DEZESSEIS
O maior comerciante de Scarbourogh Fair entrou na humilde residência de Angelina Jones. Por uns poucos minutos, ele nada declarou, apenas observou a construção simplória diante de seus olhos. A casa da Srta. Jones era feita com paredes de pedras, algumas colunas de madeiras que sustentavam o piso superior, não havia pintura nas venezianas das janelas e nem madressilvas cobrindo as paredes. Um local de aspecto pueril e sem muito conforto.
— Concede-me a gentileza de indagar: o que faz aqui, Sr. Bronw?
Joseph virou-se para a jovem e sorriu, assentindo com a cabeça ao pedido.
— Desejo-lhe fazer uma proposta, Srta. Jones!
Angelina estreitou o olhar.
— Eu sei sobre as condições humildes e precárias na qual vive e desejo ajudá-la — ele continuou a falar, enquanto assentava-se, sem pedir permissão, numa cadeira de vinco acolchoada.
— Moro a vida inteira aqui e nunca o vi interessado em minha condição. Por que agora, Sr. Brown? — Angelina cruzou os braços e permaneceu de pé.
— Lembro-me bem da saúde de sua mãe — ele ignorou a indagação da jovem e seguiu com o discurso: — Há relatos confiáveis que Capital agora possui hospitais que podem tratá-la. Não gostaria de poder ter a chance de dar uma nova vida a Sra. Eva Jones?
Angelina agitou-se por dentro. Certamente ansiava poder cuidar com melhores recursos da saúde da mãe.
— Eu poderia enviá-las a Capital e pagar o tratamento de um ano para a Sra. Jones e a senhorita não precisaria se preocupar com sua estadia e despesas, pois todo mês lhe enviaria uma quantia de mil libras.
— Sr. Brown, quais são suas reais intenções? Não posso crer que do dia para noite o senhor lembrou-se de mim e resolveu assistir-me nas dificuladades por simplesmente ser tomado por um espírito altruísta — Angelina replicou toda aquela boa vontade do homem.
— Srta. Jones, por que não aceitar uma oferta tão real e válida? O que poderia lhe impedir de se opor a isso? — ele questionou, ainda sentado na cadeira e com maneiras tão indiferentes. — Receio que não há nada para a senhorita neste pequeno vilarejo.
Angelina riu.
— Meu lar é aqui, senhor! Como pode dizer que não há nada em Scarbourogh Fair para mim?
— E o que recebe em troca? Comer verduras todos os dias e vestir roupas de lã desgastadas? — Apontou para as vestimentas da jovem. — Estou lhe dando a oportunidade de mudar de vida, menina tola. Viver na Capital proporcionará a senhorita novos conhecimentos, riqueza de cultura, boas maneiras, educação, vestimentas sofisticadas e a chance de encontrar um bom marido. Tenho por certo, que ainda há homens que aceitam casar-se com uma solteirona, por uma boa quantia.
A Srta. Jones sentiu as lágrimas arderem em seus olhos.
— Eu posso auxiliá-la em ter um dote bem afortunado. Conheço homens que se casariam com a senhorita.
— Pare, Sr. Brown...
— De fato, precisaria de aulas de etiquetas e uma tutora para lhe lançar em algumas das temporadas da Grande Cidade, mas eu poderia fazer isso.
— Não desejo nada do senhor!
Joseph, ao ver tal atrevimento de recusa, levantou-se abruptamente da cadeira. O homem possuía um brilho mortal nos olhos.
— Pelos céus! Sua pobreza lhe tirou a sanidade. Como pode recusar a oferta de uma ajuda?
— O senhor não está querendo me auxiliar, Sr. Brown!
— Pode dizer-me o que estou querendo fazer então?
— Deseja tirar vantagens de alguma coisa — ela respondeu-o. — Ajudar é um favor que concedemos ao próximo sem esperar nada em troca. E por todos os anos que habito em Scarbourogh Fair nunca teve a intenção de assistir-me em algo. Eu não confio em sua oferta.
O homem bufou diante da ousadia da moça.
— Não preciso de um dote ou de vestimentas novas. Certamente o homem certo me amará pelo meu caráter e não minhas posses.
Uma gargalhada grave ressoou por toda a casa.
— O homem certo? — ele perguntou retoricamente. — Não confie em palavras soltas, Srta. Jones. Não sabe que os militares chegam em dois dias?
Aquelas palavras arrancaram o chão por debaixo dos pés de Angelina.
— Sua interação com o desconhecido Sr. Scott tem percorrido por toda a cidade, desde as festividades. Angelina Jones acompanhada de um homem? De fato, é surpreendente a todos. — Ele aproximou-se dela. — Pena que dentro de poucos dias o conto de fada acabará, pois o desaparecido Tenente Nathan Scott partirá com o seu regimento.
Ela não podia suportar mais aquele penoso diálogo que feria sua alma e sangravam o coração. Novamente os sonhos seriam desfeitos. Por que se permitiu ser levada pela sombra de uma nova esperança? Oh, céus! Deveria saber o seu destino melhor que os outros.
— Como sabe de tudo isso? — Os olhos dela estavam vermelhos e a jovem sentou-se no banco de madeira, tentando reaver os ânimos tão alterados.
— Está nos jornais, minha cara! — Ele tirou de dentro do terno umas folhas velhas e lançou sobre a mesa, caminhando em seguida para a porta. — Vou deixá-la pensando. Em breve, retorno para ter uma resposta sensata. — O homem saiu fechando a porta atrás de si.
