VINTE E UM

“Quem abre uma cova nela cairá; e a pedra rolará sobre quem a revolve” Pv. 26:27

Ouvindo a voz tempestuosa do pai, Emily apartou-se abruptamente do homem a qual beijava, porém, divertiu-se por saber que sendo pega não poderia escapar de casar com o Sr. Scott. Tão logo alegrou-se, a decepção arrancou-lhe toda a felicidade, pois o homem a sua frente era Ian Turner. O jovem homem, que havia sem pretensão caído numa armadilha, encontrava-se com seus traços completamente perturbado.

— Está louco? Como ousa perverter minha filha na escuridão da noite? — Sr. Joseph, com os olhos brilhando pela força da ira, elevou-se contra o pobre rapaz, levando-o a dar uns passos para trás. — Tornando-a vítima desse seu lado devasso. Depois de ter sido acolhido em minha casa, é deste modo que manifesta sua gratidão? Desviando-a do caminho do bem? — Os lábios de Joseph encontravam-se num tom roxeado, reflexos de seus nervos alterados.

— Senhor, não... — Ian tentou protestar, contudo, ele mesmo procurava entender o que havia ocorrido ali.

— Não procure palavras vãs para justificar seu erro. — Balançou o dedo indicador na face de Ian. — Não escapará de modo algum disso! — Então ele parou, olhou para o chão e os ombros murcharam.

Um silêncio sepulcral pairou sobre a cabeça de todos naquela biblioteca. Podia-se ouvir somente a respiração descompassada de Emily cujos sentimentos achavam-se misturados entre a decepção e a angústia de seu plano ter fracassado; um som constante de batida sobre o assoalho de madeira, sendo este o pé de Ian Turner, que evidenciava a impaciência e um curto domínio para manter o equilíbrio psicológico a fim de não perder para o instinto de matar a Srta. Brown. De repente, Sr. Joseph elevou a cabeça fitando os dois a sua frente. Suas palavras mudariam para sempre a vida de sua filha.

— Emily não será falada pelas pessoas. Vocês irão se casar!

— PAPAI! — a moça exclamou em evidente desespero e miserável aflição de quem para sempre perdera sua vida.

Nunca casaria com aquele homem!

Nunca!

Nem em mil anos!

— Não pode me obrigar a casar com este homem grosseiro. — Sua voz bradou num tom exasperado, seguido pelas lágrimas copiosas. A menina, outrora tão certa de seus desígnios, segurou os braços de seu pai e dirigindo-o um olhar suplicante, esse que antes o comovia e lhe livrava das penalidades de suas ações.

O pai olhou-a atentamente e sua expressão era dolorosa. Ele a examinou todo o rosto e  balançou a cabeça em negação. A filha não compreendeu, pois apenas conseguia sentir a desolação de um encontro tão infeliz com o Sr. Turner e na mais funda dor ao ver o desenrolar do caso.

— Papai... — suplicou mais uma vez, com os olhos marejados e apertando os músculos de seu genitor. — Não, papai... — disse com a voz embargada, quase inaudível.

Nenhuma palavra.

O pai não a atendeu.

Dessa vez, não.

O declamar de tal sentença inflamou não só a aflição de Emily Brown, mas também de Ian Turner. Sua mente agitou-se de tremenda forma que uma pontada aguda de dor lhe atingiu a cabeça. Previu atentamente todas as circunstâncias futuras de sua vida e elas se tornaram amargas pelo mal provocado pelas ações daquela noite. Tudo pareceu conspirar para lhe induzir a infelicidade ao lado de uma mulher que era o seu mais completo horror e motivo de grandes aborrecimentos. Não, simplesmente não poderia casar-se com aquela menina imatura. Que profundo pecado havia cometido para obter tamanho castigo? Seu orgulho ferido atinou-lhe o peito. Não poderia se deixar enveredar por aquele caminho sem lutar. Tomou uma posição estoica e pronunciou com firmeza de voz:

— Não me casarei. — Aquela afirmativa fez os outros dois presentes no local vira-se para ele. — Não causei isto. Nunca comportei-me de modo indecoroso com nenhuma senhorita.

Com sua honra ferida, Sr. Joseph mirou-o e, num tom desprovido de qualquer afeição, tal qual ele nunca usara antes, declarou:

— Então iremos lutar. Amanhã as 6h30m duelaremos a fio de espada...

— Papai, não faça isso! — Emily intrometeu-se com a voz rouca e os olhos ainda mais vermelhos e inchados.
Joseph mostrou-lhe a palma da mão e ela se calou, porém o choro contido ainda podia ser ouvido.

— Se eu morrer estará livre do compromisso, caso você morra ela estará livre da vergonha —  disse Joseph, com o cenho franzido e os lábios apertados, mostrando uma seriedade no trato até então desconhecida para ambos os jovens que lhe viam naquele momento.

Emily fora comprimida por sua dor, tornando-a a mais infeliz das mulheres. Como pôde confundir o Sr. Scott com Ian Turner? Que diabos Else fez? Não lhe teria explicado exatamente como proceder para não haver erros?

