VINTE E TRÊS

“Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.” (Romanos 12.20)

“...Não me estenderei mais, contudo, seja sempre seguro em seu coração minhas mais sinceras afeiçoes.”
Nathan Scott

Angelina lia mais uma vez a carta escrita por seu noivo, e sua alma enchia-se de regozijo por saber que era alvo de amor de um tão honrado homem. Certamente nunca imaginara que poderia ganhar um presente assim do Pai Celestial, há tempos deixara os sonhos de romances, mas pôde notar que o Senhor o fez por ela. Era lhe grata por Nathan, e procurava descansar na Providência para recebê-lo novamente depois de um decorrido tempo. O vento ainda soprava em seu rosto quando avistou alguém abeirar-se da praia, olhou para o lado reconhecendo a Srta. Brown, que ainda não havia notado sua presença, antes estava perdida em seus próprios desalentos. Angelina ponderou sobre avançar em direção a jovem, pois notou como seu comportamento para com ela mudara desde a presença de Scott, certamente não seria bem recebida, porém, ao constatar o aparente sofrimento dela, deixou seus receios e decidiu aproximar-me.

Emily contemplava o pôr do sol com terrível dor na alma. Desde a imposição de seu pai sobre o casamento com Ian Turner, suas noites foram regadas a lágrimas sem fim. Seu espírito encolheu-se diante de um profundo martírio e não conseguia esboçar, ou mesmo fingir, uma mísera alegria. Seu noivo não a procurou em nenhum momento — não que isso fosse motivo para desolação, porém o sentimento de rejeição pesava-lhe. A atitude do pai fora a mais grosseira e insensível, pois ele não lhe visitara mesmo quando se opôs a compartilhar das refeições com os demais. Em outro tempo, ele nunca deixava de saber sobre seu bem-estar, todavia, desde o incidente seu trato mudara por completo. O único amável era Josh que se prestara a saber os motivos de seu enclausuramento no quarto. Diante de todos esses ocorridos, sentia que simplesmente não poderia conviver com tantos destrato; de fato, a morte lhe era mais propícia e, decerto, não a desprezaria. A Srta. Jones chegou e observou a palidez na face de Emily, naqueles modos notava-se que a manceba estava prestes a desmaiar.

— Emily — Angelina chamou-a, levando a moça virar-se para ela. — Está bem?
A Srta. Brown fechou os olhos deixando lágrimas caírem. Não desejava encontrar-se com a Srta. Jones, pois, de certa forma, esta lhe era mais um motivo de tristeza. De acordo com sua própria conveniência, se Angelina Jones não existisse, o Scott teria se apaixonado por ela.

— O que faz aqui? — Emily replicou com uma voz áspera.

— Notei sua expressão sofrida. Queria saber se precisava de ajuda.

Um silêncio seguiu-se diante das duas. Emily guerreava com dois sentimentos dentro de si: o primeiro era a raiva que desejava dominar completamente suas afeiçoes acerca de todos, por serem postos como um muro que dividia ela e Nathan; por outro lado, vendo o trato solícito da Srta. Jones não podia deixar de ter um sentimento de vergonha em seu ser. A sua própria consciência desejava condená-la trazendo-lhe a memória suas terríveis atitudes em relação a Angelina, aquela que agora lhe estendia uma mão auxiliadora.

— A única ajuda bem-vinda seria aquela para fazer-me evaporar deste universo — declarou, abraçando-se mais forte.

Ela esperava que Angelina lhe falasse algo, porém ficou em silencio. Então continuou:

— Sinto-me devastadas pelas calamidades de minha vida. — Colocou a mão sobre a testa e exclamou. — Oh, que desventurada mulher que sou! Nenhuma dor pode comparar-se com a minha. — Ainda que sua sensibilidade extrema tirasse Emily da realidade sobre o que de fato é um terrível sofrimento, não poderia deixar de ser considerado sincero.

Angelina observava com cautela a exposição dos sentimentos da Srta. Brown, não ansiava ser ríspida ante a situação delicada. Decerto, já presenciara e vivera sofrimentos piores e realmente laboriosos a ponto de desesperar-se da própria vida, contudo, seu coração sempre encontrou alento em Cristo, dando-lhe forças para prosseguir a jornada de caminhos pedregosos.

— Emily, eu poderia saber o motivo que lhe arrasta ao fundo do mar das lamentações?

— Angelina, certamente, ficou sabendo de meu noivado com o Sr. Turner. — Bufou. — Todo este vilarejo sabe.

Angelina assentiu.

— Perdoe-me a ignorância, mas, por que o enlace com o Sr. Turner é tão indesejado? — replicou, olhando fixamente para a jovem a sua frente.

