VINTE E OITO

“Porque desde a antiguidade se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nEle espera”. (Isaías 64.4)

Angelina podia escutar o som acelerado das carruagens e um vendaval de pessoas andando de um lado para o outro, sentindo-se perdida em muitos momentos. Nunca viu tanto fluxo de pessoas de uma vez só. Três semanas após a vitória da guerra, alguns dos voluntários começaram a retornar para seus lares, porém Angelina foi conduzida pelo major Ed Clarke para a Capital. Ao avistar a arquitetura exuberante e imensa dos prédios e moradias, ela tornara-se assombrada por tamanha suntuosidade e ao mesmo tempo encantada por dispendiosa elegância.

— Srta. Jones, ficará hospedada na residência Crapper por dois dias. É o tempo suficiente para que eu organize todas as coisas — o major disse, guiando-a em direção há uma rua mais calma.

Eles caminharam até um portão largo e de ferro, pelas largas grades, Angelina observou um opulento jardim e um caminho de pedra que levava até uma casa de tijolos vermelhos, de portas e janelas com marcos branco e uma chaminé. Uma menina, com aparência de 15 anos, atendeu-os, conduzindo-os a sala de estar. O local era espaçoso e possuía ampla luminosidade, o sofá e poltronas encontravam-se dispostos a frente da lareira e eram convidativos para as pernas cansadas da Srta. Jones. O major observou a postura ereta dela, porém a exaustão gritava através de suas olheiras, cabelos emaranhados e mãos levemente caídas de qualquer jeito ao lado do corpo.

— Sente-se, senhorita. A senhora Crepper logo nos atenderá.

Ela obedeceu sem pestanejar e, não demorou, para que a criada de outrora servisse a ambos com uma limonada e um bolo de laranja recém assado. Angelina não teve vergonha ou polida etiqueta para aceitar a comida, ela estava faminta. Seus 6 quilos a menos denunciavam os meses de comida precária que obteve na base, no entanto, aquilo não a abalou. O serviço com seus pacientes fora encerrado de maneira eficaz e sentia-se satisfeita em ter gastado tanto de si em favor aos desfavorecidos.

No decorrer de quinze minutos depois, foram recepcionados por uma elegante senhora de curvas abundantes, cabelo negros e olhos azuis. A mulher aparentava uns 40 anos de idade, mas sua educação e classe lhe preservavam certo charme e juventude.

— Sr. Clarke, que alegria recebê-lo em minha humilde residência. — Ela fez uma mesura para o homem. — Absolutamente sei dos seus esforços em favor do nosso país com relação a guerra, que pela graça do bom Deus, enfim encerrou-se.

A senhora Crepper era uma antiga conhecida do major. Dos tempos em que ele ainda era apenas um simples jovem se aventurando no mundo. Ela abriu sua casa, como um hospedaria, anos atrás para os jovens que viam do interior do país estudar, sendo ele um desses beneficiários. Com o decorrer do tempo a amizade entre os dois permanecerá. Ela sempre teve um coração disposto a ajudar pessoas.

— É uma alegria essa vitória. Contudo, minha visita obtém um pedido — ele indicou Angelina com a cabeça, apresentando-a em seguida. — Desejo que cuidar da Srta. Jones por dois dias. Ela necessita de um zelo especial e feminino, pois passou longo tempo sofrendo junto conosco na base militar atendendo os moribundos e naturalmente velando pela alma de muitos.

— Oh, minha querida! — A mulher aproximou-se de Angelina com os braços estendidos. — Você merece tantas premiações como muito desses soldados. — Examinou-a com seu olhar penetrante dos pés a cabeça. — É obvio que foi tão guerreira quanto todos eles.

Angelina não conseguiu pronunciar uma frase, apenas sorriu para a mulher.

O major partiu deixando, sobre os cuidados maternais da Sra. Crepper, a nova herdeira do general Foster. Angelina Jones foi instalada num quarto confortável, onde dormiu por quase um dia completo; seus cabelos foram aparados e as roupas trocadas; sua pele recebeu óleos para hidratação e as unhas limpas. Sra. Crepper, no pouco tempo que teve, ensinou-a o básico da ordem de talhares na mesa e o restante das tardes fora preenchido por conversas produtivas.

*

Na tarde de sexta-feira, a Sra. Crepper encontrou Angelina lendo um livro na sala de estar. Ela parou um pouco e apenas observou a postura firme e os dedos delicados, mas tensos da jovem mulher. Em pouco tempo compartilhou de uma companhia produtiva que em diversas ocasiões não tivera o privilégio com outras damas da sociedade.

— Angelina, preciso que venha comigo — disse a senhora, roubando a atenção da jovem mulher da leitura.

— O que deseja, senhora?