Ian lançou um olhar mortal em direção a dama que lhe lançara em tremenda cilada. Perdição! Como sairia daquela situação? Tolice! Suspirou fundo. Ele ponderou sobre como aquele duelo traria terrível lamurio e tormento para mais vidas. Não podia deixar-se consumir pelo ódio de tamanha forma a ponto de tirar a vida de um homem. Não. Ele queria salvar vidas. Estudou para isso. Enquanto procurava encontrar equilíbrio entre seus pensamentos e emoções, a presença de Emily naquele lugar servia para aumentar sua aversão por ela, e seus sentimentos eram tão violentos que não poderia deixar de nomeá-la, ainda que para si mesmo, como uma mulher sem escrúpulos! Expeliu o ar, deixando transpassar por aquela ação, que não havia meios de se livrar daquele pavoroso matrimônio. Voltou-se para o Sr. Joseph, que permanecia com sua expressão inalterada, e proferiu:

— Não lutaremos. Eu me caso com a Srta. Brown!

A menina o olhou e havia ali um pequeno brilho de gratidão por ele não ferir seu pai, mas Ian não percebeu.

— Vamos até meu escritório, Sr. Turner. — Joseph indicou a porta.

Os dois homens partiram em silêncio. Da porta, Emily os viu perder-se na multidão que ainda ocupava sua casa. Após ficar sozinha ouviu novamente o som de vozes e música, o que antes teria sido emudecido pelo calor da aflição e desespero que tomaram conta de sua alma, e ainda lhe açoitava. Ela sentou-se sobre o divã e afundou a cabeça entre as mãos. Graves meditações sobre o teor de seus dias porvir ao lado daquele jovem irritadiço e mal-humorado dominaram-na assolando seus afetos e alegrias no poço escuro da amargura.

— Por que me castigas desta forma? — Irou-se contra o ser Divino. — Como poderei conviver com alguém que não suporto?! — Levantou-se e começou a caminhar de um lado para o outro, sentindo suas entranhas se contorcerem de infelicidade. Sua vida seria para sempre um martírio!

*

A música, a dança e a conversa, com largos sorrisos e gestos espalhafatosos, encontravam-se a todo vapor e por todos os lados na casa dos Brown’s, no entanto, em cômodos longe do salão de baile, um acordo era firmado.

— O noivado será manifesto a todos dentro de poucos dias. — A imperatividade do Sr. Joseph gritava aos ouvidos do jovem médico. — O casamento poderá ser dentro de um mês.

Ian Turner tinha seus nervos inflamados por tão grande inconveniência. Ele gostaria de aceitar aquilo de maneira mais suave, mas seus sentimentos eram tão contrários à senhorita mimada que não conseguia responder de bom tom àquele acordo. E enquanto seus ouvidos ficavam surdos para a voz do Sr. Joseph, sua mente em questão trabalhava assiduamente em como levar Emily a arrepender-se a cada novo dia por tê-lo feito cair naquela enrascada. Sim, ele primeiramente a tiraria de sua mordomia. Ela teria de ser a própria dona de casa, preparar a comida, lavar a roupa, costurar os remendos. Oh! Quão prazeroso seria ouvir os gritos de quando as pontas de seus dedos fossem furados pela agulha. Um sorriso malicioso refletiu no canto de seus lábios. Seus olhos até brilharam em face ao agrado em que sentiria ao conduzi-la a uma vida real e longe de todas as suas comodidades. Ele seria o marido ideal: O mais longe possível dos seus sonhos!

Quando ele voltou a si, observou que Joseph Brown emudecera e seus olhos estavam fitos num quadro na parede, ao lado de sua imponente mesa de nogueira. Ian observou a imagem e era uma linda mulher de pele corada, de cabelos negros, longos e lisos, olhos cor de amêndoas e a bochechas numa tonalidade do pôr do sol. Ela estava num posição ereta e firme, mas os traços e expressões eram suaves. A Srta. Brown possuía uma beleza tão parecida quanto a aparente mulher, porém possuía o nariz e boca do pai. O jovem médico constatou que o Sr. Joseph carregava um semblante de contemplação enquanto vislumbrava a pintura diante de si. E mesmo não querendo ser intruso naquele momento do anfitrião da casa, Ian rompeu o silêncio com um pigarro.

— Senhor, preciso contar que...

— Não há nada para ser dito! — Joseph virou-se rapidamente para ele. — Ficamos acertados. Agora pode sair! — ordenou o Sr. Brown com um movimento de mão.

Ian cerrou o maxilar e fechou o punho de sua mão esquerda, levando suas veias a quase saltarem para fora da pele. Turner começou a caminhar para saída, porém, quando tocou a maçaneta, girou o calcanhar e voltou-se ao homem que acabava de acender seu charuto.

— Vou dizer algo...

— Não tenha nada mais para ouvir, menino!

