva enquanto me questionava com um tom de desafio.

Eu estava prestes a respondê-lo a altura quando a leitora disparou antes de mim.

— Vamos até Glessia, e logo depois podemos pagar para que alguém nos leve diretamente as ruínas.

Ergui as sobrancelhas com a agilidade da garota ter planejado tudo tão cuidadosamente.

Glessia é o reino mais próximo do antigo Cortelbrack que hoje é apenas ruínas.

— Muito bem, leitora! Lembrou-se disso agora?

A contrabandista perguntou com sarcasmo, mas a leitora nitidamente deu de ombros.

— Antes tarde do que nunca.

— Está certo. Vamos procurar alguma embarcação para Glessia.

Sugeri enquanto seguia caminho pela praia que estávamos, sem checar se todos estavam me seguindo.

Mas pelo som dos passos na areia, nem precisei virar-me para saber que me seguiam.

Por sorte, haviam alguns barcos parados na beira da praia. Eu só não sabia dizer se estavam de chegada ou de saída.

Com os barcos parados, movimentos de pessoas também puderam ser notados por mim. E pensei em questionar os primeiros que rodeavam um barco de grande porte nitidamente de piratas — pois não possuíam nenhuma bandeira ou cor que indicasse um reino em específico.

Mas quando estávamos próximos aos seus respectivos marujos, fomos surpreendidos por um grupo assustadoramente alto e parrudo de bárbaros que nos fizeram parar instantaneamente.

Ao contrário do Kiran, os harianos que nos pararam eram tipicamente bárbaros. Fortes, altos com barbas e cabelos grandes enquanto seus semblantes sérios são intimidadores.

Os bárbaros monstruosos em geral, são loiros. No entanto, alguns possuem cabelos negros também.

Estávamos totalmente paralisados enquanto os brutamontes nos encaravam firmes. Tentei olhar de relance para o bárbaro que estava conosco para que se comunicasse com o seus irmãos, mas foi quase impossível tentar localizar o mesmo sem exercer movimentos bruscos. Então esperei até que eles mesmos reagissem.

— Ora, o que temos aqui?

Disse uma voz firme que nitidamente sorria malignamente com a sua própria pergunta.

Mas na verdade, eu senti que ele zombava de nós.

Tentei localizar o dono da voz, mas tudo o que eu via era paredes formadas por bárbaros fortes.

— Não sabia que teria visitas hoje. Se não me vestiria a altura.

Finalmente encontrei o verdadeiro dono da voz, e era um bárbaro igual o Kiran. Porém, estranhamente mais baixo e franzino do que o mesmo.

Quase duvidei de sua nacionalidade.

— Com licença, senhor. — disse de forma controlada e firme. — Nos perdoe o incômodo, mas não viemos de visita. Apenas de passagem.

Ele já estava sorrindo, mas dessa vez mostrou os seus dentes amarelos em um sorriso empolgado.

— Mas como? Já vão embora tão cedo? — ele perguntou ainda sorrindo. — Acabaram de chegar, devem estar exaustos.

Embora parecesse simpático, o rapaz de aparentemente trinta anos era esquisito.

Ninguém se mostra tão generoso e simpático com alguém que não conhece. Ainda mais um bárbaro.

— Obrigado, senhor. Mas realmente precisamos ir.

— É uma pena. Mas provavelmente devem estar com pressa, e eu os entendo. — ele disse caminhando tranquilamente em direção do bárbaro. — Não é, Kiran?

Assim como eu, o bárbaro franziu o cenho em confusão. Mas o hariano franzino continuava a sorrir.

— Como me conhece?

— Ah, Kiran. Você é quase uma celebridade aqui em Harian. — ele respondeu de forma fria, mas sem perder o seu sorriso. — Você, meu caro. É realmente bom no que faz.

— Ainda não estou entendendo.

— Não seja modesto, Kiran. Ou devo chamá-lo de assassino de aluguel?

O bárbaro ergueu suas sobrancelhas em surpresa, e por um instante eu notei que o mesmo fazia a total ideia de quem era aquele homem a sua frente.

— Supremo?

O hariano abriu um sorriso satisfeito enquanto Kiran ainda permanecia boquiaberto de surpresa. O homem que estava a nossa frente era alguém importante, provavelmente algum membro de poder no reino.

— Na mosca, meu amigo. — ele disse quase orgulhoso. — Você é referência por aqui, sabia? Eu estava realmente ansioso para te conhecer.

Kiran abriu um sorriso educado para o seu líder, nitidamente feliz em conhecer o mesmo.

Em seguida, o Supremo se afastou do mesmo e lançou um olhar de relance entre todos nós com bastante curiosidade e o seu insistente sorriso.

— Uma equipe bastante curiosa, devo admitir. Mas sabe que aqui em Harian não temos distinções, ainda mais acompanhado de uma figura como você.

Fiquei gélido, com medo que o mesmo pudesse em algum momento reconhecer o rosto do príncipe herdeiro.

Eu sei que os bárbaros odeiam membros da realeza por praticarem a monarquia que não existe aqui em Harian.