— O Sr. Clarke enviou-me um bilhete dizendo que vem buscá-la dentro de uma hora. Vou prepará-la.

Angelina corou, pensando para onde iria àquela tarde. Desejava simplesmente ficar dentro de um quarto, desde que recebera a plaquinha com o nome do noivo, não desfrutava de nenhum sentimento de alegria, e o silencio predominava sobre sua alma. Porém, não questionou a mulher e a seguiu aos seus aposentos. A Sra. Crepper a limpou, a vestiu com um vestido estampado e prendeu seus cabelos num coque alto e preencheu seus lábios com carmim. Ela estava espetacular!

— Angelina? — a Sra. Crepper a chamou, e a hóspede virou-se para ela. — Tenho visto em alguns momentos uma profunda angústia em seus traços. Sei que pouco nos conhecemos, mas realmente gostaria de ajudá-la.

— Não há nada que se possa fazer. — Angelina suspirou, permitindo que as suas lágrimas rolassem. Ela não queria mexer na natureza de sua tristeza, mas não pôde se conter. Acabou tirou de seu pescoço o pequeno colar que fizera com a medalha de Scott. — Eu tive um noivo, senhora, mas ele faleceu na guerra — sua voz estava embargada e os ombros murchos. — Estou cansada de tantas perdas. Completamente esgotada. — Ela soltou uma pesada lufada de ar.

A velha mulher não conseguiu segurar suas emoções e tomou Angelina nos seus braços de amor.

— Tempos difíceis passam, Angelina. Uma hora é chegada o tempo da colheita aos filhos de Deus, e o Senhor restaura a nossa sorte.

A menina deixou suas lágrimas nos ombros da senhora somente. As palavras de sua boca haviam se esgotado. Vinte minutos depois, o major Clarke apresentou-se as mulheres, e ele também melhorara em sua aparência. Seu fardamento encontrava-se perfeitamente engomado, os cabelos alinhados e a barba aparada. Sem dúvidas ele era dono de uma beleza robusta.

— Srta. Jones, permita-me dizer que se encontra em perfeita fisionomia.

— O senhor também, major. — Ela sorriu.

Ele ofereceu o braço e ela o aceitou sendo conduzida até uma carruagem. O caminho não se estendeu por muito tempo, parando em frente de um palácio literalmente. Angelina engoliu em seco diante de tamanha magnificência. Ela e o major foram conduzidos por um criado a um salão de festa. O local era exuberante em toda sua arquitetura. Arabesco dourados adornavam todas as paredes; lustres imenso no teto, sendo este pintado com as belas paisagens naturalistas; o palco destinado aos músicos estava preenchido por uma orquestra de câmera. Homens e mulheres com roupas elegantes encontravam-se ali e mais adiante as cadeiras do rei e rainha da nação, que ainda não se faziam presente.

A Srta. Jones fora recepcionada por muitas pessoas, e dentro de si não conseguia ponderar devidamente os motivos pelos quais ela estaria naquele lugar. A música suave que tocava trazia sobre o seu coração melancolia e mais saudosismo. Afastou-se por uns instantes do major, indo em direção a uma das magnânimas portas que davam para a varanda, ela respirou o ar puro e fechou os olhos, sentindo a dor latente no coração e, com sinceridade, orou:

— Senhor, desejo realmente me alegrar com tudo isso, mas simplesmente não consigo. Perdoe-me! — O vento gélido tocou sua pele e a fez estremecer.

— Angelina Jones — uma voz feminina a chamou.

Angelina virou-se reconhecendo imediatamente aquela com quem um dia compartilhou sonhos de se tornar uma enfermeira.

— Kate?

Uma brisa de saudade passeou entre as duas antigas amigas de adolescência. E, com surpreendente ligação, ambas se abraçaram de imediato e uma profunda emoção as dominou.

— São nove anos desde que nos vimos pela última vez — Kate proferiu enquanto ainda abraçava Angelina, de quem por muito tempo sentiu falta.

— Sim, é verdade. — ela concordou com a voz embargada. — Como tem passado todo esse tempo?

— Formei-me no curso de enfermagem, trabalhei no hospital e visitei muitos vilarejos acompanhando meu marido — Kate contou um pouco de sua vida.

— Casou-se? — Angelina sorriu com aquela notícia.

— Deus me abençoou com um bom esposo. Conhecemos-nos no hospital, ele é médico, e tivemos um casal de filhos. — Kate tocou no braço da amiga. — Eu lhe enviei cartas, mas nunca recebi resposta, por isso deixei de escrevê-las.

— Eu peço que me perdoe, mas vê-la descrever os aprendizados que tinha não me faziam bem naquela época. Eu necessitei de tempo para aceitar a vontade do Senhor, mas ele me fez ver sua bondade.