— Não sou um menino, e o senhor irá me escutar! — Seu tom embravecido fez o Sr. Brown recuar um pouco na sua pretensão. — Quero deixar a pratos limpos que não seduzi sua filha. A empregada dela informou-me que meu amigo, o tenente Nathan Scott, esperava-me na biblioteca. Chegando ao aposento fui recebido da maneira — parou de falar e apontou para o senhor —, como seus olhos contemplaram. E agora terei de casar-me para reparar um mal que não causei. — Ian inclinou o corpo para frente e fitou firmemente a Joseph. — Mas uma coisa lhe asseguro, Sr. Brown: a sua filha, a partir do momento em que torna-se minha mulher não mais andará segundo sua boa mordomia. Não sou homem de ter um sogro mandando na minha vida. Se acha que casaremos e viveremos debaixo do seu teto para tratá-la da mesma forma como antes, não conte com isso.

Para sua grande admiração, Joseph não lhe replicou uma sentença. Ian, tendo deixado claro sua condição, abriu a porta do escritório, encontrando atrás dela a que seria sua futura companheira de vida. Encarou-a tão sem emoção que causou um arrepio de medo na moça, dando-lhe em seguida as costas, partindo sem dizer nada. Emily estremeceu ao presenciar expressão tão rude em sua direção e aparente desprezo. Ficou arrasada com tamanha frieza. Com lágrimas nos olhos, entrou no escritório, tomou as mãos do pai e ajoelhou-se, ao lado da cadeira dele, implorou pelos sentimentos de compaixão que tantas vezes ele derramou sobre ela.

— Papai, por favor, livre-me desta terrível sentença! Não posso casar com o Sr. Turner. Eu não o amo.

— Como decepcionou-me, Emily. — Ele tragou o charuto mais uma vez e soltou a fumaça. — Como pôde beijar-se às escondidas? Quanto dissabor encheu-me a alma! — Sem arrependimentos, disse: — Não voltarei atrás com minha decisão. Não terei o nome de minha família manchada pelas ruas deste vilarejo. Você se casará com o Sr. Turner e em pouco tempo.

Ela baixou a fronte e as lágrimas molharam as mãos de Joseph.

O Sr. Brown entreviu o clamor da filha. Aqueles olhos castanhos suplicantes lembravam tanto sua falecida esposa. Como sofreu com sua partida. Nunca amou uma mulher como a mãe de Emily. No dia do parto, ela faleceu. E com o coração consumido de dor, ele envolveu a criança nos braços e prometeu cuidar-lhe, como faria a mãe. Desse modo, ele poderia ter mais de perto uma lembrança de seu grande amor. Quanto mais os anos se passavam, a pequenina Emily demonstrava a beleza filipina da mãe. Ele alegrava-se nisso. Não queria vê-la chorando, pois era como assistir sua própria esposa sofrendo, e não podia suportar. Mas naquela noite, o vislumbre que criara de sua mulher na filha, quebrou-se. Não, sua amada nunca faria tal coisa. Todo o seu afeto e cuidado prostrou-se ao chão diante de tamanha desonra. Então ele viu a filha. Somente ela. E para seu completo horror, observou uma terrível falha em seu caráter.

— Papai! — o clamor carregava a amargura de uma vida.

— Casará com o Sr. Turner. Está é a minha palavra final.

— Não pode obrigar-me! — Ela levantou-se furiosa. — Papai, como suportará me ver num casamento infeliz? Eu, sua filha amada. — Elevou a mão ao coração e os olhos encheram-se de água novamente.

— Acho que ele será um excelente marido para você.

Ela fechou os olhos, sentindo o impacto brutal daquelas palavras. Nunca fora tratada tão friamente por seu pai. Voltou-se para a saída e antes de partir entreviu o pai, cuja postura era de contemplação na pintura de sua esposa. Ela então fechou a porta.

*

Else andou tranquilamente até o cavalheiro indicado pela Srta. Brown. Ao aproximar-se chamou-o e deu-lhe o papel que carregava nas mãos.

— O Sr. Turner pede uma audiência privada com o senhor. — Mostrou-lhe o bilhete selado. — Ele o espera na biblioteca.

Nathan segurou o papel em mãos e lera a mensagem. Com civilidade e cortesia, apartou-se dos convidados, com os quais travava uma instrutiva conversa, e seguiu a criada. Ela caminhava calmamente ao lugar solicitado, chegando ao devido corredor, proferiu:

— É aquela sala com as portas brancas. Ele o espera.

Nathan assentiu. E enquanto caminhava notou pela vidraça — ao fundo do corretor —  uma visão que despertou-o avidamente, então voltou...

*

Caras Leitoras, sinto muitíssimo pelo tamanho espaço de tempo entre a última postagem e essa. Não era minha intenção, no entanto, outros compromissos necessitaram de minha atenção de modo mais urgente. Peço perdão pela demora.

Esse tempo também fora benéfico quanto aos rumos que eu estava pensando sobre este enredo. Pela graça do bom Deus, eu pude avaliar as intenções e poder reestruturar e conduzir essa estória a um novo caminho. Espero que apreciem!

Não demorarei em retornar!

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