— Só não é do conhecimento de todos, o quanto o Sr. Turner me odeia — a voz dela embargou. — E eu também não o suporto. Como poderia conviver pelo resto da vida com um homem cujo único sentimento por mim é a raiva? Não posso! É melhor a morte!

Era certo que tal confissão deixou Angelina espantada, pois todas as vezes que esteve diante de Ian Turner, ele sempre fora gentil e de expressão polida para com todos. Não conseguia encontrar nele tamanho sentimento de ira, certamente, deveria haver uma justificativa plausível para a indiferença dos dois.

— De fato, é uma terrível condição. — Foi o que conseguiu expressar.

— Não há nada a ser feito — Emily lamuriou mais uma vez.

— Há uma coisa somente — proferiu Angelina, tomando a atenção de Emily totalmente —, orar para Deus mudar os sentimentos de ambos.

Aquela ideia fez os ombros da Srta. Brown murcharem. Deus a colocou naquele caminho e não a tiraria dali.

— Deus não me ouviria. Ele não... — Emily completaria a frase dizendo que era um castigo imposto pelo próprio Ser Divino, porém calou-se.

— Ele a ouviria sim. Ainda que falhemos com Ele, suas mãos estão estendidas para nos socorrer. — As palavras de Angelina não foram intencionais, mas necessárias e um breve consolo para os tormentos da Srta. Brown, que baixou mais a guarda.

— Gostaria que Ele pudesse socorrer-me esta noite. — Emily mirou o mar a sua frente e com aparente esforço pronunciou: — O jantar de noivado será em poucas horas.

Angelina, ouvindo aquilo, imaginou como poderia ser o seu jantar de noivado com Nathan. Decerto que sentiria muito a ausência dos pais, porém, era mais uma chance de estar junto com seu amado. Suas meditações foram encerradas pela gratidão que brotou no peito, lembrando-se da grande oportunidade de amar e ser amada, isso era o mais importante. Emily, por outro lado, sentia a dor da decepção e dos sonhos frustrados corroendo suas entranhas, nunca pensara que seus planos de matrimônios seriam frustrados tão abruptamente. Era uma injustiça viver aquele martírio.

— Não posso casar-me com ele. — Ela deixou levar-se pela angústia e chorou.

— Emily, Deus nos fez mulher e com uma dádiva muito grande de abençoar o lar — Angelina proferiu, seriamente. — Cabe a você decidir se trabalhará para fazer de sua casa um céu ou um inferno.

Aquele conselho remexeu as entranhas da menina. Certamente, ela não produziria um bom casamento sozinha, e Ian Turner deveria se importar um pouco. Não poderia carregar aquele fardo e logo por um homem rude e grosseiro. Ela balançou a cabeça em negativa.

— Como uma jovem que se diz cristã, deve o fazer por obediência ao Senhor. Respeite-o e verá a benção de Deus.  — Angelina reforçou o conselho, apontando para a palavra soberana das escrituras.

A Srta. Brown nunca imaginou que as escrituras seriam contra seus próprios desejos. Desde sua terna idade fora criada dentro do cristianismo — como toda boa criança do Vilarejo — as histórias bíblicas a encantavam, e com o passar dos anos tornara-se uma jovem modelo nas práticas dos bons costumes. De fato, nunca existiu em sua vida nada que lhe fizesse repensar os caminhos de sua fé. Mas, pela primeira vez, sentia-se confrontada e não foi uma boa sensação.

— E o que farei?

— Prepara-se para o jantar e realmente procure conversar com o Sr. Turner. Não é bom diante de Deus isso — aconselhou Angelina, com uma ousadia até desconhecida para ela mesma.

Certamente conversar com “seu” noivo não lhe era uma opção favorável. Oh, céus! Prefira a morte mil vezes! Pela graça do Deus vivo, Emily continuou ouvindo ainda mais Angelina. E, diante daqueles aconselhamentos, sentiu profunda tristeza por ter agido de modo insolente em relação a ela e Scott. A vergonha lhe abatia a cada palavra de bondade, e talvez a Srta. Jones nunca chegasse a saber o quanto fora alvo de suas terríveis maquinações, mesmo quando lhe tratou mal. A Srta. Brown reconheceu a virtude da amada de Nathan e, por um breve espaço de tempo, considerou que ela era realmente digna de tamanho afeto por parte do tenente. Ao fim da conversa, Emily disse:

— Quero convidá-la ao meu jantar de noivado.

Angelina arregalou os olhos diante do convite inesperado.

— Não é necessário eu ir.