Mas com a nítida falta de interesse expressa no rosto do mesmo, respirei aliviado por ele não ter me conhecido. Pelo menos, é o que eu espero.

Instantaneamente ele se aproximou da Stella e parou o seu olhar contemplativo para a mesma.

— E quem é essa linda senhorita a minha frente?

Ele pegou a mão da leitora, levando delicadamente aos lábios para beijar as costas da mão da mesma.

— É a Stella Carson, Supremo.

— E por acaso a senhorita Stella não gostaria de conhecer o reino comigo?

Ele perguntou enquanto ainda segurava a mão da mesma com um sorriso irritantemente insistente e malicioso em seu rosto.

Senti uma instantânea onda de calor subir pelo meu corpo. E apesar de todo o perigo de enfrentar um líder bárbaro, ignorei com a ideia de tirá-la de perto dele. Mas antes de dar o meu primeiro passo, a contrabandista me parou.

— Perdão, Supremo. Mas a Stella não está muito disposta.

O bárbaro disse puxando a leitora pela cintura para perto de si, como forma de tirá-la de perto do líder. Deixando-a colada em si.

Perto demais para a minha opinião.

O Supremo abriu um sorriso malicioso para o mesmo, entendendo o recado do bárbaro.

— Muito bom gosto, meu caro. — ele comentou maliciosamente. — Uma linda amante. Se puder dividi-la comigo mais tarde, agradecerei.

Agora era demais para aguentar, e a raiva já havia tomado conta de mim. Disparei em direção ao Supremo, atraindo a atenção do mesmo. Mas para a minha surpresa, a leitora se colocou a minha frente.

— Sinto muito, Supremo. Mas recuso o seu convite. — ela disse de forma firme. — E ainda reforço de que eu não sou concubina de ninguém! Sou alguém de respeito.

Fiquei surpreso com a atitude da leitora, mas ao mesmo tempo preocupado com ela. No entanto, o Supremo abriu um sorriso satisfeito em seu rosto.

Alternando o olhar entre mim e a leitora.

— Que situação curiosa... — ele disse pensativo, e temi que o mesmo soubesse que eu me aproximei para defender a Stella. — É uma daquelas moças castas, senhorita?

Ela corou com a pergunta indiscreta do Supremo, mas não respondeu. Ele apenas gargalhou controladamente.

— Ah, vocês me divertem. Mas preciso falar de negócios agora. — o Supremo disse firme, desmanchando finalmente o seu sorriso. — Assassino de aluguel, tenho uma novidade para contar.

O bárbaro se aproximou do seu líder de forma destemida, firme como uma rocha.

— Semanas atrás uma bruxa e um feiticeiro veio ao Palácio atrás de mim para propor um acordo comigo.

Segurei o ímpeto de franzi o meu cenho, e até a Surya que sempre manteve a sua cabeça baixa pareceu curiosa.

— Que acordo?

Ele abriu um sorriso maléfico.

— Sabe que o Novo Mundo está sob influência mágica, não sabe?

— Sim, Supremo.

— Pois bem, é coisa da bruxa com o seu noivo feiticeiro. Eles pretendem destruir e dominar esse Novo Mundo e pediram para que nos aliássemos aos mesmos.

Embora eu tentasse, foi impossível não franzir o cenho com tanta confusão.

Por que a bruxa e o feiticeiro iriam querer a ajuda de bárbaros sendo que podem ter um exército de feras mágicas?

Isso era algo realmente curiosamente estranha.

— E por que nós?

O bárbaro perguntou inabalável, fazendo o Supremo dar de ombros.

— Ódio em comum e desejos iguais.

— Monarquia e poder.

O Supremo abriu um sorriso tão empolgado, soando quase animalesco.

— Exatamente, meu caro. — ele disse. — E agora, quero se una a nós. Para sermos aliados ao lado vencedor dessa guerra, e não se preocupe que teremos boas recompensas com isso.

— O que te prometeram?

— Lealdade e poder. Tudo o que eu mais quero.

O bárbaro respirou fundo, cheio de curiosidade.

— E acredita neles?

O líder bárbaro abriu um sorriso maléfico.

— Tenho a minha garantia de que eles não passariam a perna em mim. — ele disse com um sorriso ladino. — Mas enfim, aceita se juntar a nós nessa aliança? Eu te garanto que terá apenas benefícios para os harianos, ainda mais quando a guerra for vencida com a nossa ajuda.

Encarei o bárbaro curioso, pois embora ele esteja ao nosso lado frágil. Há uma tentadora proposta do lado oposto que o beneficiava ainda mais.

E embora eu o odiasse, eu temia que o hariano nos deixasse para trás.

— Lutar ao seu lado e ser um aliado do mal?

Kiran perguntou pensativo enquanto o Supremo o encarava sorridente ao assentir.

— Não necessariamente estamos do lado do mal, apenas da justiça. Mas chame como quiser. — ele deu de ombros enquanto se aproximava do mesmo. — E então, aceita fazer parte dos aliados do mal?

Olhei mais uma vez para o bárbaro que estava em silêncio, pensativo.

E pela primeira vez, eu desejei com todas as minhas forças que o mesmo negasse e escolhesse lutar ao nosso lado.

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