UM

Scabourohg Fair - 1873

8 anos depois

Angelina ergueu a barra de seu vestido para não sujá-lo no lamaçal enquanto atravessava a fim de chegar até a pequena horta no quintal de sua casa. Colheu algumas cenouras, batatas e aboboras, pôs na cesta e retornou à sua casa. Ao entrar em seu lar, deixou as coisas em cima da mesa, encheu um copo de água e seguiu até os aposentos de sua mãe. A senhora Jones encontrava-se deitada, não se atentando para a entrada de sua filha.

– Bom dia, mamãe – Angelina colocou o copo em cima de uma mesinha e direcionou-se até a janela, abrindo as cortinas, deixando os raios de sol invadir o ambiente. – O céu está do jeito que a senhora gosta – disse, enquanto a ajudava se sentar na cama. – Com o azul tão límpido que quando se encontra com o mar no horizonte, parecem se tornar um. — Ainda admirando aquela paisagem, a menina suspirou.

A Sra. Jones estava de cabeça baixa e não expressava nada sobre a conversa da filha. Angelina apoiou a cabeça da mãe com uma de suas mãos e lhe ajudou a beber a água. Em seguida, molhou uma tira de pano numa água morna, que havia dentro de uma tigela, e limpou o rosto da genitora, penteou seus cabelos e afofou os travesseiros, deixando-a mais confortável possível.

– Esta noite tive um sonho – ela sentou-se a beirada da cama, tomou as mãos da mãe e com seu polegar acariciou-lhe o dorso da mão. – Sonhei que eu acordava com o cheiro do seu pão saindo do forno, com o leite fresco dentro da leiteira e o café fumegando no bule – as lágrimas desceram ao ver o olhar vazio da Sra. Jones perdido no horizonte –, então nós duas sentávamos a mesa e orávamos juntas, depois conversávamos sobre os sonhos que tínhamos...

Descrever o sonho despertara sentimentos de profundo saudosismo, ela abaixou a fronte e permitiu que as lágrimas caíssem. A mãe nada declarou. Dando leves batinhas na mão da Sra. Jones e erguendo a cabeça para inalar um pouco de ar, Angelina se levantou e caminhou até a janela e, com a voz embargada, continuou:

– Mas depois o sonho se tornou pesadelo, pois a senhora era atingida por uma forte onda que a deixava prostrada na beira da praia. – Ela segurou o batente da janela com força. – E eu não pude fazer nada, apenas lhe via caída, sem forças e sem vida.

A moça virou-se para a mãe.

– E ao acordar pude perceber que não foi somente um sonho. – Sentou-se na beirada da cama novamente, mordeu os lábios e declarou: – Essa doença tirou a senhora de mim, levando-a a nem me reconhecer, a não se recordar de nenhuma mísera área da vida, e, eu, simplesmente, nada posso fazer. Nada que eu fiz evitou sua piora. – As águas salgadas escorreram pela sua face avermelhada. – Perdão, mamãe.

Talvez um olhar de compaixão, por parte da mulher que lhe deu a luz, acalentaria seu coração, mas nada recebeu. Eva Jones desde a manhã que acordou com sucessivas tosses nunca mais se recuperou, sua saúde dia após dia se debilitou. Chegou o tempo em que ela não conseguia mais se lembrar dos seus afazeres dos dias anteriores, não recordava onde colocava os objetos, até o fatídico momento em que não mais reconheceu sua própria filha e ninguém mais. Angelina, aos 25 anos, viu o mundo desabar sobre seus ombros, o desespero e a dor a consumiu por muitas noites, sentindo-se impotente diante das dificuldades que lhe afligiam a cada novo amanhecer.

Ainda sentada pensando em como sua vida mudou abruptamente do dia para noite, ouviu batidas no umbral de sua casa. Ela depositou um beijo na cabeça de sua genitora e partiu a fim de receber sua visita inesperada. Ao abrir a porta, reconheceu sua querida amiga, Olivia Nagael, uma mulher de idade avançada que nunca se casara, mas que possuía uma sabedoria divina e lhe ajudou num dos seus piores dias, quando achava que não conseguiria lidar com tantos problemas. Numa certa tarde, a senhora a aconselhou com palavras que gravaram em sua mente.

"Eu não sei o que posso fazer?" – Angelina declarara a mulher. – "Eu não tenho sabedoria para resolver essa situação".

"Quem disse que você tem que resolver algo?" – a Sra. Nagael a respondera.

"Então por que tenho que passar por tudo isso?" – a jovem perguntara, desolada.

"Há muito tempo aprendi que os nossos sofrimentos tem somente um objetivo" – dissera a mulher.

"E o que seria?" – Angelina desejava saber os motivos para todo aquele labor.

"Conformar-nos a imagem de Cristo!"

Um silêncio repousou na mente de Angelina.

"Você não tem que querer mudar a situação de sua mãe. Faça apenas o que lhe cabe como filha" – aconselhara a Sra. Nagael. A expressão no rosto da jovem lhe fez prosseguir na explicação. – "Ame sua mãe, cuide dela como Deus deseja e descanse na bondade dEle".

Nunca se esquecera daquele ensino. Sabia muito bem que o Senhor havia enviado Olivia para lhe trazer conforto e a partir daquele dia as duas se tornaram boas amigas.

– Hum! Que cheiro bom! – disse Angelina, olhando para a cesta que a Sra. Nagael carregava. – O que tem ai dentro? 

– Apenas uma torta de maçã – a senhora respondeu e abraçou a moça rapidamente.

– Sabe que é uma das minhas favoritas – Angelina falou com um largo sorriso.

– Eu sei, querida. – Sra. Nagael sorriu e pediu espaço para entrar na casa.