Angelina, em meio as lágrimas, tomou as folhas amarelas nas mãos e leu a notícia do desaparecimento de militares e de como o exército estava indo de cidade em cidade recrutando novos soldados e resgatando os desaparecidos. O autorretrato de Nathan estava estampado na primeira folha. Ele certamente partiria! Sentindo como se suas forças estivessem esvanecidas e o seu coração despedaçasse em milhões de pedaços, ajoelhou-se ao lado do banco o qual estava sentada e gemeu ao Deus do céu. As palavras pareciam perdesse em meio ao mar de angústias e desilusões onde suas emoções lhe afogavam.
— Oh, Senhor! Oh, Senhor! — Eram-lhe os únicos vocábulos que saiam dos lábios trêmulos.
Certamente dissera Salomão: “A esperança que se adia faz adoecer o coração...” (Pv 13.12).
— Por que me concedes esperanças para sempre tirá-las de mim? Oh, Deus piedoso, dói-me tanto a alma que não consigo mensurá-lo. Eu devia ter seguido a razão e não deixar-se levar pelo romance. — As lágrimas de Angelina não cessavam.
Ela murmurou mais algumas palavras ao Senhor, entregando a Ele novamente um coração despedaçado com sonhos desfeito, mesmo quando parecia que o próprio Deus era quem lhe tivesse providenciado mais uma porção de dor e sofrimento. Permaneceu prostrada diante dEle por longo tempo, até levantar-se e seguir a praia para pensar ao ar livre.
As espumas das ondas molhavam os pés dela, reconfortando o espírito abatido. Angelina sempre pensara que a natureza — por refletir a glória de Deus — poderia ser usada por Ele para acalentar as almas oprimidas de seus filhos a fim de relembrar as suas próprias benignidades, bem como a canção expressava: “Senhor meu Deus, quando eu maravilhado, os grandes feitos vejo da tua mão, estrelas, mundos e trovões rolando, a proclamar teu nome na amplidão- "Então minha alma canta a ti, Senhor: Grandioso és Tu, grandioso és tu!”
— Que eu sempre lembre que a tua graça é melhor que a vida, Senhor! — Angelina proclamou, olhando firmemente para o majestoso oceano que se encontrava com o céu de cor azul límpido a sua frente.
Após uns minutos, ela começou a andar pela beirada da praia, contudo, avistou não tão distante o Sr. Scott acompanhado do jovem que encontrara no festival. Não pôde deter que a agonia lhe percorresse por todo o corpo novamente, como poderia suportar tamanho martírio? Não conseguiria. Entretanto, seus pés fincaram-se sobre a areia e não foi capaz de continuar a caminhada, apenas observava o tenente aproximar-se mais e mais.
— Angelina? — a voz grave de Scott penetrou-lhe os ouvidos, flamejando em seguida o coração de dor. — Está tudo bem? — Ele percebeu o estado aflito da mulher amável diante de si.
Seria ela capaz de o esconder os motivos de seu lamurio? De fato, não.
— Sr. Turner — ela não o respondeu, mas reverenciou o rapaz que o acompanhava.
— Senhorita Jones! — Ian a reverenciou.
Scott não compreendia as atitudes de Angelina e uma nítida preocupação pairou sobre si, podendo ser refletido pelo brilho que emanava dos seus olhos.
— Permita-me conversar a sós com a Srta. Jones — Scott comunicou ao amigo, que não demorou a afastar-se, concedendo aos dois uma privacidade.
Por alguns breves segundos, nenhum dos dois emitiram algum som, contudo, Scott interrompeu o silêncio fúnebre.
— Algo aconteceu e posso ver pelas suas expressões.
Angelina apertou o xale em volta do corpo para tentar possuir alguma coragem.
— Diga-me: o que lhe aflige?
— O senhor me aflige! — pronunciou com a voz embargada. — Em breve partirá e nada contou-me. — Ela balançou a cabeça e olhou para o vasto mar.
As palavras de Angelina trouxeram imediatamente profunda perturbação ao coração do Tenente. Como ela havia descoberto? Oh, céus!
— Não menti para você — ele disse.
— Omitiu um assunto de relevada importância. — Ela passou as mãos sobre a face para enxugar as lágrimas que desciam.
— De fato! Receio que esse fora meu maior erro. Contudo, o único objetivo é que fizera isso para seu bem.
— Meu bem?
— Não queria entristecê-la e desejava poupá-la de uma notícia ruim até encontrar uma solução. — Nathan respirou fundo.
— Tem solução?
O tenente abaixou a cabeça e balançou a cabeça em negativa.
— Ah! — Esse foi o suspiro da alma aflita de Angelina Jones, sentiu o coração comprimir dentro do peito, achando que não haveria ar suficiente para respirar.
— Angelina, eu não possuo direito para pedir-lhe nada, mas, não veja em mim um enganador. — Ele segurou-lhe os ombros. — Não houve uma noite sequer que não tenha pedido a Deus por uma direção, clamando a sua graça. — Algumas lágrimas caíram do rosto do tenente. — Mas ele não respondeu a nenhuma delas.
— Ele respondeu sim — ela disse e Scott franziu o cenho. — Se não mudou a rota dos planos é porque deseja que você parta. Essa é a resposta dEle.
— Angelina...
— Eu preciso ir. — Ela soltou-se das mãos dele que ainda repousavam em seus ombros. — Arrume suas coisas, pois, em breve o regimento chegará.
Ela então o deixou.
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