— Mas gostaria de ter sua presença. Talvez olhando para você, eu lembre dos conselhos e minha raiva pelo Sr. Turner não ganhe a batalha dentro do meu coração.

Outro silêncio se pôs entre as duas e, depois de refletir, a Srta. Jones aceitou. Em seguida se despediram, voltando ambas pensativas para os seus lares.

*

A sala de jantar estava decorada com opulência para celebrar o noivado de Emily Brown e Ian Turner. O jovem médico ao observar o trabalho dos empregados comas flores, taças, pratarias e tudo mais, encheu-se de rancor. Seu pior pesadelo tornou-se real e, de fato, estaria ligado para sempre com a Srta. Brown, aquela garota mimada e abusada! Seus sentimentos eram tão desfavoráveis em relação sua noiva que simplesmente não poderia contemplá-la e sempre que podia desviar seus passos para não ter que vê-la. Mas aquela terrível noite havia chegado. Nem teve a chance de avisar seus parentes. Ele baixou a cabeça e fechou os olhos, pedindo a Deus forças para suportar tamanha provação. Ao erguer os olhos, visualizou a bela Srta. Jones chegando. Ela vestia um simples vestido azul, luvas e os cabelos presos. Ian, ao contemplá-la, refletiu sobre o quanto seria abençoado se Emily tivesse um pouco daquela simplicidade da Srta. Jones. Seu amigo, Nathan, que era bem-aventurado. Ele aproximou-se dela e a reverenciou.

— Como vai, Srta. Jones?

— Muito bem, Sr. Turner. — Ela sorriu. — Desejo parabenizá-lo pelo noivado.

O sorriso de Ian morreu nos lábios, mas assentiu em agradecimento.

— Sua noiva que me convidou para estar aqui está noite.

Ele arqueou a sobrancelha, realmente, chocado com a ação de Emily. “Ela é capaz de fazer um ato de gentileza?” indagou a si próprio.

— Seja bem-vinda! Deseja algo para refrescar-se?

— Não, obrigada! — Angelina notou a expressão sisuda no rosto de Ian, e lembrou-se das palavras de Emily sobre ele ser contrário àquele arranjo. Ela queria ajuda-lo de alguma forma. Sentia que estaria fazendo por Nathan, pela amizade dos dois. — Sr. Turner, permita-me indagar: algo o incomoda esta noite?

Ian virou-se para ela, sentindo-se lido por completo. Certamente, não conseguia mais esconder seu estado de espírito.

— Srta. Jones, não precisa se preocupar.

— Mas me preocupo, por causa de Nathan, sinto que somos quase parentes. — Ela sorriu abertamente e, ele acabou se deixando levar com aquela breve distração.

— Agradeço. Porém, sei que nada pode ser feito nesta situação. — Ele inflou o peito e soltou o ar. — Não há para onde ir.

— Há sempre um lugar em que podemos ir em qualquer circunstância. — Ian franziu o cenho e a fitou com curiosidade. — Para os braços do Salvador.

De imediato, ele mirou para a parede ponderando sobre aquela palavra. Lembrou-se que em nenhum momento havia orado a Deus em relação ao seu coração, simplesmente, deixou-se dominar pela raiva e planejar todos os meios possíveis para fazer de Emily uma mulher diferente daquela que era.

— Ame sua noiva, Sr. Turner — ela disse, e aquilo quase lhe era uma ofensa. — Não por ela, mas por Cristo. — Os olhos azuis de Angelina o fitaram, demonstrando uma firmeza sem igual.

Amar Emily? Como poderia? Não poderia!
E antes que ele pudesse rebater as palavras da Srta. Jones, sua noiva desceu as escadas e, como um bom cavalheiro, ele a recebeu no fim dos degraus, estendendo-lhe o braço. Os dois se olharam e os seus olharem faiscavam, porém, ao desviarem a atenção para os convidados presentes, ambos vislumbram Angelina Jones, que obtinha um sorriso no rosto.

Ame-a.

Respeite-o.

A voz dela fora audível aos dois no interior de seus corações. E, como se fosse um acalento, eles prosseguiram para a sala de jantar. O Sr. Brown abençoou a aliança estabelecida e ambos, enfim, noivaram diante de Deus e dos homens.

*

Olá, jovens senhoritas.

Informo que estaremos entrando na reta final da estória. E que eu tive que fazer algumas modificações em alguns capítulos anteriores. Portanto, se verem alguma diferença lembrem-se que já foi mudado para poder encaixar melhor. Por ora, agradeço por quem tem acompanhando e esperado bastante tempo por essa obra. :-)

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