As duas se puseram ao redor da mesa, e Olivia, sem pedir licença, começou a ajudá-la na preparação dos alimentos para o ensopado do almoço.

– Eu soube que a Família Moreau está preparando um festejo na cidade, no sábado – A recém-chegada relatou sobre as recentes notícias que corriam pela região. – Acho bom você ir, Angelina.

– Por que eu iria a um festejo? – a jovem indagou, enquanto cortava as cenouras.

– Ora! Porque é jovem e, quem sabe não arranja um pretendente?

Angelina soltou uma risada seca, em razão daquela sugestão. Aproveitou para passar as cenouras para uma vasilha de barro e começou a cortar algumas folhas verdes.

– Por que está rindo?

Angelina parou e virou-se para a amiga, com os olhos semicerrados, pronunciou:

– Sra. Nagael, eu já tenho 28 anos, meus anos de ser apresentada na sociedade para um arranjo já se passaram – Deu de ombros e voltou ao ofício de cortas as folhas.

– Você não anseia construir sua própria família? – a mulher questionou, colocando a abobora na àgua fervente.

As palavras da Sra. Nagael despertaram na jovem mulher lembranças de sonhos passados. A Srta. Jones olhou para o mar, além da janela e o canto de seus lábios murchou. Sua condição atual não deveria ser regada com sonhos e pensamentos de um futuro novo. Deveria contentar-se com o que tinha.

– Houve um tempo que eu ansiei, mas, aceitei meu destino. – Quicou os ombros.

– Qual destino?

– De ser uma solteirona, como você.
Sra. Nagael deixou uma risada escapulir de seus lábios.

– Como eu?

Angelina fitou-a.

– Sim, a senhora é tão completa mesmo sem ninguém. Acredito que a sua amizade foi enviada por Deus para que eu aprendesse sobre como ser satisfeita sozinha, assim ele estaria me preparando para o meu porvir – relatou suas suposições acerca de seu futuro.

– Você parece estar muito certa sobre isso.

– Eu estou certa sim. – Suspirou. – Por isso, não pretendo ir a festejo nenhum.

Com um sorriso gentil, Olivia segurou a mão de Angelina e declarou:

– Qualquer homem teria uma sorte grande ao tê-la por esposa.

– Os homens desejam meninas jovens, que tenham um bom dotem – proferiu, com os olhos repousando sobre as verduras, porém a voz carregava pesar.

– Mas, o verdadeiro marido não olhará para nada disso, e sim para a beleza da sua alma, ao contemplar a grandiosa graça do Senhor em sua vida. Além do mais, você é tão bela por fora como uma manhã dourada – Olivia elogiou com delicadeza.

– Obrigada pela consideração, Sra. Nagael. – Angelina limpou as águas amontoadas no canto dos olhos. – Contudo, se Deus quiser que eu me case, ele mesmo o trará a mim. Eu não buscarei homem algum.

– Então deixemos por conta do Criador! – afirmou a mulher mais velha, dando leves batinhas nas mãos de Angelina, que concordou.

*

O sol se pôs e uma chuva forte derramou-se pela terra. O mar ficou agitado, o vento soprava com furor, levando as janelas das casas baterem com violência. Angelina achava-se sentada em frente à lareira quando ouviu o rugir alto das ondas se quebrando sobre as pedras. Ela apertou o xale ao redor do seu corpo e trancou toda a casa, pondo até mesmo alguns móveis sobre a porta. Antes de partir para seu quarto, averiguou mais uma vez sua mãe, que dormia tranquilamente apesar da braveza da tempestade. Ao deitar sobre sua cama, clamou ao Senhor por livramento, a fim de que nada de mal ocorresse em seu lar.

Pela manhã, Angelina despertou com o canto de algum pássaro, perto de sua janela. Ao abri-la se deparou com um cenário trágico: árvores caídas, plantações devastadas, e algumas construções foram ao chão. A jovem observou alguns dos moradores próximos com as mãos na cabeça, provavelmente pensando sobre como iriam reverter aquele prejuízo. Ela afastou-se da janela e pensou em como estaria sua horta, já que era com a venda de seus vegetais e legumes para os comerciantes locais que conseguia se sustentar.

Após limpar e alimentar sua mãe, saiu para checar as condições de seu plantio. Infelizmente, alguns cultivos foram perdidos, todavia haveria algo que ainda poderia ser aproveitado. Conversou com alguns de seus vizinhos, que lamentavam por terem tidos perdas maiores.

– Oh, Cristo! – a mulher disse com as mãos erguidas ao céu. – Levará um tempo para podermos reconstruir nosso celeiro novamente – declarou a Sra. Wilson, esposa do maior produtor de azeite da região.

– Tenho certeza que em breve a senhora e seu esposo conseguirão restaurar tudo. – Angelina procurou ser otimista diante da situação.

– Deus queira, minha filha! Deus queira! – A senhora, de cabelos grisalhos e lábios finos, tocou no ombro da jovem. – Ao menos algo bom com tudo isso.

– E o que seria? – indagou Angelina.

– Os pêssegos estão aos montes no chão, é só colher – respondeu, escondendo o sorriso atrás da mão.

– Que boa notícia! Eu colherei alguns para preparar um doce.

Angelina buscou sua cesta e saiu para dentro da pequena floresta que rodeava o vilarejo. Ao conseguir juntar uma boa porção do fruto, ela caminhou para a beirada da praia, que ficava na parte mais afastada. De longe, enxergou algo na areia, a cem metros de distância, a passos lentos se aproximou do que lhe era desconhecido, seus olhos se arregalaram ao constatar que era um homem ferido e desacordado.

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