— Eu posso compreender, querida. Mas eu soube dos seus atos surpreendentes na guerra do Leste. — Kate sorriu e, com uma voz amorosa, falou: — Seu amor pela enfermagem e talento foram dados pelo próprio Deus e isso ninguém poderia tirar.

Angelina assentiu. Então escutaram um alto som grave, era um homem que falava em nome dos Soberanos. As duas, tendo a conversa interrompida, retornaram para o salão de baile. Aquele encontro trouxe uma dose de ânimo ao espírito da desanimada Srta. Jones. Ela observou, com grande admiração, a família real unida. Nunca, nem mesmo em suas mais vastas fantasias, pensou que poderia estar num local em que a monarquia se fazia presente. Posteriormente um homem alto e barbudo com uma coroa real, proclamou:

— Este é um dia para celebrarmos a vida e a paz em nossa nação! A guerra levou muitos filhos do solo desta terra. — Como um manto, o silêncio cobriu a todos, ouviu-se então o som de três disparos fora do salão. — E é em nome deles que estamos aqui. Eles deram até o seu sangue para que nós hoje pudéssemos celebrar. Sem sangue não há vitória! E pelos que também sobreviveram é que anunciamos que durante todos os anos, de agora em diante, este dia 20 de fevereiro será um feriado nacional em homenagem aos nossos guerreiros. Viva!

“Viva!” Os presentes declamaram a plenos pulmões.

— E nesta noite queremos oferecer nossos agradecimentos àqueles que lutaram bravamente na guerra do Leste. — Bandejas com medalhas e flores foram trazidas por soldados devidamente fardados.

O rei decidiu fazer pessoalmente a convocação daqueles bravos lutadores. Angelina Jones assistia à distancia tantos homens recebendo suas medalhas e, com grande esplendor, prestigiou mulheres também tendo seus esforços reconhecidos por vossa majestade.

— Convoco agora àquela que com tamanha destreza e amor pela pátria, serviu de voluntária aos feridos de guerra e cujo seu trabalho excelente fora reconhecido pelos mais nobres. Em suas mãos muitos tiveram restabelecida a saúde e em certo grau sua esperança. Para receber a Medalha de Serviço Relevante, chamo a voluntária de enfermagem Angelina Jones.

As palmas explodiram enchendo todo o salão e os olhares viraram-se na direção da dama que se achava perplexa diante daquele anúncio.  Por dois minutos completos, Angelina interrogava-se se exatamente ouviu o que realmente ouviu. Seus traços tomaram uma expressão de interrogação, motivando o major a tocá-la a fim de guiá-la ao palco para estar junto do rei e receber sua medalha. Ela varreu o ambiente com o olhar e encontrou sua antiga amiga, Kate, com o rosto emocionado e o coração da mulher pulsava de orgulho por aquela condecoração.

— Vamos, sua Majestade a espera — declarou o major, fazendo a sair de seu estado paralisado.

Angelina, a passos lentos, caminhou em direção ao grande monarca. Ela tremia por inteiro. Ao ser posicionada diante do rei, contemplou sua grande imponência na postura, tão gloriosa como seu cargo, porém seu olhar terno manifestava sua humildade. Ele a condecorou com a Medalha e um oficial militar concedeu-lhe as flores, recebendo os aplausos dos demais. Em seguida foi realocada ao lado dos demais que receberam seus prémios. Havia ainda a última medalha a ser entregue.

— Há uma semana nossos oficiais retornaram à fronteira para ver os destroços e recolher os corpos dos que haviam sido deixados — o rei pronunciava a todos do salão. — E, para nossa mais completa alegria, descobrimos que existia homens vivos no local, porém soterrados.

Somente respiração de todos no ambiente podia ser ouvido diante da fala do rei.

— Descobrimos que um dos nossos pelotões invadiu, por debaixo da terra, o esconderijo dos inimigos. Resgatando assim, os nossos prisioneiros e pondo fim num dos maiores fortes, dando chance para o exército avançar e ter a vitória. — O rei teve sua voz falha naquele instante. Sua emoção era evidente a todos e ele não se envergonhou disso. — E por causa daquela estratégia militar regida pelo tenente do 25º Pelotão tivemos grande vitória.

O coração de Angelina ameaçou parar diante do anúncio. Suas mãos tornaram-se tremulas e as pernas fracas, o suor frio lhe tomava de conta. Seria verdade aquilo?

— A última medalha é de Herói de Guerra, e é entregue para o primeiro tenente Nathan Scott!

O barulho estrondoso de uma porta lateral se fez ouvir no salão, mostrando todo o 25º pelotão diante dos convidados presentes, imediatamente os olhos azuis cintilantes de Scott se encontraram com os da mulher cuja sua alma amava.

*

Este é o antepenúltimo capítulo, senhoritas. A próxima vez que nos virmos será para encerrar esta história. ❤️

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top